Clérigos foram presos na Operação Caifás, suspeitos de desviar dinheiro do dízimo. Secretário-geral da CNBB manifestou solidariedade aos fiéis e mandou mensagem para bispo.

Por Raquel Morais, G1 GO

Presos suspeitos de desviar dinheiro do dízimo e de doações, o bispo de Formosa, Dom José Ronaldo, e outros cinco padres ocupam celas em uma área separada no novo presídio da cidade. Segundo a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP), o isolamento ocorre para garantir a integridade física dos clérigos. Eles têm direito a banho de sol de duas horas por dia e tomam banho em chuveiro sem eletricidade.

Todos têm ensino superior – exigência da formação como padre. A DGAP disse não poder informar o tamanho da cela e outros detalhes. Os padres devem começar a prestar depoimento ao Ministério Público DE Goiás (MP-GO) na tarde desta terça-feira (20).

Em nota, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Leonardo Ulrich Steiner, disse ao G1 manifestar solidariedade aos fiéis da Diocese de Formosa, “, recordando ao irmão bispo que a justiça é um abandonar-se confiante à vontade misericordiosa de Deus”.

“A verdade dos fatos deve ser apurada com justiça e transparência, visando o bem da igreja particular e do bispo”, declarou.

O bispo de Formosa, Dom José Ronaldo; o vigário-geral e segundo na hierarquia de Formosa, monsenhor Epitácio Cardozo Pereira; o juiz eclesiástico Thiago Wenceslau; e mais três padres foram presos temporariamente nesta segunda-feira (19), suspeitos de integrar um esquema que pode ter desviado mais de R$ 2 milhões dos cofres da Igreja Católica.

Além deles, o secretário da Cúria de Formosa e dois empresários também foram detidos. A prisão temporária tem validade de cinco dias, podendo ser estendida para mais cinco. Denúncias do MP-GO apontam que o juiz eclesiástico fez vista grossa para denúncias de desvio de recursos e que padres pagavam “mesada” ao bispo para se manterem em igrejas mais “lucrativas”.

As apurações apontam que o grupo age desde 2015. As investigações começaram no ano passado, após denúncias de fiéis. Eles afirmaram que as despesas da casa episcopal subiram de R$ 5 mil para R$ 35 mil desde a chegada do bispo Dom José Ronaldo. Na ocasião, o clérigo negou haver irregularidades nas contas da Diocese de Formosa.

Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça apontaram que os suspeitos compraram uma fazenda de criação de gado e uma casa lotérica com o dinheiro desviado. As aquisições, conforme o MP, também eram uma forma de lavar o dinheiro.

À TV Anhanguera, Dom José Ronaldo disse que o advogado dele ainda não teve acesso ao processo e nega envolvimento dele no caso.

‘Juramento de fidelidade’

Convocado após denúncias de desvios de dízimos e doações na Diocese de Formosa, o juiz eclesiástico Thiago Wenceslau forjou um relatório das contas questionadas anunciando que “auditoria rigorosa” apontou não haver nenhuma irregularidade, de acordo com o MP-GO.

“[O juiz eclesiástico] Veio [de São Paulo] com um objetivo: intimidar de forma definitiva os padres e fazer com que eles fizessem, como de fato muitos fizessem, um juramento de fidelidade ao bispo [Dom José Ronaldo, apontado como líder do esquema]”, explicou o promotor Douglas Chegury.

 “Chamados nominalmente, [os padres] deveriam responder se estavam com o bispo ou contra o bispo, não era com a igreja ou contra igreja. Isso aconteceu em uma reunião a portas fechadas”, completou.

De acordo com o MP-GO, havia “clima de terror e opressão” e ameaças de retaliação, transferências e até perda de ministério aos clérigos que não se calassem ou não demonstrassem apoio ao bispo.

'Mesada' por paróquias mais rentáveis

A investigação aponta ainda que padres de Formosa, Posse e Planaltina pagavam ao bispo de Formosa, Dom José Ronaldo, para que fossem mantidos em paróquias mais lucrativas. O valor mensal da "mesada" variava entre R$ 7 mil e R$ 10 mil.

