A poucos dias da eleição, o presidente continua ameaçando descumprir a vontade do eleitor. O País não pode ser refém do golpismo. As instituições têm os instrumentos para puni-lo
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O presidente da República, Jair Bolsonaro, manifestou mais uma vez sua disposição de não respeitar a vontade do eleitor caso esta lhe seja desfavorável. Este jornal, que considera a alternância no poder e o respeito às instituições como algumas das mais preciosas bases da democracia, entende que é inaceitável que qualquer candidato, sobretudo na condição de presidente da República, lance suspeitas infundadas sobre o processo eleitoral e sobre a lisura da Justiça Eleitoral, tentando, assim, deslegitimar o resultado das urnas.
No Jornal da Record, quando o repórter lhe perguntou se aceitará o resultado das eleições caso seja derrotado, Bolsonaro respondeu: “Olha, eu vou esperar os resultados”. Na sequência, ainda levantou suspeitas sobre a imparcialidade da Justiça Eleitoral. Escancaram-se, assim, suas pretensões golpistas. As instituições precisam estar em alerta máximo.
Seguindo a cartilha do mau perdedor, Bolsonaro começou já em 2020 suas agressões ao sistema eleitoral, afirmando que as urnas eletrônicas eram suscetíveis de fraude. Depois, foi além, e, sem nenhum indício digno de nota, muito menos prova, disse que as eleições de 2014 e as de 2018 foram fraudadas.
Bolsonaro afirma que as urnas não são auditáveis. Mentira: elas têm 10 camadas de auditoria e seu código-fonte é aberto à inspeção das instituições. Afirma que as urnas são vulneráveis a ataques de hackers. Mentira: elas não entram em rede nem são acessíveis remotamente.
Se é lamentável que as instituições e as inúmeras demonstrações de integridade das urnas não tenham contido a estratégia sediciosa do presidente da República, é também um sinal do fracasso do bolsonarismo que ele não tenha logrado arrastar o mundo-político institucional para suas teses – e práticas – conspiratórias. Nenhum ator político relevante – nem sequer seus asseclas do Centrão –, nenhum dos Poderes da República, nenhuma instituição da sociedade civil corrobora sua desconfiança. Ainda assim, o presidente incitou o Ministério da Defesa, na tentativa de implicar as Forças Armadas, a realizar uma “apuração paralela” e flagrantemente inconstitucional das urnas. Chegou ao absurdo de convocar embaixadores internacionais para declarar que nossa democracia é fraudulenta.
É paradigmático que em 2021, quando o coronavírus ainda dizimava a vida de milhares de brasileiros e fustigava a economia do País, Bolsonaro tenha sequestrado a agenda do Congresso para uma pauta natimorta e sem nenhum clamor popular: o voto impresso. “Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final”, disse na ocasião em mais um arroubo autoritário. “Se não tiver voto impresso, é sinal de que não vai ter eleição.” Nada exprime melhor, quase que literalmente, a cortina de fumaça ininterruptamente regurgitada pelo Palácio do Planalto para disfarçar o seu desgoverno que a fuligem preta dos blindados mobilizados por Bolsonaro para intimidar o Parlamento no dia da votação sobre o voto impresso.
A ex-presidente Dilma Rousseff exprimiu os sentimentos de muitos políticos – incluindo o do próprio clã Bolsonaro – ao afirmar que “pode fazer o diabo quando é hora das eleições”. O presidente vai além, e se mostra disposto a fazer o diabo para subvertê-las. Bolsonaro, que encerrou sua carreira militar com ameaças de bombas a quarteis, agora ameaça implodir o resultado das urnas.
É inaceitável que paire, após três décadas de redemocratização, o fantasma do golpe sobre as eleições. Ainda que Bolsonaro reedite com estonteante frequência suas acusações fraudulentas, não é tolerável normalizar esta atmosfera de exceção.
Mas só notas de repúdio não bastam. Há meios legais para punir eventuais atentados ao processo eleitoral. Há a legislação eleitoral, há a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito e há a Lei dos Crimes de Responsabilidade. Bolsonaro já é investigado pelo TSE por difundir informações falsas sobre o processo eleitoral. A Constituição legou ao Ministério Público, à Polícia Federal, ao Judiciário e ao Congresso todos os instrumentos necessários para impedir que as ameaças de Bolsonaro à liberdade política dos brasileiros e seus crimes contra a vontade do eleitor não fiquem impunes. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br