"O cardeal Sarah continua coerentemente sua batalha de oposição à linha reformista do Papa Francisco, ontem sobre a questão da comunhão aos divorciados e novamente casados, hoje sobre o tema do celibato", escreve Marco Politi, jornalista, em artigo publicado por il Fatto Quotidiano, 16-01-20202. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Foram necessárias menos de 48 horas para desmontar a tese de um mal-entendido ou de uma armadilha na qual teria caído o ex-papa Ratzinger sobre o “pare” ao celibato lançado ao papa Francisco em um livro assinado em conjunto com o cardeal Robert Sarah. Em pouco tempo virou água a versão posta em circulação anonimamente, em primeiro lugar pelo entourage ratzingeriano: seriam simples "notas" enviadas pelo ex-papa ao cardeal guineense. Versão acompanhada pela alegação de não ter nada a ver com o projeto do livro. O cardeal mostrou que esteve em contato com Ratzinger por três meses seguidos: setembro, outubro e novembro (meses do Sínodo para a Amazônia, marcado precisamente pelo debate sobre a eventualidade de ordenar padres homens casados); trouxe as provas de uma troca de e-mails, explicou que os rascunhos do livro e da capa haviam sido enviados a Ratzinger em 19 de novembro e que recebeu o placet em 25 de novembro. Mais ainda: em 3 de dezembro, Sarah foi se encontrar pessoalmente com o papa emérito.
Sarah é um cardeal tradicionalista muito próximo de Bento XVI, sincero, conhecido no Vaticano por sua rigorosa espiritualidade. Prospectar a ideia de que ele tenha manipulado as notas recebidas de Ratzinger e tenha agido pelas costas do ex-pontífice é "abjeto" e difamatório, como ele mesmo disse. Não basta que Gänswein, no comunicado em que solicita a retirada da assinatura dupla da capa do livro e da introdução e das conclusões, afirme que apenas o capítulo escrito por Ratzinger seja dele.
Tanto o texto de introdução como o texto de conclusão são escritos usando o "nós". Falta nas declarações de Gänswein um elemento importante: a declaração de que o texto da introdução e das conclusões teria sido falseado, inserindo o pronome plural sem o conhecimento de Ratzinger. Essa declaração não veio. E o silêncio pesa sobre isso.
O livro já foi lançado na França com uma assinatura dupla vistosamente rasurada. O fato de a capa da segunda edição indicar o cardeal Sarah como autor "com a contribuição de Bento XVI" é apenas uma emenda pior que o soneto. Todos os textos permanecerão inalterados. É significativo que a editora católica estadunidense Ignatius Press (de orientação conservadora) tenha decidido publicar o livro com os dois nomes na capa de qualquer maneira.
Resumindo. O cardeal Sarah continua coerentemente sua batalha de oposição à linha reformista do Papa Francisco, ontem sobre a questão da comunhão aos divorciados e novamente casados, hoje sobre o tema do celibato. No livro, pede a Francisco que "vete" inovações e define como uma "catástrofe" a hipótese de um clero casado, mesmo que como exceção. Bento XVI, sob o mesmo teto do livro, se alinha pela primeira vez oficialmente com um dos partidos protagonistas da guerra civil em curso na Igreja.
Ratzinger, fraco no físico, mas absolutamente lúcido intelectualmente, estava ciente de intervir sobre o tema do celibato em coincidência com o debate sinodal - isto é, de uma instância oficial da Igreja Católica - e em uma fase em que Francisco devia tomar uma decisão na plenitude de seus poderes. Sua contribuição para o livro representa uma interferência grave. E a sucessiva marcha à ré com a retirada da assinatura na introdução e nas conclusões do livro acaba por evidenciar a irresponsabilidade inicial de sua intervenção, mas também a insustentabilidade de uma posição que despertou desorientação e irritação em uma grande massa de católicos.
Gänswein é o fiel apoio e o único elo entre o ex-pontífice e o resto do mundo. Ele poderia aconselhar Ratzinger a não se expor dessa maneira. Não é certo que o ex-papa o ouviria, mas não resulta que Gänswein tenha feito isso mesmo no ano passado, quando Ratzinger escreveu um ensaio sobre as raízes dos abusos na Igreja, contrapondo-se frontalmente à análise feita pelo papa Francisco. Na realidade, Gänswein está totalmente sintonizado no comprimento de onda de Ratzinger e há muito se sente desconfortável com muitas coisas que ocorrem durante o pontificado de Bergoglio.
Para a frente conservadora, a história toda não representa um sucesso. Aliás, relançou a discussão sobre a necessidade de definir rigorosamente o status dos papas demissionários, eliminando o título de "papa emérito" e a veste branca: um contrassenso, fonte de confusão.
Enquanto isso, o papa Bergoglio fala por sinais. O Vatican News, órgão oficial do dicastério pontifício da comunicação, acaba de publicar trechos do decreto conciliar sobre o sacerdócio Presbyterorum Ordinis, no qual é destacado oficialmente - e é a lei da Igreja – que a "perpétua continência (celibato) ... certamente não é exigida pela natureza própria do sacerdócio, como resulta evidente quando se pensa na praxe da Igreja primitiva e à tradição das Igrejas orientais".
Palavra do Concílio. Um tapa na tese de Ratzinger sobre o vínculo "ontológico" entre sacerdócio e impossibilidade do casamento. Francisco, qualquer que seja a decisão que tomar sobre a ordenação sacerdotal de diáconos casados, não pretende se deixar chantagear. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br