Essa especulação, pelo menos por enquanto, é apenas boato. O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 01-06-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Todo mundo adora boatos sobre compromissos papais. E este é um boato particularmente sedutor que circulou pelo Vaticano nos últimos dias: Em breve, o Papa Francisco deve anunciar os nomes que foram recentemente acrescentados à lista de novos cardeais neste domingo, dia 2 de junho.
Que fique claro desde o início que se trata de um mero boato. Entraremos em detalhes em seguida. Mas lembre-se de que tal medida não aconteceria sem precedentes. No dia 21 de janeiro de 2001 – logo após a conclusão do Grande Jubileu de 2000 –, o Papa João Paulo II fez o seguinte anúncio à multidão reunida na Praça de São Pedropara a missa dominical de Angelus:
"Tenho a honra de anunciar que no dia 21 de fevereiro, véspera da comemoração da Cátedra de São Pedro, convocarei um consistório no qual, novamente desconsiderando o limite estabelecido pelo Papa Paulo VI (...), serão nomeados 37 novos cardeais".
Como sempre, algumas pessoas ficaram muito felizes com os nomes que constavam na lista e outras ficaram tristes pelos que não constavam. Muitos no Vaticano não gostaram de fato de que um dos cotados a receber o chapéu vermelho era o então arcebispo Crecenzio Sepe, o napolitano que supervisionou as atividades do Jubileu, mas foi criticado (também pelo cardeal Joseph Ratzinger) por transformar esse grande evento espiritual num carnaval lucrativo. Sepe tinha apenas 57 anos na época, demasiado jovem para ser cardeal sediado no Vaticano.
Além disso, com o fim do Jubileu, ainda não tinha um cargo oficial. Apenas três meses depois – já sendo cardeal – seria nomeado líder da poderosa Congregação para a Evangelização dos Povos ("Propaganda Fide").
Outros ficaram indignados que o bispo Karl Lehmann, na época aos 64 anos e já em seu terceiro mandato consecutivo como presidente da Conferência Episcopal alemã, não estivesse na lista dos novos cardeais.
Era seu 17º ano como líder da antiga diocese de Mainz, que foi fundada no século IV e incluía a crescente capital financeira da Alemanha de Frankfurt. No anúncio dos novos cardeais de 21 de janeiro, João Paulo declarou: "em breve, também gostaria de anunciar os nomes dos cardeais in pectore".
São cardeais que o papa gostaria de ter indicado antes, mas não indicou por receio de que os colocasse em perigo, como o caso dos que vivem sob regimes opressivos. Portanto, ele guarda seu nome em segredo ("no peito" ou "perto do peito") até algum momento futuro.
Naquele mesmo domingo, o Papa polonês também acrescentou que não podia dar chapéus vermelhos para (ou seja, não havia espaço suficiente para) outros "muito caros para mim, que por seu serviço ao povo de Deus merecem muito ser elevados à dignidade do cardinalato". Ele disse que esperava ter a oportunidade "de fazê-lo no futuro".
Ninguém sabia exatamente quando João Paulo revelaria os nomes dos cardeais in pectore, mas entendeu-se quase universalmente que os demais merecedores teriam de esperar até o próximo consistório, ou seja, provavelmente por mais um ano.
Em vez disso, apenas sete dias depois, na missa de Angelus de 28 de janeiro de 2001, o papa falecido não apenas anunciou dois bispos de países do antigo bloco soviético que tinha indicado como cardeais in pectore, como também acrescentou outros quatro eleitores à lista original.
Karl Lehmann foi um deles.
Apesar de constantes negativas da Sala de Imprensa da Santa Sé e de outras autoridades da Cúria Romana, fontes privilegiadas disseram que João Paulo II só decidiu indicar Lehmann para ser cardeal após pessoas influentes na Alemanha, cuja igreja era a principal contribuinte financeira da Santa Sé, e outros projetos missionários do mundo todo exigiram que o bispo de Mainz vestisse o chapéu vermelho.
