Pe. Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta.

Esta parábola é muito instigante. O mistério da voz é sugestivo: desde o ventre de nossa mãe aprendemos a reconhecer sua voz e, quando nascemos, vamos reconhecendo outras vozes. Pelo tom de uma voz percebemos o amor ou o desprezo, o afeto ou a frieza, a acolhida ou a rejeição.

A voz de Jesus é única! Se aprendemos a distingui-la de outras vozes, Ele nos guiará pelo caminho da vida, um caminho que supera também o abismo da morte.

Em um mundo onde há tanto ruído, discursos ocos e palavreado intolerante, não é fácil prestar atenção a alguma voz em especial. O fato é que às vezes vivemos em bolhas onde raramente entram vozes que nos comovam de verdade. E, no entanto, debaixo de gritos, ruídos, músicas estridentes, anúncios, peças publicitárias e frases que apelam ao conservadorismo, continua brotando palavras cheias de verdade. Palavras que valem a pena escutá-las. Talvez, detrás de muitos gestos petrificados, palavras sem sentido, falsas seguranças, estarão vozes que clamam por ajuda, ou simplesmente expressam dor, desejo de paz, de consolo.

O verdadeiro desafio é aprender a escutar, por debaixo desses discursos, a palavra profunda, o canto tranquilo ou a voz que põe em movimento.

Saber escutar o outro é uma simples, mas profunda acolhida humana; trata-se de um ato de hospitalidade, pois consiste em abrir espaço para a presença do outro, sem preconceito. Porque quem escuta de verdade recebe toda palavra como nova e ativa a sensibilidade para deixar-se “tocar” pela voz que alarga a vida.

Vivemos mergulhados num mundo de vozes; um “vozerio” nos cerca: vozes que nos levam à morte, vozes que nos chamam à vida; vozes contaminadas pelo egoísmo, adulteradas pelo medo, deturpadas pela impureza, e vozes que são o eco do paraíso convidando para a festa, comunicando paz, convocando à comunhão... É possível que as vozes do egoísmo, do orgulho e da ambição tentem se disfarçar em voz de Cristo, a fim de arrastar-nos para o vazio e a ruína. Mas o Pastor verdadeiro não fala por ruídos, e sim pelo silêncio; não fala pela força dos pulmões, e sim pelo vento suave de seu Espírito...

Para escutá-la requer-se interioridade e atenção aos sinais de sua presença: pode ser a voz de um irmão pedindo socorro; pode ser a linguagem de um acontecimento alegre ou triste; pode ser uma palavra lida ou proclamada; pode ser uma inspiração misteriosa captada no silêncio...

Na arte do discernimento das vozes, o importante é, através da escuta interior, perceber de onde vem e para onde nos conduz cada voz que ressoa em nós. Se ela nos conduz para o outro, para o Reino...é clara manifestação da voz do Pastor.

Depois de mais vinte séculos, nós seguidores(as) precisamos recordar de novo que o essencial para ser a Igreja de Jesus é escutar sua voz e seguir seus passos.

Primeiramente, é preciso despertar a capacidade de escutar Jesus; ativar muito mais em nossas comunidades essa sensibilidade, que está viva em muitos cristãos simples que sabem captar a Palavra que vem de Jesus em todo seu dinamismo e sintonizar com sua Boa Notícia de Deus.

Mas não basta escutar sua voz. É necessário seguir a Jesus. Chegou o momento de decidir-nos entre contentar-nos com uma “religião burguesa” que tranquiliza as consciências mas afoga nossa alegria, ou aprender a viver a fé cristã como uma aventura apaixonante de seguir a Jesus. 

Texto bíblico:  Jo 10, 27-30 

Na oração: minha voz, está a serviço de quem? Da vida ou da morte? Como ela se expressa: com intolerância, julgamento, preconceito? Sou canal através do qual a Voz de Vida chega até os últimos..., ou coloco minha voz à disposição daqueles que estão a serviço da violência e da morte? Sei distinguir as diferentes vozes que se fazem ouvir ao meu redor? Purifico minha voz no fogo do silêncio ou ela é expressão do ruído da superficialidade?  Fonte: http://www.ihu.unisinos.br