É possível acabar com a violência?
Onde a educação é de baixa qualidade, é preciso investir logo na construção de presídios
Dom Odilo P. Scherer, Cardeal-arcebispo de São Paulo
Os números da violência no Brasil são impressionantes! Embora tenha menos de 3% da população mundial, o País tem quase 13% dos assassinatos em relação a essa mesma população, conforme dados do Atlas da Violência, divulgado pelo Ipea em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (9/6/2017).
Somos campeões absolutos na lista nada gloriosa dos países com maior índice de violência do mundo. Em 2014 foram 59.627 mortes por atos violentos. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes chega a ser 13.100% maior que na Inglaterra e 609,3% maior que na vizinha Argentina! No Brasil morrem mais pessoas a cada ano, vítimas de assassinato, do que em qualquer país em guerra declarada atualmente! Como chegamos a essa situação e o que pode ser feito para mudar esse quadro nada lisonjeiro?
Quem põe essa questão em discussão é a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por intermédio da Campanha da Fraternidade, promovida, mais uma vez, durante o tempo da Quaresma, enquanto os católicos se preparam para a celebração da Páscoa. “Fraternidade e superação da violência” é o tema da campanha. O lema – “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8) – é uma recomendação de Jesus aos discípulos.
Os motivos da escolha do tema são mais que óbvios e se impõem por si mesmos. O problema da violência é muito sério no Brasil e todos são chamados a fazer a sua parte para mudar esse quadro, antes de nos tornarmos vítimas da violência também nós mesmos. Esta campanha pretende contribuir para a superação da violência, a promoção da cultura da paz e da não violência, da justiça e da reconciliação. Na linha desse objetivo, são propostas diversas ações, como a conscientização sobre a amplidão e a gravidade da violência no Brasil, a identificação das causas mais difusas e das formas que a violência assume, os fatores que mais a desencadeiam e a busca das soluções eficazes para enfrentar e mudar essa situação. Não é possível continuar assim!
Muitas são as faces da violência e ela se verifica na cidade e no campo, na vida privada, na esfera doméstica e pública, no esporte, no trabalho e até na escola. Há violência física e moral, sexual e cultural... Os dados objetivos mostram haver situações em que a violência se dá com maior frequência e deveriam merecer atenção especial da sociedade e das autoridades competentes. Grande parte das mortes decorrentes da violência relaciona-se ao tráfico e ao consumo de drogas ilícitas e de álcool. O contrabando e o comércio de armas, a exploração sexual e o crime organizado são outros fatores que desencadeiam violência pesada.
A ausência ou ineficiência do Estado e a falta de políticas e ações eficazes de proteção e defesa da população favorecem a instalação do crime organizado e da violência sistemática, muito difícil de serem combatidos. A corrupção e a má gestão dos recursos públicos estão na raiz de muita violência contra o cidadão, como também a morosidade e ineficiência da Justiça, que sinalizam para a impunidade e passam a ideia de que o crime e a violência compensam. A complacência diante do ilícito e da pequena corrupção pode deixar marcas em certa cultura tolerante com a violência.
Como solução para o problema da violência se aponta logo o endurecimento das leis e das políticas repressivas, a construção de presídios, a melhor preparação das polícias... Tudo isso, certamente, pode ter o seu peso, mas por si só não resolve a questão. Por outro lado, pretende-se explicar a violência a partir das persistentes injustiças sociais, da falta de ocupação e trabalho e das condições de vida pouco dignas de grande parte da população. Também nisso há muita verdade, sem justiça e solidariedade social nenhum país consegue acabar com a violência. E enquanto permanecer a sutil sinalização de que o crime compensa, haverá sempre muita violência.
Mesmo assim, o cessar da violência dificilmente se concretizaria, ainda que fossem superados todos os fatores que costumam desencadeá-la. O meio social e os condicionamentos estruturais e culturais, apesar de contribuírem muito para moldar o ser humano e o seu comportamento, não os determinam, em absoluto. O determinismo não se aplica nem sequer a um ambiente saneado, de cujo meio também podem sair pessoas violentas. O ser humano é dotado de liberdade e, por isso, pode ser ajudado a fazer escolhas não violentas. E aqui entra o papel fundamental da educação.
Sem uma melhoria significativa na educação será difícil controlar a violência. Penso na educação formal e na informal, que envolve toda a sociedade. E não bastam escolas em número suficiente, é necessário melhorar a qualidade da educação, que também contemple a formação do caráter e proponha valores e atitudes social e eticamente aceitáveis, preparando cidadãos de bem, em lugar de indivíduos associais e candidatos aos presídios. Onde a educação é de baixa qualidade, é preciso investir logo na construção de presídios...
A Campanha da Fraternidade propõe mais uma boa reflexão, que não deveria ser subestimada. A educação precisa investir mais e melhor na educação do senso moral das pessoas. Não se trata de moralismo, mas de educação do senso moral. O aparato repressivo e judicial deveria ser apenas um recurso extremo para impedir ou corrigir a violência. A partir da educação boa e da formação moral, as pessoas deveriam ser levadas a evitar a violência, não por coação externa, mas por uma lei interior assumida livremente, gravada na consciência. A fundamentação dessa moral é dada pelo lema da Campanha da Fraternidade: “Vós sois todos irmãos”. O que não é aceitável que seja feito contra mim também não deve ser feito contra o próximo.