O ex-papa diz que os detratores ignoraram a sua questão principal quanto às origens da pedofilia sacerdotal. A reportagem é de Christa Pongratz-Lippitt, publicada por La Croix International, 17-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Bento XVI deu início a uma nova polêmica ao publicar resposta pungente contra os críticos de um ensaio seu no qual culpa o Movimento de Maio de 68 que teria desencadeado os casos de abuso sexual de menores na Igreja.
O papa emérito de 92 anos originalmente apresentou a sua tese em um artigo de 6 mil palavras intitulado “A Igreja e os abusos sexuais”, publicado em abril deste ano na revista religiosa alemã Klerusblatt.
Uma série de pesquisadores alemães contestaram prontamente o artigo. Bento, que renunciou do papado em 2013, decidiu responder à crítica com uma “carta ao editor” da Herder Korrespondenz. Este prestigiado periódico teológico mensal publicou a carta na edição de setembro.
Intitulada “68 e os abusos”, a carta lamenta a “inadequação típica” da reação dos críticos ao ensaio e acusa-os de ignorar o foco principal do que havia sido dito.
“Os abusos são o resultado de um mundo sem Deus”
“Escrevi: ‘Um mundo sem Deus só pode ser um mundo sem significado (...) A sociedade ocidental é uma sociedade na qual Deus está ausente na esfera pública e não tem nada para oferecer a ela. E essa é a razão pela qual a sociedade perde cada vez mais sua noção de humanidade”, disse Bento XVI.
“Na maior parte das reações [ao seu ensaio original], até onde posso perceber, Deus não aparece e, portanto, exatamente aquilo que eu quis discutir não é discutido”.
Bento rebate especificamente Birgit Aschmann, professora de história europeia do século XIX na Universidade Humboldt, em Berlim. Em um artigo de quatro páginas publicado na edição de julho da Herder Korrespondenz, a professora alemã de 52 anos destacou que a pesquisa histórica “nada descobriu sobre uma falta geral de normas como resultado de uma revolução sexual (nos anos 60) e certamente não entre os católicos”.
“O que realmente influenciou-os em 1968 era algo bem diferente, a saber, a encíclica Humanae vitae”, afirmou ela no artigo.
Historiadora diz que Bento ignora as evidências científicas
Aschmann acusou Bento de ignorar os achados de pesquisas sociocientíficas. Ela o acusou de argumentar somente com base em “fragmentos de memória biográfica sem mesmo analisar qual era a representatividade deles”.
Na carta ao editor, Bento XVI menciona o artigo de Aschmann em uma única e breve porém pungente frase.
“O que me surpreende é que Deus, foco central do meu ensaio, não foi mencionado uma única vez nas quatro páginas do artigo da Sra. Aschmann”, disse o ex-papa.
Volker Resing, editor da Herder Korrespondenz, afirmou que a opinião de Bento sobre o Movimento de Maio de 68 era “puro pessimismo cultural”.
Em artigo postado no sítio eletrônico da Arquidiocese de Colônia em 28 de agosto, ele declarou que esta visão completamente negativa de sociedade leva à pergunta sobre o que aconteceu com as opiniões de Bento quanto à esperança cristã.
Resing apontou especificamente para estas palavras da encíclica de 2007, Spe Salvi, que Bento publicou no terceiro ano de pontificado.
“Nos foi dada esperança, esperança confiável, por virtude da qual podemos enfrentar o nosso presente. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova”.
Teólogo convida Bento XVI a trabalhar na divulgação de documentos do Vaticano
Enquanto isso, Magnus Striet, professor de teologia fundamental na Universidade de Friburgo, em Brisgóvia, Alemanha, também pôs em dúvida a análise de Bento.
Retoricamente perguntou: “Quem nomeou os bispos acusados hoje de acobertar casos de abuso sexual ou de ser eles próprios os perpetradores? Foram todos eles membros do Movimento de 1968?”
Em artigo postado no sítio eletrônico da Conferência dos Bispos Alemães, o teólogo de 55 anos criticou o ex-papa por não ter feito o suficiente para revelar aquilo que o Vaticano realmente sabe dos casos históricos de abuso sexual cometido pelo clero.
Striet afirmou que, em vez de se irritar com aquilo considera um declínio da sociedade, seria “mais útil” se Bento – que fora prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé por mais de 23 anos – exigisse que uma comissão independente tenha a permissão para examinar os documentos da citada Congregação, material que se encontra guardado desde 2000. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br