Por Malu Gaspar
Apesar das pressões internas e externas para que tome alguma providência em relação às manifestações golpistas que ainda ocorrem nas portas dos quartéis, a alta cúpula do Exército optou por uma solução salomônica: tentar segurar os seus, enquanto espera que os protestos "morram" naturalmente.
Nos últimos dias, enquanto a reunião do Alto Comando ocorria em Brasília, comandantes de unidades receberam dos superiores hierárquicos a orientação para reforçar entre os subordinados a ordem para se manter longe das redes sociais e dos atos golpistas que pedem a anulação do resultado das eleições e intervenção militar para barrar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o público externo, porém, a orientação é a de se manter em silêncio para esperar que os bolsonaristas se cansem e se desmobilizem - o que, esperam, deve ocorrer de forma natural após a posse de Lula e a saída de Bolsonaro do Palácio do Planalto.
A ordem para a tropa se já havia sido dada em outras ocasiões desde que as manifestações começaram, mas alguns episódios ocorridos nos últimos dias e discutidos no Alto Comando levaram a esse "reforço".
O primeiro foi uma carta apócrifa que circulou nas redes, em que coronéis supostamente pedem o “imediato restabelecimento da lei e da ordem”.
Embora o texto seja apócrifo, é dado como certo no Exército que o grupo de signatários é composto por coronéis e praças de várias patentes.
Outra questão que azedou o clima no Alto Comando foi a campanha de disseminação nas redes bolsonaristas contra três de seus membros: o comandante militar do Nordeste, Richard Nunes, chefe do estado-maior do Exército, Valério Stumpf, e o comandante militar do Sudeste, Tomás Miné Ribeiro de Paiva.
Por estarem entre os três mais antigos do generalato, os dois últimos são cotados para assumir o comando da força no governo Lula. O terceiro entre os mais antigos é o general Arruda, atual chefe do Departamento de Engenharia e Construção.
Considerados moderados, esses generais aparecem em mensagens dos grupos e plataformas digitais identificados por fotos acompanhadas por textos-legendas que os tratam como traidores e “melancias” (verdes por fora e vermelhos por dentro).
Como há vários bolsonaristas na cúpula, criou-se um mal-estar que obrigou o ex-comandante do Exército e também bolsonarista Eduardo Villas Bôas a defendê-los no Twitter, pedindo que a tropa assegure “a tranquilidade necessária para a tomada de decisões por parte de nossos chefes”.
A iniciativa dos comandantes é uma tentativa de se equilibrar entre a pressão dos bolsonaristas, que insistem para que os militares ajam contra o TSE e tumultuem a conclusão do processo eleitoral, e outra ala do próprio meio militar que vê a participação da "família militar" e até de oficiais da ativa nas manifestações como atos de indisciplina que deveriam ser punidos.
O Regulamento Disciplinar do Exército proíbe que militares se manifestem publicamente sobre política, mas no governo Bolsonaro esse cânone militar foi seguidamente desprezado, com o aval do próprio presidente da República. A omissão dos comandantes militares acabou por banalizar manifestações como a divulgação nas redes de um vídeo gravado por um militar da Marinha, que veio à tona nesta semana.
Na avaliação de interlocutores de Lula na área da Defesa, os próprios militares abriram espaço para que os protestos contra o resultado das eleições ocorressem na frente dos quartéis, quando aceitaram assumiram o papel de "fiscalizadores do processo eleitoral" imposto a eles por Bolsonaro.
Agora, estão diante de um problema de difícil solução - ignorar a indisciplina da tropa e ajudar a fomentar a divisão entre golpistas e não golpistas, ou impor o regulamento militar e perder o controle da situação. “É uma saia justíssima de algo que deveria ter sido evitado desde o início”, afirmou um general à equipe da coluna.
Na dúvida sobre o que fazer, vão empurrando com a barriga, e torcendo para que a troca de turno no Palácio do Planalto ajude a acomodar a situação. Fonte: https://oglobo.globo.com