Louco por samba e pelo Cacique de Ramos, Padre Omar Raposo, de 39 anos, organiza todo ano o Cordão de São José, bloco de sua igreja. E, no próximo carnaval, planeja estreia na Sapucaí como puxador da Unidos da Tijuca. Reitor do Santuário Cristo Redentor do Corcovado há mais de 10 anos, ele é pároco da Igreja de São José, na Lagoa, coordenador de eventos da Arquidiocese do Rio e presta consultoria para a TV Globo sobre religião. Letrado, fez os mais diversos cursos: de logística na Escola Superior de Guerra — onde foi aluno do futuro ministro da educação, Ricardo Vélez — até reciclagem em música sacra, em Roma. “O segredo para dar conta de tudo é oração e organização”, diz. Entre uma celebração de 10 anos de casamento na capela do Corcovado e a missa de fim de ano para o Sistema S, Padre Omar conversou com a coluna sobre o espírito natalino, o turbulento ano de 2018 e a importância de enxergarmos uns aos outros para um 2019 melhor.
Da onde veio sua vocação?
Durante a visita do Papa João Paulo II ao Rio, em 1997, dei de cara com ele no papamóvel, no Aterro. Fui profundamente tocado. Fiquei no seminário até 2004, onde estudei filosofia, teologia, música e aprofundei os ensinamentos em torno da vocação que florescia. Aos 25 anos, fui para minha primeira paróquia, no Complexo do Alemão.
Como foi essa experiência?
Muito marcante. Nunca tinha entrado numa comunidade antes. No início, fiquei assustado, o cenário é angustiante. Mas ouvi minha mãe dizer: “Seja sempre você, na enxada ou na embaixada. Estabeleça uma relação de amor com as pessoas e será sempre feliz”. Depois disso, fiquei nove anos na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, e estou desde agosto de 2015 na São José da Lagoa.
Da onde vem a paixão pelo samba?
Sempre gostei de música. Antes de ser padre, estudei no Conservatório Brasileiro de Música. Tive uma formação mais erudita, mas depois de entrar para a Igreja percebi que era importante popularizar a música e fui para o samba. Sou um carioca raiz, do carnaval. Gosto demais do Cacique de Ramos.
Não é contraditório um pároco numa festa profana?
Os padres gostam de carnaval, tinham medo de frequentar, mas hoje vão. Trabalho com turismo e vejo como é nítido o impacto do carnaval no Cristo Redentor.
O que faz nas horas livres?
Vou ao jogo do Fluminense. Adoro o Maracanã, fico na torcida, a galera gosta. Nasci em 1979 e logo depois veio a geração da máquina tricolor. Durante a infância, cresceu a paixão. A galera atribui dois milagres, de quando estávamos prestes a ser rebaixados, às missas que fiz no Cristo, com os jogadores e tudo. Para ser santo, só falta o terceiro milagre.
Para onde canaliza a energia sexual que não é gasta?
Aprendi uma coisa que se chama sublimação, é algo que ajuda muito, além do excessivo trabalho que me consome.
Já recebeu nudes?
Nudes, não! O padre Fábio de Melo deve receber. Comigo é mais tranquilo (risos).
Como dá conta de tanta coisa?
O segredo é oração e organização. Os cursos de mediação de conflito ajudam também.
O que planeja para esta noite?
Uma ceia para os refugiados de Angola, Congo, Venezuela e Colômbia que são atendidos pela paróquia. E também para pessoas solidárias e solitárias. Quem quiser, é só chegar.
Após um ano turbulento, como sobrevive o espírito de Natal?
Temos que redescobrir o sentido da família. Não vai ser a partir da mudança de governo que as coisas vão melhorar. Mas de toda uma mentalidade que antecede a opção partidária ou política. Natal é uma festa cristã da renovação. Temos que entrar na lógica da festa e redescobrir esses valores.
Como foi a sua visita ao Bolsonaro no hospital?
Estava com o padre Jorjão visitando outra família, e os parentes do Bolsonaro solicitaram nossa ida. Já estávamos lá, e padre não pode negar benção a ninguém. Não chego e pergunto para o doente se ele é de direita ou de esquerda. Essa é a missão que Jesus deixou. Sou padre 24 horas por dia.
Condena o uso político da religião?
Entrar em briguinha partidária é burrice até porque tem católico em todos os partidos. Haddad disse que era católico, Amoêdo é, Bolsonaro também. Não é a opção religiosa de um político que o torna competente. Quando político religioso entra no conflito, forma o preconceito. Mistura a maluquice da política com a intolerância religiosa. Isso me preocupa no Brasil. Somos cidadãos. A Igreja Católica pode não pagar IPTU, mas o religioso paga imposto. Ou deveria. Não é porque é religioso que é santo, tem muito oportunista usando a fé para se dar bem.
E o caso João de Deus?
Tenho que falar sobre isso? Deixa a Igreja se pronunciar antes. Está todo mundo perplexo. Vamos rezar, porque uma história como essa cria um descompasso na energia.
Como vê os casos de abuso sexual dentro da Igreja? Tem que ser tolerância zero! O Papa Francisco é um homem corajoso, admirável. Está entrando bem nesse tema. Tem que entrar mesmo.
Como está o caixa do Cristo Redentor?
Precisamos de R$ 5 milhões, mas até setembro só tínhamos R$ 2 milhões. Suei muito. Mal dá para lavar as roupas da capela. Foi o ano mais difícil desde que estou no Cristo. Com as Olimpíadas e a Copa, cheguei até a dispensar patrocínio. Agora tem a crise e, para piorar, o aumento da violência. As multinacionais perderam interesse pelo garoto propaganda da cidade.
Ano que vem será melhor?
Estou confiante. Mas as pessoas precisam mesmo mudar a mentalidade, não esquecer dos pobres, dos que estão sofrendo. Não é só doar, mas se engajar como voluntário. Se for esperar a Mega-Sena para ajudar, não vai ser nunca. Chega de conflito também, 2019 é o ano de dialogar e trabalhar, se não fizermos isso, não vamos terminar bem mais um ano. Há uma máxima de São Bento: ora et labora. Reza e trabalha. Só isso! Fonte: https://blogs.oglobo.globo.com