Antes de deixar o Vaticano, Pontífice cobrou respeito à trégua na guerra do Iêmen, na qual o anfitrião tem forte papel militar

ABU DHABI — O Papa Francisco se transformou no primeiro Pontífice a visitar a Península Arábica, o berço do Islã, neste domingo, poucas horas depois de seu pronunciamento mais duro contra a guerra no Iêmen, na qual o anfitrião de sua viagem, os Emirados Árabes Unidos, têm importante papel militar.

O avião do chefe da Igreja Católica aterrissou em Abu Dhabi pouco antes das 22h (16h de Brasília). Antes de sair de Roma, Francisco escreveu no Twitter que se dirigia aos Emirados "como um irmão para escrevermos juntos uma página de diálogo e percorrermos juntos os caminhos de paz".

Francisco foi recebido pelo príncipe herdeiro de Abu Dhabi, xeque Mohamed bin Zayed al-Nahyan, e pelo imã de Al-Azhar, a instituição mais importante do Islã sunita, sediada no Cairo, xeque Ahmed al-Tayerbiman, a quem o Pontífice abraçou.

Antes de partir para Abu Dhabi, o Papa destacou que acompanhava a crise humanitária no Iêmen com grande preocupação, durante seu discurso habitual de domingo na Cidade do Vaticano. Ele instou as partes do conflito a implementarem "com urgência" uma trégua acordada para a cidade portuária de Hodeida, crucial para o acesso da ajuda humanitária.

— O choro dessas crianças e seus pais se eleva a Deus — ressaltou ele às milhares de pessoas na Praça de São Pedro.

A guerra no Iêmen opõe as forças pró-governo, apoiadas no terreno desde 2015 pela Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, aos rebeldes houthis xiitas, respaldados pelo Irã e que controlam amplas zonas do país, incluindo a capital Sanaa. O conflito, de quase quatro anos, condenou o povo à fome.

As Nações Unidas tentam implementar uma trégua e a retirada de tropas no principal porto iemenita, em Hodeida, o que havia sido acordado em negociações de dezembro como um passo para a construção de confiança entre as partes, rumo a conversas políticas que objetivassem o fim do conflito.

— Vamos rezar com força porque são crianças que estão famintas, sedentes, não têm medicamentos e correm perigo de morte — alertou o Papa.

O Papa se reunirá com líderes muçulmanos e celebrará uma missa ao ar livre para cerca de 120 mil católicos. Francisco havia dito que a viagem, de duração até terça-feira, é uma oportunidade para escrever "uma nova página na História das relações entre as religiões".

Há cerca de um milhão de católicos nos Emirados, adeptos de um Islã moderado e cuja sociedade é bastante aberta ao mundo exterior. A maioria são trabalhadores asiáticos, que podem praticar a sua religião em oito igrejas.

Diferentemente do seu vizinho saudita, que proíbe a prática de outras religiões que não sejam o Islã, os Emirados Árabes Unidos querem projetar uma imagem de país tolerante.

No entanto, as autoridades controlam as práticas religiosas e reprimem a contestação política e a exploração da religião, inclusive pelos adeptos de um Islã político, encarnado pela Irmandade Muçulmana.

Anwar Gargash, ministro das Relações Exteriores, fez alusão a isso neste domingo em um tuíte no qual critica o Catar, boicotado por seu país e três de seus aliados, que o acusam de apoiar islamitas radicais, o que Doha desmente.

O ministro destacou a diferença entre o "mufti do terrorismo", em referência ao religioso Yusef al-Qardaui, considerado chefe espiritual da Irmandade Muçulmana, que é protegida pelo Catar, e o seu país, que acolhe um dos símbolos de "tolerância e amor", que são o papa e o imã de Al-Azhar.

A organização Anistia Internacional pediu ao papa que coloque sobre a mesa em Abu Dhabi a questão do respeito aos direitos humanos e criticou que muitos dissidentes permaneçam detidos no país.

A Human Rights Watch também pediu neste domingo ao papa que aproveite a sua visita para falar da situação dos direitos humanos no Iêmen, onde os Emirados intervêm militarmente junto com a Arábia Saudita

Desde o início do seu Pontificado, o Papa viajou a vários países cuja população é majoritariamente muçulmana, como Egito, Azerbaijão, Bangladesh e Turquia. Em março viajará ao Marrocos. Fonte: https://oglobo.globo.com