Como mais uma condição, o Papa também acrescentou o arcebispo ultraconservador da Alemanha, Johannes Degenhardt, de Paderborn, à lista expandida, provavelmente após consultar o líder doutrinário do Vaticano, o cardeal Ratzinger.
Os outros dois nomes que foram acrescentados ao consistório de fevereiro de 2001 foram Wilfrid Napier, da África do Sul, e Julio Terrazas Sandoval, da Bolívia. Degenhardt foi o primeiro a aparecer na nova lista. E para destacar que era um compromisso, o Papa colocou o nome de Lehmann por último na lista dos novos eleitores.
Curiosamente, vários dos que se tornaram cardeais nesse consistório expandido acabaram sendo os principais assessores do Papa Francisco. Entre seus nomes, estão Walter Kasper (um de seus principais conselheiros teológicos), Francisco Errazuriz e Oscar Rodriguez Maradiaga (membros do C9, o Conselho de Cardeais), Claudio Hummes (o brasileiro a que segundo o papa foi a inspiração para o nome Francisco) e o falecido Cormac Murphy-O’Connor (um dos que mais incentivou os cardeais a elegê-lo papa).
Quem também teve direito ao chapéu vermelho em 21 de fevereiro de 2001 foi ninguém menos que Jorge Mario Bergoglio, hoje Bispo de Roma.
Mas voltando aos boatos...
Há apenas duas semanas, no dia 20 de maio para ser mais preciso, o Papa Franciscorevelou publicamente os nomes dos 14 novos cardeais (11 com menos de 80 anos de idade, podendo votar em um futuro conclave). Esses cardeais serão indicados num consistório no dia 29 de junho.
Como já tinha feito nos quatro consistório anteriores, o Papa novamente surpreendeu ao escolher líderes de dioceses ou escritórios do Vaticano que nunca foram liderados por um cardeal. Desta vez, quem fugiu à regra foi o arcebispo Konrad Krajewski, um polaco de 54 anos que foi indicado à esmolaria papal poucos meses depois do início do atual pontificado.
Mas no anúncio de duas semanas atrás Francisco errou a data do consistório (e até o nome de um dos cardeais designados). A cerimônia dos cardeais na verdade vai acontecer no dia 28 de junho.
A pergunta agora é se – de acordo com este último boato – ele também esqueceu de incluir determinadas pessoas à lista original de novos cardeais ou, o mais provável, se foi fortemente aconselhado depois (leia-se, pressionado) a acrescentar alguém que tivesse esquecido?
O boato sugere que o Papa argentino, de 81 anos, vai acrescentar outros dois nomes – um deles da Cúria Romana – à elite do Colégio dos Cardeais. Sendo muito claros, o Papa tem total liberdade e autoridade para escolher quem ele quiser para ser cardeal ou até mesmo não escolher ninguém.
Mas autoridade e poder de governo são duas coisas diferentes. O poder do papa de liderar, persuadir, comandar a lealdade, promover a unidade e governar de forma eficaz pode diminuir muito se ele não usar sua autoridade com sabedoria.
Foi considerado estranho e até mesmo injusto por alguns que Francisco tenha decidido dar um chapéu vermelho ao arcebispo da Esmolaria Apostólica e não a alguns bispos responsáveis por dioceses muito importantes e até mesmo complexas, ou ainda por escritórios da Cúria Romana.
Mas quem mais se destaca é o arcebispo de Los Angeles, José Gómez. O mexicano de 66 anos lidera a maior igreja dos Estados Unidos e sétima maior do mundo, com 4,4 milhões de fiéis.
O arcebispo Gómez é membro do Opus Dei (o que não é problema algum no atual pontificado) e é considerado um conservador doutrinário, mas também foi um dos defensores mais fortes dos direitos e da dignidade dos imigrantes e refugiados nos Estados Unidos.
Ele atua em Los Angeles desde 2010, liderando uma arquidiocese multiétnica com uma sequência ininterrupta de cardeais desde 1953, sendo o mais recente o cardeal Roger Mahony, agora com 82 anos. Ele também vem de uma igreja estadunidense que tem sido extremamente generosa em seu apoio financeiro à Santa Sé.