"As informações que nós obtivemos é que, para permanecer nas paróquias que davam mais dinheiro, os padres pagavam uma mesada, em dinheiro, ao bispo. Um pároco, que contribuiu com as investigações, inclusive, chegou a ver esse repasse", disse o promotor Douglas Chegyry ao G1.

Dinheiro escondido em guarda-roupa

A Operação Caifás apreendidos cordões de ouro, relógios e caminhonetes da cúria em nomes de terceiros, além de uma grande quantia de dinheiro em espécie, com valor ainda não foi divulgado. Havia moedas estrangeiras, incluindo dólares americanos, dólares australianos, pesos argentinos, pesos chilenos e euros.

Na casa do vigário-geral, segundo na linha de sucesso da Diocese, foi apreendida grande quantidade de dinheiro no fundo falso de um guarda-roupa. Segundo a TV Anhanguera apurou, o montante contabilizou R$ 70 mil. A quantia estava em sacos plásticos.

Grupo suspeitava de apuração

O promotor afirmoui que os clérigos desconfiavam da operação antes mesmo dela ocorrer. Escutas telefônicas também corroboram a tese.

Em uma conversa com um interlocutor, datada de 8 de março último, Dom José Ronaldo questiona sobre um padre ter sido chamado para prestar esclarecimentos a respeito de uma festa da igreja, cujas contas não foram prestadas.

"Igreja não tem que prestar conta de festa, dessas coisas, para o Ministério Público."

Em outro trecho, quatro dias depois, o bispo volta a falar sobre possíveis denúncias sobre desvios de recursos. Entre outras falas, ele alega que uma investigação "tem fundamento zero", que "o negócio já morre no nascedouro" e que "investigação de tributos é da Justiça Federal".

Operação Caifás

O MP-GO fez à Justiça pedido de 13 mandados de prisão temporária e 10 de busca e apreensão em residências, igrejas e um mosteiro. O juiz Fernando Oliveira Samuel concluiu haver necessidade de prisão em nove casos:

  • José Ronaldo Ribeiro, bispo de Formosa
  • Monsenhor Epitácio Cardozo Pereira, vigário-geral da Diocese de Formosa
  • Padre Moacyr Santana, pároco da Catedral Nossa Senhora Imaculada Conceição, Formosa
  • Padre Mário Vieira de Brito, pároco da Paróquia São José Operário, Formosa
  • Padre Thiago Wenceslau, juiz eclesiástico
  • Padre Waldoson José de Melo, pároco da Paróquia Sagrada Família, Posse (GO)
  • Guilherme Frederico Magalhães, secretário da Cúria de Formosa
  • Antônio Rubens Ferreira, empresário suspeito de ser laranja da quadrilha
  • Pedro Henrique Costa Augusto, empresário, suspeito de ser laranja da quadrilha

O nome da operação foi escolhido considerando que Caifás era o sumo sacerdote quando Jesus foi condenado a morrer na cruz, explicou o MP-GO.

Denúncia de fiéis

Em dezembro de 2017, fiéis denunciaram que as despesas da casa episcopal de Formosa, onde o bispo mora, passaram de R$ 5 mil para R$ 35 mil desde que Dom José Ronaldo assumiu o posto, havia três anos.

"O que nós temos certeza é que as contas da cúria não fecham. Então, nós queremos a abertura pública das contas da cúria [administração da diocese] e dos gastos da casa episcopal", disse uma fiel, que preferiu não se identificar.

O grupo que contesta as contas informou que não recolheria o dízimo até que as medidas fossem atendidas. A diocese disse, na época, que o custo das 33 paróquias é de cerca de R$ 12 milhões por ano. Já a arrecadação, no mesmo período, é de R$ 16 milhões. O restante é destinado ao fundo de cada unidade.

Dom José Ronaldo alegou na época que não tocava no dinheiro e que não houve o pedido, por parte do grupo, para a apresentação de contas.

"Não tem nada de impropriedade. Não toco nos repasses financeiros das paróquias que são destinados à manutenção das necessidades da Diocese, casa do clero, seminário, estrutura da cúria, funcionários etc.", declarou. Fonte: https://g1.globo.com