Com citações da Bíblia, aulas na internet e em igrejas ensinam a sair do vermelho, acertar as contas e ter vida mais próspera
Ana Paula Ribeiro
Cuidar e ganhar dinheiro com base nos preceitos de Deus. Essa é a proposta de um dos cursos da Universidade da Família, uma entidade educacional voltada a todas as denominações evangélicas com sede em Pompeia, no interior paulista. Quem participa das aulas de estudos financeiros bíblicos tem contato com mandamentos que não diferem muito do que é transmitido nos tradicionais cursos de educação financeira: organizar o orçamento doméstico, traçar uma estratégia para sair das dívidas e estabelecer metas financeiras . A diferença é que as explicações são apoiadas em trechos da Bíblia .
— Dentro do povo evangélico, o dinheiro pode ser visto como impuro. Não é. O problema é deixar o dinheiro ser o nosso senhor. Nesse caso, a questão não é ter pouco ou muito, mas como administrá-lo — diz Paulo Cesar Maximiano, diretor da Universidade da Família.
Não existe um levantamento sobre o número de igrejas que oferecem cursos semelhantes no país, mas o público potencial é a fatia crescente de evangélicos na população brasileira, que já chega a 30%. Um dos argumentos usados pelo diretor da Universidade da Família é que o fiel, ao gerir melhor o próprio dinheiro, pode ajudar o próximo e aumentar as contribuições à entidade que frequenta.
O estudo financeiro bíblico oferecido no interior paulista usa a metodologia Crown (coroa, em inglês), criada nos anos 1970 nos Estados Unidos por lideranças cristãs e adaptada para o Brasil em 2002. De acordo com a Crown, 2.350 versículos (subdivisões dos textos bíblicos) tratam de finanças e administração.
A capixaba Mirna Borges, coach financeira desde 2016, conta com quase 200 mil seguidores no Instagram, outros 900 mil no YouTube e é parceira do canal do banco BTG Digital. Depois de fazer o curso da Universidade da Família, ela decidiu mostrar aos seus seguidores os paralelos entre a educação financeira e os trechos bíblicos aprendidos na Crown.
— Eu sentia falta de unir meu conhecimento de educação financeira à palavra de Deus. Algumas pessoas pararam de me seguir, criticaram ou me ofenderam quando comecei com esses estudos, mas quero mostrar que é possível ter uma vida próspera e também orientada pela palavra — diz Mirna.
Demanda alta
Uma das igrejas que abre espaço para essas aulas é a Igreja Batista do Povo (IBP), em São Paulo, que passou de poucos interessados, até 2015, para cerca de 150 alunos ao ano desde então.
— Foi um aumento causado por questões sociais, pela crise. E, do nosso lado, vem a preocupação com as famílias. Uma das principais causas do divórcio é a presença de problemas financeiros nesses lares — explica Rafael Gadelha, pastor responsável pela área das famílias na IBP, lembrando que também há um curso voltado para a educação financeira de crianças e adolescentes.
Ao início e ao fim de cada aula, é feita uma oração. Também há espaço para que cada participante faça um pedido para ser contemplado nas preces dos demais fiéis do grupo — e não necessariamente precisa ser relacionado às finanças pessoais. Todos também são convidados a ler e decorar os versículos da Bíblia relacionados a finanças que permeiam cada capítulo.
— O objetivo é chegar àquele Dia D, ou seja, não tardar para pagar e sair das dívidas. E poder começar a poupar. A ideia é: junte agora e compre depois — explica Leandro Oliveira, um dos instrutores do curso, acrescentando que evitar as dívidas faz parte de um dos salmos da Bíblia.
Pastor investidor
O pastor Leandro Barreto, fundador da Igreja Poiema, com sede em Taubaté, no interior paulista, diz que o objetivo da iniciativa é mostrar aos fiéis que eles podem ter uma vida próspera. Ele mesmo passou a ser um investidor, mas adota uma estratégia considerada pela maioria dos especialistas da área de altíssimo risco.
— Tenho tudo em renda variável, 70% em ações e 30% em fundos imobiliários — conta Barreto, ressaltando que não dá conselhos sobre em que investir, mas sobre a importância de aprender a lidar com o dinheiro.
Os cursos financeiros para evangélicos são apenas mais um tipo de segmentação na crescente indústria de planejamento de investimentos no atual cenário de queda dos juros de aplicações de renda fixa. Jayme Carvalho, responsável pela área jurídica da Planejar, associação que reúne planejadores financeiros, lembra que não há uma regulamentação para pessoas ou instituições que oferecem educação financeira. Portanto, é preciso ter cuidado sobre quem dá os conselhos e quais realmente fazem sentido para quem escuta.
— A atividade do educador, planejador ou coach financeiro não tem regulamentação específica, então alguns profissionais fazem a prova para ter o certificado CFP (de planejador financeiro). Mas só quem tem autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode orientar sobre onde investir — alerta Carvalho. Fonte: https://oglobo.globo.com