Se Francisco acrescentar Gómez (ou qualquer outra pessoa), ele também deve entrar para tentar despistar qualquer desconfiança de que tenha sofrido pressão para acrescentar mais nomes à lista. E podem ser de outras dioceses ou da Cúria Romana.
Atualmente, dois italianos lideram grandes escritórios do Vaticano que normalmente seriam liderados por cardeais que ainda não têm o chapéu vermelho. O mais notável é o arcebispo Rino Fisichella, 66 anos, um grande teólogo que é presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização desde sua criação, em 2010.
O outro é o arcebispo Filippo Iannone, 60 anos, advogado canonista e Carmelita que só recentemente foi nomeado presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos.
Iannone parece um tiro no escuro, mas isso não significa que Fisichella seja um tiro certeiro. Há outros religiosos em Roma que o Papa admira por terem lidado com processos delicados ao longo dos anos e, mais recentemente, têm feito importantes contribuições ao pontificado, embora estejam em grande parte distantes dos holofotes.
Um deles é o arcebispo Silvano Tomasi, 77 anos, especialista reconhecido em questões de migração. Ele foi o hábil arquiteto do novo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que exigiu cuidado para realizar a fusão de três escritórios do Vaticano.
Ele é membro dos Missionários Escalabrinianos, tem cidadania dupla italiana e estadunidense e foi núncio apostólico da Etiópia e da Eritreia, bem como representante permanente da Santa Sé nas Nações Unidas em Genebra.
Outro é o arcebispo Claudio Celli, 76 anos, que foi diplomata papal por toda a vida e mais recentemente tornou-se presidente do extinto Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais. Ele conhece o Papa desde a nunciatura papal, na Argentina, no final dos anos 70. Também é um dos experiente mais experientes e reconhecidos do Vaticano em relações com a China.
Também há o arcebispo Piero Marini, 76 anos, presidente do Pontifício Comitê para os Congressos Eucarísticos Internacionais desde 2007, escritório liderado por cardeais desde 1969. Portanto, Marini, autoridade da Cúria Romana de longa data, é o chefe de escritório que ainda não ganhou um chapéu vermelho.
E há razões significativas por que Francisco pode querer mudar esse cenário. Foi sugerido e corroborado por evidências muito convincentes que o Papa queria que Marini fosse prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos no final de 2014.
Mas neotradicionalistas litúrgicos de Roma próximos de Bento XVI – segundo alguns, com a bênção do antigo papa – protestaram, dizendo que Francisco "causaria uma guerra" com essa indicação. Para eles, a figura de Marini, que tem doutorado em liturgia e foi assessor das comissões do Vaticano que supervisionaram as reformas litúrgicas pós-Vaticano II, bem como sua implementação, traria divisão.
Em vez disso, sugeriram que o Papa optasse pelo cardeal Robert Sarah, um africano conhecido na Cúria por sua piedade tranquila. Embora seja conhecido por suas inclinações litúrgicas tradicionalistas, só mais tarde ficou evidente que ele era um revisionista do Concílio Vaticano II e defensor ferrenho dos neotridentistas mais hostis ao Papa atual.
Na verdade, o cardeal Sarah contradisse o Papa Francisco de forma consistente e agora é membro de pleno direito do pequeno grupo de bispos que não esconde que discorda dele.
Muitos se perguntam por que o Papa permite que Sarah continue no cargo atual. Mas como ele parece determinado a deixar o cardeal terminar seu mandato de cinco anos, há outra coisa que ele podia fazer.
Certamente o número de pessoas contentes seria muito maior do que as descontentes se Francisco aproveitasse o precedente aberto por São João Paulo II em 2001 e retificasse essa indicação forçada (e desastrosa) concedendo um chapéu vermelho a Piero Marini. Mas essa especulação, pelo menos por enquanto, é apenas boato. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br