“Se o padre não estiver disposto a aceitar restrições, teria de ser expulso e perder o apoio financeiro da Igreja. O confinamento seria mais seguro para crianças do que expulsá-lo para dentro da população em geral” escreve Thomas Reese, jesuíta e jornalista, ex-editor-chefe da revista America, em artigo publicado por Religion News Service, 31-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Eis o artigo.
O recente escândalo de abuso sexual envolvendo o cardeal Theodore McCarrick mais uma vez levanta a questão de como a Igreja pode punir maus padres e bispos, especialmente quando o Estado não pode atuar em função do estatuto de limitações ou outras razões. Nos maus velhos tempos, tempos da Inquisição, a Igreja poderia sentenciar padres maus à prisão, tortura ou morte.
Então, o que pode a Igreja fazer hoje?
A verdade é que, exceto a expulsão do ofício, a Igreja pouco pode fazer a não ser que o padre esteja disposto a aceitar o castigo. A Igreja já não tem uma força policial para obrigar alguém a fazer alguma coisa, embora se um padre é financeiramente dependente da Igreja, ele pode ter pouca escolha a não ser fazer o que é mandado. Caso contrário, a Igreja não tem mais poder sobre um padre do que qualquer empresa tem sobre um empregado. Um padre ou bispo pode recusar a acatar a punição e simplesmente ir embora.
Os padres são capazes de fazer as mesmas coisas ruins como qualquer outro pecador, de quebrar os Dez Mandamentos à violação de leis civis e penais. Depois que o Estado fizer ou não seu trabalho, a Igreja é confrontada com a questão do que fazer.
A esperança da Igreja para os padres é a mesma esperança de qualquer pecador – que se arrependam e mudem suas maneiras de agir. Como resultado, castigo ou penitência (oração e jejum, por exemplo) é normalmente visto como método terapêutico.
Até mesmo a excomunhão, expulsão de uma pessoa da Igreja, é vista no direito canônico como terapêutica. A esperança é que a pessoa excomungada se arrependa e retorne à Igreja. Eis porque a excomunhão não funciona como uma punição para abusadores. Se eles se arrependessem e confessassem seus pecados, suas excomunhões teriam que ser suspensas.
O castigo eclesial normal dos padres que abusam de crianças é a expulsão (laicização) do sacerdócio, mesmo para aqueles que se arrependem. Exceções podem ser feitas para idosos e enfermos. A Igreja não quer retirar um padre velho com Alzheimer de um lar de idosos e deixá-lo na calçada, mesmo que ele fosse um abusador.
Advogados e consultores de relações públicas recomendam que os Bispos expulsem padres abusivos e cortem todos os laços com eles. Isso reduz a responsabilização futura e evita acusações de ter sido condescendente com o padre. Alguns, no entanto, temem que se um padre é solto sem supervisão, ele estará mais propenso a praticar o abuso novamente.
A alternativa é colocar o padre num mosteiro, numa casa de repouso para padres ou outras instalações onde não terá acesso a crianças e onde não poderá deixar a propriedade sem permissão e supervisão. Este é o mais perto que a Igreja pode chegar de colocar um padre na prisão.
Se o padre não estiver disposto a aceitar essas restrições, teria de ser expulso e perder o apoio financeiro da Igreja. O confinamento seria mais seguro para crianças do que expulsá-lo para dentro da população em geral.
Ordens religiosas têm estado mais dispostas do que os Bispos para manter seus padres abusivos sob supervisão e confinamento. Comunidades religiosas se colocam como uma família e são responsáveis por seus membros, para o bem ou para mal. Os Bispos tendem a cortar laços com padres abusivos, a menos que eles estejam idosos ou enfermos.
A situação de McCarrick é incomum. A pedido do Papa Francisco, as alegações contra McCarrick foram investigadas pela Arquidiocese de Nova York e consideradas credíveis e fundamentadas. Neste ponto, se ele fosse um simples padre, o Arcebispo de Nova York poderia ter pedido ao Vaticano para laicizá-lo. Se McCarrick não estivesse com 88 anos de idade, o Arcebispo provavelmente o teria enviado para algum lugar longe de crianças onde ele ficaria até morrer. Em todo caso, não seria permitido que ele atuasse como padre novamente.
Como McCarrick é Bispo e Cardeal, o próximo passo é definido pelo Papa que já o ordenou a se abster de qualquer ministério sacerdotal e gastar seu tempo em oração e penitência até que "as acusações feitas contra ele sejam examinadas em um julgamento canônico regular". Não é incomum pedir a alguém que se abstenha do ministério sacerdotal antes do julgamento, mas a liminar de "oração e penitência" dá a impressão que o Papa considerou a culpa de McCarrick em sua mente.
Além disso, o Papa aceitou a demissão de McCarrick do Colégio Cardinalício, algo que normalmente teria acontecido somente depois de que ele fosse considerado culpado. Não houve uma demissão do Colégio Cardinalício desde 1927, quando o Cardeal francês Louis Billot se demitiu por causa de divergências políticas com Papa Pio XI. Outros Cardeais acusados de abuso ou de encobrimento não perderam seus chapéus vermelhos.
Não está claro como o julgamento será realizado. O Papa pode nomear um tribunal especial ou enviar o caso à Congregação Para a Doutrina da Fé, que lida com casos de padres abusivos.
Os julgamentos da Igreja são conduzidos principalmente pelos juízes revisando documentos apresentados por todos os lados ao invés do testemunho direto e sustentação oral. Em qualquer caso, não poderia ser feito em público.
Mesmo se McCarrick for condenado, o julgamento final e a possível punição seria responsabilidade do Papa.
Como McCarrick é idoso e está fraco, é difícil acreditar que o Papa irá laicizá-lo e jogá-lo na rua. Uma vez que ele já se demitiu do Colégio Cardinalício, existe pouca coisa a ser feita que o Papa já não tenha ordenado: uma vida de oração e penitência, longe dos olhos do público sem o direito de exercer seu ministério sacerdotal. Se o Cardeal se recusar a aceitar essa punição, a Igreja pode expulsá-lo do sacerdócio e cortar seu apoio financeiro.
Nos séculos anteriores, papas puseram padres e cardeais na cadeia. Papa Clemente XIII, por exemplo, prendeu injustamente o pe. Lorenzo Ricci, Superior Geral dos Jesuítas, até sua morte em 1775 no Castel Sant'Angelo em Roma. Isso, claro, já não é possível hoje. Apenas o Estado tem este tipo de poder hoje em dia.
Poucos iriam querer que a Igreja tivesse esse poder atualmente, mas se o Estado é impossibilitado de punir um abusador por causa do estatuto de limitações, se torna decepcionante para as vítimas e o público o ver sair impune. Infelizmente, existem limites jurídicos e práticos para que a Igreja consiga castigar padres e Bispos abusivos, especialmente se eles se recusarem a cooperar. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br