O carnaval é a maior festa popular do Brasil e do mundo. Nos quatro dias da manifestação cultural, o povo é embalado pelo samba, frevo, axé e por tantos outros ritmos. A diversidade da festa é característica nas multidões que brincam nas diferentes expressões da folia de cada cidade brasileira. Nas marchinhas, nas batucadas, nos sambas-enredos, nos blocos, nos bonecos gigantes, nos carros alegóricos, nas fantasias, nas plumas, nos paetês, nas purpurinas, nos confetes e nas serpentinas estão impressas as cores da beleza da cultura brasileira que dão vida à festa.
“O carnaval é uma época de festa, de reunir os amigos e vivenciar a alegria do momento. Já tive fases em que via o carnaval como momento de desapego, de extravasar. Mas hoje, nada mais é do que uma oportunidade para sair da rotina e curtir com os amigos”, declara a jornalista Priscilla Peixoto, da paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Taguatinga (DF).
Sob influência das festas carnavalescas que aconteciam na Europa, a festa chegou ao Brasil em meados do século XVII. Mas, por aqui, só no final do século XIX que começaram a aparecer os primeiros blocos.
As pessoas se fantasiavam, decoravam seus carros e, em grupos, desfilavam pelas ruas das cidades, afirma o historiador André Diniz, no livro Almanaque do Carnaval. Segundo a obra, a primeira marchinha “Ó abre alas” foi feita em 1899, por Chiquinha Gonzaga, para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro.
No Brasil, o carnaval se expressa em três grandes eixos. No Rio de Janeiro e em São Paulo, predominam os desfiles das Escolas de Samba e dos blocos de rua. Já em Pernambuco, os bonecos gigantes dão o tom ao frevo de rua e em Salvador a folia é por conta dos trios de axé que arrastam multidões. É nessas três vertentes que o brasileiro se diverte nos quatro dias que antecedem o início da Quaresma, período de quarenta dias que antecedem a principal celebração do cristianismo: a Páscoa.
FÉ E SAMBA
Igor Ricardo, da paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro 25 de agosto, em Duque de Caxias (RJ), nasceu em uma família católica, mas também do samba.
“Eu fui criado indo para a Igreja aos domingos, mas ao mesmo tempo cresci nas quadras das escolas de samba. Meus familiares – pais e tios – são ligados ao samba”, disse explicando como concilia a sua devoção à Igreja e também ao carnaval.
Segundo ele, é possível vivenciar o carnaval e ser católico já que são duas coisas totalmente distintas. “A minha fé não é abalada em momento nenhum pelo carnaval. Me sinto à vontade em dizer que sou católico e não me sinto rejeitado por ser um ambiente que têm muitas pessoas de outras religiões”, ressalta.
O mesmo acontece nas quadras das escolas que frequenta: “Eu não me sinto invadido, nem desrespeitado no samba por ser católico”, disse.
Um bom exemplo da relação da fé com o carnaval tornou-se samba enredo nas mãos dos carnavalescos da escola de samba Unidos da Vila Maria, em São Paulo (SP), em 2017. A escola homenageou a padroeira do Brasil com o enredo “Aparecida – A Rainha do Brasil. 300 anos de amor e fé no coração do povo brasileiro”. A agremiação lembrou os 300 anos da aparição da imagem da padroeira do Brasil, no Rio Paraíba do Sul (SP).
A homenagem contou com o aval do arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer, e por representantes da arquidiocese e do Santuário Nacional de Aparecida. O pedido feito pela Unidos de Vila Maria chegou à arquidiocese em 2015 e foi levado ao conselho Pro-Santuário Nacional de Aparecida, encarregado de acompanhar, em nome da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a vida pastoral e administrativa do Santuário.
Após vários pedidos de esclarecimentos, por unanimidade, a Arquidiocese de São Paulo deu parecer favorável à iniciativa, mas fez algumas recomendações conforme nota publicada no site da arquidiocese de São Paulo.
“Alguns critérios tiveram de ser observados: o respeito à imagem de Nossa Senhora Aparecida, à fé e à religiosidade do povo católico; fidelidade aos fatos históricos; apresentação da genuína piedade mariana católica, sem sincretismos; decoro no desfile da escola, sem exposição de nudez e a supervisão dos preparativos pelo Santuário de Aparecida e pela Arquidiocese de São Paulo”, destacou.
O assessor de imprensa da Arquidiocese de São Paulo, Rafael Alberto, um dos representantes da Igreja que ajudou a Escola a desenvolver o enredo, disse que a agremiação aceitou sem reservas todos esses critérios. Indicado pela arquidiocese, ele participou de tudo: supervisionou o desenvolvimento do enredo, avaliou a letra do samba até a elaboração das fantasias, incluindo a da madrinha da bateria.
À época, o cardeal Odilo Scherer chegou a perguntar se o sambódromo é o lugar mais adequando para homenagear a padroeira do Brasil e concluiu: “Até pode ser, pois tudo depende da intenção e da forma como as coisas são feitas. No caso em questão, a intenção é boa e a forma também. O lugar seria impróprio para honrar a puríssima Virgem Maria? Mas será que Maria não gostaria de chegar lá, onde mais se faz necessária a sua presença?”, problematizou.
O jovem Igor Ricardo vivenciou, em 2017, uma experiência de fé no carnaval. Como jornalista, ele fez uma reportagem com um padre que desfilou como passista em uma escola em uma ala tradicional onde desfilam os passistas. Ele perguntou ao padre: “É possível vivenciar o carnaval sendo católico?”. A resposta do padre mexeu com suas certezas. O religioso afirmou que o pecado está na cabeça das pessoas e no ato praticado por elas. “A minha fé independe de eu estar sambando. Eu sambo pela arte e pela cultura, não para cometer o pecado”, acrescentou o padre passista. Essa resposta, disse Igor, mudou a sua visão de fé como católico e também como amante da cultura da escola de samba.
A jovem Priscila Peixoto também não vê problemas em vivenciar o carnaval sendo católica. “Independentemente da religião, o nosso caráter, nossa essência e nossa crença não devem ser abalados pelo calor de um momento. É uma festa como outra qualquer. A gente tem que desapegar desse estigma de que um cristão não pode se divertir e tem que estar somente na Igreja. Todo lugar é lugar de evangelizar”, frisou.
Segundo Priscila, é importante termos a consciência de que tudo na vida tem limites. “Se estamos em uma festa e esquecemos nossos valores, bebemos além da conta, estamos exercendo o livre arbítrio de forma equivocada. Mas nada nunca me impediu de ser cristã, de beber sim, de conhecer pessoas e de saber até onde eu posso ir. A maturidade nos traz isso e a fé confirma”, avalia.
O carnaval é uma expressão cultural que tem inúmeras manifestações e deve ser vivenciado de forma a expressar a alegria pelo canto e pela dança. Por outro lado, o Arcebispo de Salvador (BA), dom Murilo Krieger adverte que o bem-aventurado Papa Paulo VI, na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, lembra que nem toda cultura é, por si mesma, valiosa. “Cabe a nós, portadores da mensagem de Jesus Cristo, penetrar nas culturas e introduzir nelas os valores do Evangelho. Foi isso que fizeram os cristãos com lugares e festas pagãs”, disse.
Neste Ano Nacional do Laicato, o arcebispo reforça que o carnaval é um imenso desafio para a ação evangelizadora dos leigos e leigas. “Que o Espírito Santo os ilumine nessa tarefa”, pediu o bispo. Fonte: http://cnbb.net.br