Por Vera Magalhães

 

Já escrevi inúmeras vezes, já falei em comentários na CBN: uma das facetas mais evidentes da personalidade política de Jair Bolsonaro é a covardia extrema.

Trata-se de um atributo típico de quem, mesmo sem grande inteligência, ou justamente por isso, sabe que ocupa um cargo muito além de sua capacidade, para o qual foi eleito por circunstâncias muito anômalas.

O medo de Bolsonaro saltava aos seus olhos mesmo de máscara nesta quarta-feira. Visivelmente desconfortável por ter sido forçado a ostentar o acessório contra o qual investe há um ano, por puro capricho negacionista e por absoluta falta de empatia com e de senso de emergência diante do flagelo da pandemia, o presidente mostrou que a máscara, ali, era uma carapuça. 

Uma carapuça que ele vestiu imediatamente em seguida ao discurso de seu principal rival, Lula.

Não, Lula não fez um discurso de estadista, como análises apressadas e entusiasmadas trataram de cravar logo depois. Sua longa fala é dividida em duas etapas: a autolouvação de sempre e o contraponto a Bolsonaro.

A primeira é a mais cheia de fake news. Lula falou como se tivesse sido absolvido pelo STF, o que não ocorreu. Exigiu desculpas da imprensa, do Ministério Público e da Justiça, deu uma de Bolsonaro ao insinuar fraude inexistente na eleição de 1989 e pintou um governo do PT bastante maquiado, no qual as empresas públicas como Petrobras e Banco do Brasil eram exemplo de gestão. Ou seja: parece ter encarado o habeas corpus concedido por Fachin como licença para reescrever a História a seu bel prazer, algo em que é imbatível.

A segunda parte da fala começa quando ele diz que não poderia deixar de falar do momento atual do Brasil. E é uma parte realmente boa do discurso. Não só porque Lula é imbatível nas artes da oratória e do faro político. Mas porque ele realmente acertou nos conceitos e na comparação ao defender a vacinação, ao pontuar que em seu governo não havia negacionismo científico e que Bolsonaro e Pazuello são ameaças ao Brasil e não devem ter suas "sandices" escutadas.

É importantíssimo que um líder popular com o carisma de Lula, sem entrar aqui em nenhum juízo de valor além deste, diga que vai se vacinar tão logo possa e incentive a população a fazer isso. É necessário que mais lideranças saiam das suas torres de marfim e peguem esse touro a unha.

E é aí que Bolsonaro se pela de medo. E se é preciso que Lula ressurja no cenário para que o presidente incapaz aja, ainda que por covardia, ponto para Lula.

Os filhos zeros de Bolsonaro também saíram em defesa do "meu paipai". Flávio, direto da mansão de R$ 6 milhões, disparou no grupo do Telegram a ordem para que o gado difundisse uma frase do presidente a favor de vacina. 

Carluxo fez um vídeo tosco de colagem de frases de Bolsonaro para atestar que ele nunca teria sido contra a vacinação.

Mas a pouca inteligência bolsonariana, uma herança de pai para filhos tanto quanto os mandatos e o patrimônio amealhado na política, se esquece de que o próprio Bolsonaro, orgulhoso que é das lives tenebrosas que promove, das paradinhas delinquentes na frente do Alvorada, dos palanques nos quais se empolga e dos atos antidemocráticos que promoveu na rampa do Planalto produziu toneladas de vídeos, audios e decisões antivacinas e anticiência que estão guardados, como documentos que são. 

O que se espera é que o STF e o Congresso, além do Ministério Público e do TCU, ajam, tomem as providências para evitar que a pandemia saia da arena política de Lula x Bolsonaro e que o presidente seja obrigado não só a envergar uma máscara como cosplay, mas a comprar já as vacinas que deliberadamente sonegou do povo brasileiro. Não porque Lula mandou e ele se apavorou, mas porque a sociedade exige. Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com