Frei Carlos Mesters, O. Carm.

Morte e Ressurreição: Só ressuscita quem morre preimeiro! (Lucas 23,44-24,12)

Situando

            Os inimigos conseguiram realizar o seu projeto. Mataram Jesus. Venceram, usando o poder da força bruta. Venceram, mas não conven­ceram! Não conseguiram destruir nem abafar a bondade e o amor em Jesus. Pelo contrário! Lucas mostra como Jesus, exatamente enquanto está sendo vítima do ódio e da crueldade dos homens, revela a ternura de Deus e nos dá a "suprema prova do amor!" (Jo 13,1). Eis algumas frases de Jesus que só Lucas nos conservou e nas quais transparece a vitória da vida que a morte não conseguiu matar: “Desejei ardente­mente comer esta páscoa com vocês” (22,15). “Façam isto em memória de mim!” (22,19). “Simão, rezei por você, para que não desfaleça a sua fé!” (22,32). Na hora da negação de Pedro, Jesus fixou o nele o olhar, provocando o choro de arrependimemento (22,61). No caminho do calvário, Jesus acolhe as mulheres: “Filhas de Jerusalém, não chorem por mim!” (23,28) Na hora de ser pregado na cruz, ele reza: “Pai, perdoa, porque não sabem o que fazem” (23,34). Ao ladrão pendurado na cruz a seu lado ele diz: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso!” (23,43) Estas frases nos dão os olhos certos para ler e saborear a descrição da morte, do enterro e da ressurreição de Jesus.

Comentando

Lucas 23,44-46: A morte de Jesus

            Jesus está pendurado na Cruz. A morte está chegando. Ao meio dia, o sol escurece, as trevas invadem a terra. Estes fenômenos da natureza interpretam o significado da morte de Jesus. Simbolizam a chegada do Reino. O véu do santuário rasgou-se no meio. Terminou a vigência do Antigo Testamento, simbolizado pelo Templo, cujo véu separava Deus do resto do mundo. Pela sua vida, paixão, morte e ressurreição, Jesus trouxe Deus para perto de nós e revelou a sua presença em tudo que existe e acontece. Na hora de morrer, Jesus deu um forte grito. O grito do povo oprimido deu início ao primeiro exôdo (Ex 2,23-25), pois Deus escutou o grito do povo. Escutou também o grito de Jesus, fazendo com que se realizasse o novo êxodo. Jesus resume toda a sua vida dizendo: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Com esta frase do salmo (Sl 31,6), Jesus devolve ao Pai o Espírito que dele tinha recebido na hora do batismo (Lc 3,22). Foi na força do Espírito, que Jesus iniciou a sua missão. É na força do mesmo Espírito, que ele a encerra.

Lucas 23,47-48: As reações diante da morte de Jesus

            Um estrangeiro, centurião do exército romano, vendo o que acontecera na hora da morte de Jesus, faz uma profissão de fé: “Realmente, este homem era um justo!” Justo é aquele que realiza o objetivo da Lei de Deus. Jesus realizou a Lei, transgredindo normas inúteis, abrindo novos caminhos, e acolhendo a todos, inclusive aos pagãos. A multidão, vendo o que tinha acontecido, voltou para casa batendo no peito. Reconhece o erro que cometeu, pedindo a condenação de Jesus.

 Lucas 23,49: As testemunhas da morte de Jesus

            Os amigos e as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galiléia, permanecem à distância, observando tudo. Testemunham que foi assim que Jesus morreu. Aqui, Lucas indica a fonte, de onde recolheu parte do material que acaba de contar.

Lucas 23,50-54: O enterro de Jesus

            José de Arimatéia, membro do Sinédrio, que não concordara com a condenação de Jesus, cuidou do enterro. Jesus foi enterrado num sepulcro novo, talhado na rocha. Realiza-se, assim, uma outra profecia de Isaías sobre o Servo que dizia: “Seu túmulo está com os ricos” (Is 53,9). Lucas insiste em dizer: "Era o dia da Preparação. O sábado estava quase começando”. O sábado é o 7º dia. Estava terminando o 6º dia da nova criação. Jesus descansou no 7º dia.

Lucas 23,55-56: As mulheres, testemunhas do enterro de Jesus

            As mulheres testemunham também o lugar onde foi colocado o corpo de Jesus. Havia alí muitos sepulcros, alguns fechados, outros abertos. Quem não soubesse bem onde Jesus tinha sido enterrado, poderia enganar-se. Mas elas seguiram José de Arimatéia, observaram bem o túmulo, viram o lugar, fixaram na memória. Aquele sepulcro aberto do domingo de Páscoa era realmente de Jesus! Não foi um engano! Em seguida, elas voltam para casa, preparando aromas e perfumes para poder ungir o corpo de Jesus depois do descanso do sábado..

