“Regra e Ressurreição”, um assunto intrigante que pode ser analisada de várias maneiras. Neste momento, porém,  não vamos abordar o assunto do ponto de vista científica ou histórica mas vamos à procura de elementos que esclarecem se a espiritualidade da Regra tem que ver algo com a Ressurreição de Jesus e com a Liturgia ressurreccional da Ordem.

Aprofundando o primeiro motivo podemos dizer que na visão da Regra o oratório era destinado à celebração em comum da Eucaristia sendo ao mesmo tempo o lugar onde os irmãos se reuniam todos os dias de manhã cedo (14).

A respeito disto o Carmelita Kees Waaijman escreve no seu livro O Espaço Místico do Carmelo:

"Os antigos monges do deserto celebravam a Eucaristia uma vez por semana. No século XIII era diferente. A maioria das comunidades religiosas juntava-se todos os dias para a Eu­caristia. A reunião diária dá uma estrutura rítmica à vida. O facto de se juntarem diariamente, de manhã cedo, ao crepúsculo, dá ao dia um ritmo básico. O nascer do sol que conquista a noite deve ter sido intuitivamente entendido como sinal do Ressuscitado”

O encontro dos irmãos tinha uma dimensão litúrgica. O facto de virem todos juntos para a Eucaristia lembra a Ressurreição. A Eucaristia, afinal de contas, começa lá onde o Senhor nos una num só redil. Ele convida-nos a escutar a sua palavra para que ela nos toque, forme o desejo no nosso coração e nos faça procurar a Sua presença. Ele convida-nos a tomar o seu corpo e sangue, para nos lembrarmos d'Ele e nos identificarmos com Ele, para que entremos na sua morte e sejamos encontrados pelo próprio Deus.

A Eucaristia radicaliza o acto de sair de nós próprios: não somos nós quem vimos: mas somos conduzidos, conduzidos para a vastidão do Mundo e para a profundeza da Morte para sermos encontrados, para sermos unidos.

Esta é a perspectiva mística do facto de se reunir para a celebração da Eucaristia. Este movimento místico está lindamente representado através das palavras ‘de manhã cedo’, palavras que evocam a marcha silenciosa de Maria Madalena até ao túmulo: ‘No primeiro dia da semana, ainda era escuro, Maria de Mágdala foi ao túmulo de manhã cedo...' (João 20:1). De manhã cedo os Carmelitas reúnem-se no oratório, no CENTRO (das celas) por ninguém ocupado. Como a noiva do Cântico dos Cânticos, também eles, enquanto ainda é noite, procuram Aquele a quem as suas almas amam.

À procura do amor através da escuridão da noite segue-se a experiência da Páscoa na escuta da voz suave: 'Maria' (João 20:16), o querido nome pronunciado por aquele que é amado pela alma. Segue-se a resposta não menos terna: 'Rabbuni' (João 20:16). Esta é a Páscoa do amor, a profundidade mística da Eucaristia. Aqui está o coração do Carmelo" (Kees Waaijman, De mystieke ruimte van de Karmel, 101).

É impressionante que Kees Waaijman dando um comentário sobre a Regra, acaba por chegar à Ressurreição que durante séculos era comemorada diariamente na liturgia dos Carmelitas. Quase se poderia dizer que a Ressurreição de Jesus é inerente à Regra e integrada nela e que a união com Christus Ressurgens, com Cristo Ressurgindo, se encontra explicitada na antiga liturgia.

 

Outras referências

- Aos Domingos (o dia da Ressurreição do Senhor) ou noutros dias quando necessário, reuni-vos para tratar da observância da vida comum e do bem espiritual das pessoas. (15)

Podemos perguntar porque no dia da Ressurreição os Carmelitas devem tratar da observância da vida comum, do bem espiritual das pessoas e porque devem corrigir nesse dia, caritate media, com a caridade no meio, eventuais erros dos seus irmãos.

Sobre este assunto, e nomeadamente sobre a similitude e reciprocidade que são necessárias para poder corrigir os outros com caridade diz Kees Waaijman:

"Convergência e reciprocidade soam mais profundamente quando colocadas no contexto do amor do Ressuscitado. A Eucaristia no dia da Ressurreição, a referência ao amor de Maria Madalena, a reunião dos apóstolos no primeiro dia da semana e o aparecimento, no meio deles, d'Aquele que ressuscitou – tudo isto centraliza o capítulo no contexto do amor d'Aquele que ressuscitou e se entregou na sua Palavra, no seu Corpo e Sangue…” (Kees Waaijman, De mystieke ruimte van de Karmel, 114).

 

O oratório deve ser construído no meio das celas.

Por dois motivos o oratório tem que ver algo com a Ressurreição. Em primeiro lugar porque nele deve ser celebrada a Eucaristia que é como é sabido o memorial da Ressurreição de Jesus.

O segundo motivo provém do facto de que o primeiro oratório era dedicado a Maria, uma das primeiras testemunhas da Ressurreição de Jesus que, no contexto das festas a Ela dedicadas, era vista pelos antigos carmelitas como penhor escatológico e promessa duma nova vida após a morte.

*INTERCAB 23 A 31 DE JULHO DE 2005- RIO DE JANEIRO: DIMENSÃO CELEBRATIVA DA VIDA NO CARMELO A REGRA E A RESSURREIÇÃO.