+ João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo Metropolitano de Montes Claros
Os meios de comunicação, nas últimas semanas, se empenharam em mostrar os sofrimentos de parte da população do sudeste do país. Impõem-se os seguintes questionamentos: de que sofrimento se trata? Qual a razão dele? Somos tentados a responder que a causa está ligada às torrenciais chuvas deste verão. No entanto, uma resposta assim transfere aos fenômenos da natureza a responsabilidade pelas mortes, desalojamentos, perdas e danos. Urge perguntar se a raiz desse sofrimento é realmente a chegada das chuvas.
O momento é propício para o aprendizado. Como está nossa relação com a natureza? A história registra a relação do ser humano com a natureza sob diversos prismas. No entanto, parece haver sempre um embate. De modo geral, em todas as culturas tenta-se dominar a natureza e dela extrair energia, produtos, bens que facilitem o viver, na busca do conforto e do bem-estar. Isso parece ter um custo, um alto custo, considerando o grau de intervenção do ser humano na natureza. Emerge o discurso ecológico, verdadeira ciência da contemporaneidade, para contribuir com o equilíbrio dessa relação.
A Igreja, atenta aos sinais dos tempos, dialoga com a sociedade. No Brasil, ela colaborou para introduzir o tema da ecologia com a Campanha da Fraternidade de 1977, que trazia o forte apelo: “Preserve o que é de todos”. Papa Francisco abraçou essa causa, entre outras, e, tomando das catequeses de São João Paulo II a expressão “conversão ecológica”, dedicou diversos parágrafos ao tema naquela que poderia ser chamada de “encíclica ecológica”, a Laudato sì. De fato, seis parágrafos da Laudato sì são dedicados ao tema da “conversão ecológica”, definida como um novo comportamento para “deixar emergir, nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa” (LS 217).
A conversão ecológica nada mais é que o aprofundamento da conversão pessoal. É deixar que o evangelho ilumine todas as dimensões da existência e da história, pois “se «os desertos exteriores se multiplicam no mundo, [é] porque os desertos interiores se tornaram tão amplos», [assim] a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior” (LS 217). Insiste o Papa que tal conversão tem o seu desdobramento social na dimensão comunitária: “A conversão ecológica, que se requer para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária” (LS 219).
As consequências de uma intervenção destruidora da “casa comum” são perceptíveis por toda a humanidade e em todos os cantos da terra. Escutemos o apelo ecumênico do Papa: “Convido todos os cristãos a explicitar esta dimensão da sua conversão, permitindo que a força e a luz da graça recebida se estendam também à relação com as outras criaturas e com o mundo que os rodeia, e suscite aquela sublime fraternidade com a criação inteira que viveu, de maneira tão elucidativa, São Francisco de Assis” (LS 221). E, queiramos ou não, a “casa comum” está gritando: conversão ecológica já! Fonte: https://arquimoc.com