Se você teve a oportunidade de participar dos ritos da Semana Santa pessoalmente ou por meio da televisão – e eu espero que você tenha participado –, provavelmente você percebeu que, quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas. É uma Igreja de homens. O comentário é da teóloga estadunidense Phyllis Zagano, pesquisadora da Hofstra University, em Hempstead, Nova York, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 22-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Os clérigos – todos paramentados – estão no presbitério ou, pelo menos, lá na frente. O resto de nós está longe. Manter os fiéis à distância era um marco do catolicismo medieval, tanto que São Francisco de Assis tentou fazer algo a respeito disso. Incapaz de aproximar as pessoas da celebração, ele lhes deu o Evangelho. Sua atitude, ainda florescendo no mundo, ajuda os fiéis a assimilarem a desconfortável verdade: eles não podem estar perto do sagrado. Especialmente as mulheres.

A liturgia demonstra a colisão entre o real e o irreal, entre a verdade e o modo como a Igreja trata as mulheresAh, você pode dizer, na minha paróquia nós temos meninas e meninos como coroinhas. Temos homens e mulheres como leitores e como ministros extraordinários da Eucaristia.

Tudo bem, isso é na sua paróquia. Mas olhe ao redor do país e ao redor do mundo, e você encontrará cada vez mais paróquias instalando gradis no altar, e cada vez menos, se é que elas existem, removendo-os. É a mesma coisa nas catedrais diocesanas.

Há muitos anos, eu ouvi uma professora de liturgia chamar o gradil do altar de “cerca”. Ela tem razão. Quando a “cerca” não é suficiente, geralmente em uma grande celebração como a Missa Crismal ou a Vigília Pascal, os seminaristas podem formar um muro com tochas entre o povo e o altar durante a oração eucarística. Eu até vi membros militares parados lá – na festa de São Patrício em Waterford, na Irlanda!

É um sentimento desconfortável, especialmente para as mulheres, ser “cercado” do lado de fora da celebração eucarística. Sim, as mulheres – e os homens – podem receber a comunhão em qualquer missa, mas a distância entre o povo de Deus e o altar aumenta exponencial e simbolicamente quando dezenas ou centenas de bispos, padres e diáconos formam uma guarda armada virtual, com ou sem tochas.

É assim mesmo, você pode dizer. Sim, é assim mesmo. Mas pense sobre o que isso parece. Imagine uma foto da missa da Vigília Pascal na Basílica de São Pedro, ou mesmo na sua própria catedral diocesana. Você vê alguma mulher? Ah, sim, ali está a mulher que leu a leitura. E não foi uma mulher que ajudou a trazer as oferendas? Mas quem mais, onde mais? Onde estão as mulheres?

Elas estão no fundo da igreja. E é bem provável que muitas das que estavam lá no ano passado foram para a Igreja Episcopal este ano. Isso não é uma ameaça. É um fato. As mulheres estão caminhando, algumas até correndo, para longe do simbolismo litúrgico alimentado por testosterona do catolicismo. Agora, já é um clichê culpar a crise sexual. É isso, mas não é só isso.

As mulheres, com os seus maridos, filhos, outros parentes e amigos, foram embora. Suas explicações são as mesmas, não importa em que língua: elas estão cansadas de serem consideradas, tanto simbólica quanto realmente, como cidadãs de segunda classe da Igreja que um dia amaram. Sua dor insuportável é profunda e é real. Elas não podem e não vão permitir que sejam tratadas assim.

Na minha paróquia é diferente, você diz? Que bom. Que a sua luz brilhe na cidade. Que ela salte por cima dos portadores de tochas e cruze a divisão clerical até o bispo. Diga a ele com que tudo isso se parece. Diga-lhe que a imagem não corresponde à história.

Diga-lhe logo, porque a história é o Evangelho; a história é sobre Jesus; a história é que as mulheres são feitas à imagem e semelhança de Deus. Lembre-lhe, se quiser e puder, que foi uma mulher quem primeiro proclamou a ressurreição. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br