A gnose (conhecimento superior) é uma forma de teologia que promete salvação pela compreensão dos enigmas do céu e da terra. Tal compreensão é adquirida quando o ser humano, orientado por um mestre, dirige sua atenção para dentro de si mesmo.

O gnosticismo resultou do sincretismo das religiões orientais com o judaísmo e o cristianismo. Aflorou nos tempos apostólicos com Simão Mago e Menandro, e desenvolveu-se sobretudo entre os anos 130-180 com Saturnino[1], Basílides[2], Valentim[3] e Carpócrates[4], sob o influxo de tendências sincretistas típicas da Ásia Menor, da aversão pela simplicidade do evangelho e da tentativa de explicar a origem do mal.

Os gnósticos reportavam-se a uma tradição oculta que remontava aos profetas e apóstolos, e da qual se diziam continuadores. Interpretavam alegoricamente as Escrituras. Adotavam a forma social de comunidade religiosa e de escolas filosóficas, aninhando-se nas comunidades cristãs em forma de conventículos secretos.

Os centros principais do gnosticismo foram Alexandria, Antioquia e Roma. Suas ideias continuaram vivas no maniqueísmo, no mandeísmo e nas seitas medievais dos paulicianos, bogomilos e cátaros.

Elementos fundamentais comuns às várias formas de gnosticismo:

dualismo metafísica, ao reino da luz (pleroma), derivado de Deus, contrapõe-se o reino das trevas e do mal, derivado da matéria incriada, eterna e essencialmente má.

emanação de uma série de seres intermediários (eons) entre Deus e o criado; os eons emanam de Deus.

origem do mundo: mistura de elementos do reino da luz com a matéria, dando origem ao elemento material para a formação do mundo — partes do mundo da luz caíram ou foram desterradas para a matéria —; o elemento material foi reorganizado pelo último eon, o demiurgo, identificado com Javé.

redenção: libertação das centelhas de luz aprisionadas na matéria e sua restituição ao reino da luz por obra de um eon superior que ou assume um corpo aparente (docetismo), ou desce sobre o homem Jesus (do batismo ao tempo anterior à paixão).

divisão dos homens: ílicos: seres preponderantemente materiais que, como a matéria, serão eliminados; psíquicos: crentes ordinários, que gozarão de uma beatitude de segunda ordem; pneumáticos ou gnósticos: os perfeitos, que participarão plenamente da redenção.

divisão dos ensinamentos: exotéricos (públicos), suscetíveis de divulgação; esotéricos (ocultos), destinados só aos iniciados.

moral: tendências ascéticas (os valentinianos sabiam imitar a terminologia e o teor de vida dos cristãos), rigoristas (a seita de Saturnino rejeitava o matrimônio e muitos se abstinham de carne; Clemente de Alexandria — Strom. III, 64 ss — transcreve do Evangelho dos Egípcios esta sentença: "A Salomé, que pergunta até quando durará a morte, o Senhor responde: enquanto vocês, mulheres, gerarem. Daí os hereges partem para proibir o casamento e a geração de filhos, para não introduzir no mundo outros infelizes e assim alimentar a morte".) e licenciosas (Carpócrates ensinava a comunhão de bens e de mulheres; os nicolaítas afirmavam que para matar a concupiscência era necessário abusar dos prazeres carnais).

[1] Saturnino viveu em Antioquia. Dividia os homens em duas classes e tinha a Cristo como redentor revestido de um corpo aparente nesta terra. Sua seita rejeitava o matrimônio como instituição do demônio; muitos adeptos abstinham-se de comer carne.

[2] Basílides viveu em Alexandria entre os anos 120 a 145 aproximadamente; compôs uma exegese do "evangelho" (Exegética) em 24 livros. Sua doutrina evolvia um sistema de emanação (o Pléroma com 365 eões ou reinos dos espíritos, traz o nome místico de Abrasax ou Abraxás).

Para os basilidianos, apesar de requerida a profissão de fé em Jesus, era permitido e eventualmente obrigatório renegar o Crucificado e lícito o uso de carnes sacrificadas aos ídolos. Todas as ações externas eram indiferentes para eles; contudo, os chefes da escola, Basílides e seu filho Isidoro, professavam ainda princípios morais severos.

[3] Valentim era de Alexandria passou para Roma no tempo do Papa Higino no ano 136 aproximadamente), e aí desenvolveu suas atividades até o tempo do Papa Aniceto (ano 160), vindo a morrer em Chipre. Era uma bela inteligência e bom orador. De suas homilias, salmos e cartas possuímos apenas alguns fragmentos.

Valentim transformou de modo singular a doutrina de seus predecessores, tornando-se destarte o fundador de um novo sistema, que contém uma doutrina dos eões ricamente desenvolvida, na qual, todavia, sob o influxo da filosofia platônica apresenta um dualismo mais moderado. Ele divide a humanidade em três classes: pneumáticos, psíquicos e ílicos (cfr. § 29, 2).

Consta que seus discípulos introduziram práticas de prestidigitador na celebração da Missa. Os valentinianos sabiam imitar muito bem a terminologia e o teor de vida da Igreja e por isso eram considerados particularmente perigosos.

[4] Carpócrates de Alexandria, também platônico, afirmava que a criação do mundo era devida aos eões inferiores e ensinava a metempsicose. A redenção provinha da fé e do amor, todo o resto era indiferente para ele.

A seita dos carpocracianos distinguia-se por uma grande dissolução dos costumes. Tinha imagens de Cristo e as venerava com ritos pagãos juntamente com imagens de Pitágoras, Platão, Aristóteles e de outros filósofos. Uma discípula de Carpócrates de nome Marcelina foi a Roma no tempo do Papa Aniceto (154-166 aproximadamente) e seduziu muita gente. Epífanes, filho de Carpócrates, que depois de sua morte prematura, aos 17 anos na ilha de Cefalônia recebeu honras divinas, ensinava a comunhão de bens e de mulheres.