Lucas 24,1-3: Os fatos encontrados: túmulo vazio, pedra removida

            Seguindo de perto o evangelho de Marcos, Lucas oferece informações detalhadas sobre a hora e o lugar. Estes detalhes sugerem que as mulheres são pessoas de confiança para testemunhar a ressurreição. Elas estavam convencidas de que Jesus estava morto, pois iam para o túmulo para ungí-lo. A sua fé na ressurreição não foi fruto de fantasia, mas algo total­mente inespe­rado. Quando chegaram no sepulcro, viram que a pedra já tinha sido removida. Entrando dentro do sepulcro não encontraram o corpo de Jesus. Estes são os fatos. Qual o seu significado?

Lucas 24,4-8: O significado dos fatos: o anúncio da ressurreição

            Dentro do sepulcro, elas encontram dois homens em vestes fulgurantes que lhes interpretam o significado destes fatos inexplicáveis: “Jesus está vivo. Ele ressuscitou!” Elas lembraram as palavras do próprio Jesus e as palavras da Escritura. Daqui para a frente, a palavra de Jesus e a palavra da Escritura têm ambas o mesmo valor.

Lucas 24,9-12: Os apóstolos não acreditaram no testemunho das mulheres

            Lucas diz quem eram as mulheres: Maria Madalena, Joana e Maria, a mãe de Tiago, bem como as outras que estavam com elas. Voltando do sepulcro, elas anunciaram a Boa Nova aos Onze, mas estes não lhes deram crédito. Não foram capazes de crer no testemunho das mulheres. Diziam que era um “desvario”, invenção, fofoca. Naquele tempo, as mulheres não podiam ser testemunhas. Ao transmitir a elas a Ordem de anunciar a Boa Nova da ressurreição, Jesus estava pedindo uma mudança total na cabeça das pessoas. Deviam dar crédito a quem, dentro da sociedade daquele tempo, não merecia crédito. Assim, começou a subversão do anúncio da ressurreição! Lucas termina dizendo que Pedro foi ao túmulo, encontrou-o vazio e voltou para casa. Mas não chegou a crer. Ficou apenas surpreso.

Alargando

  1. A experiência da ressurreição aconteceu, primeiro, nas mulheres (Mt 28,9-10; Mc 16,9; Lc 24, 4-11.23; Jo 20, 13-16); depois, nos homens. Ela é a confirmação de que, para Deus, uma vida vi­vida como Jesus, é vida vitoriosa. Deus a ressuscita! Em torno desta Boa Nova, surgi­ram as co­munidades. Crer na ressurreição o que é? É voltar para Jerusalém, de noite, reunir a comunidade e partilhar as experiências, sem medo dos judeus e dos romanos (Lc 24,33-35). É receber a força do Espírito, abrir as portas e anunciar a Boa Nova à multidão (At 2,4). É ter a coragem de dizer: "É preciso obedecer antes a Deus que aos homens" (At 5,29). É re­conhecer o erro e voltar para a casa do pai: "Teu irmão estava morto e voltou a viver" (Lc 15,32). É sentir a mão de Jesus res­suscitado que, nas horas difíceis, nos diz: “Não tenha medo! Eu sou o Primeiro e o Último. Sou o Vivente. Estive morto, mas eis que estou vivo para sempre. Tenho as chaves da morte e da mora­da dos mortos” (Apc 1,17s). É crer que Deus é capaz de tirar vida da própria morte (Hb 11,19). É crer que o mesmo poder, usado por Deus para tirar Jesus da morte, opera também em nós e nas nossas comu­nidades, através da fé (Ef 1,19-23).
  2. Até hoje, a ressurreição acontece. Ela nos faz experimentar a presença libertadora de Jesus na comunidade, na vida de cada dia (Mt 18,20), e nos leva a cantar: "Quem nos separará, quem vai nos separar, do amor de Cristo, quem nos separará? Se ele é por nós, quem será contra nós?" Nada, ninguém, autoridade nenhuma é capaz de neutralizar o impulso criador da ressurreição de Jesus (Rm 8,38-39). A experiência da ressurreição ilumina a cruz e a transforma em sinal de vida (Lc 24,25-27). Abre os olhos para entender o significado da Sagrada Escritura (Lc 24,25-27.44-48) e ajuda a entender as palavras e gestos do próprio Jesus (Jo 2,21-22; 5,39; 14,26). Uma comunidade que quiser ser testemunho fiel da Boa Nova da Ressurreição deve ser sinal de vida, lutar pela vida contra as forças da morte. Sobretudo aqui na América Latina, onde a vida do povo corre perigo por causa do sistema de morte que nos foi imposto.