Por que estou renunciando ao cargo eletivo e optando por ser jesuíta? Depoimento de Cyrus Habib, vice-governador do estado de Washington, EUA
"Nos últimos dois anos, senti-me chamado a uma vocação diferente, embora também orientada ao serviço e à justiça social. Senti um chamado para dedicar minha vida de maneira mais direta e pessoal a servir os marginalizados, capacitar os vulneráveis, curar aqueles que sofrem feridas espirituais e acompanhar os que discernem seu próprio futuro. Eu acredito que a melhor maneira de aprofundar meu compromisso com a justiça social é reduzir a complexidade da minha própria vida e dedicá-la ao serviço aos outros", escreve Cyrus Habib, vice-governador do estado de Washington, EUA, em artigo publicado por America Magazine, 19-03-2020.
Eis o depoimento.
Hoje cedo, anunciei que não disputarei a reeleição como vice-governador do estado de Washington e que decidi entrar para a Companhia de Jesus. Essa decisão decorre de dois anos de oração e cuidadoso discernimento.
Mas por causa desse processo ter sido em boa parte inteiramente privado, eu percebi que isso viria como uma grande surpresa aos meus eleitores e apoiadores. Muitos devem estar surpresos pelo porquê alguém que dispendeu os últimos oito anos escalando a carreira política e que tem uma significativa chance de assumir o governo no próximo ano trocaria uma vida de autoridade por uma de obediência. Eu quero tirar um momento pra discutir essa decisão, bem como para expressar minha profunda gratidão a todos aqueles que me ajudaram durante esses oito anos no cargo a que fui eleito, com tanto sucesso e gratificação.
Fui eleito deputado do estado em 2012, senador estadual em 2014 e vice-governador em 2016. Minhas razões para concorrer a esses cargos e minhas prioridades no cargo estavam firmemente enraizadas no ensino social católico, que coloca os pobres, os doentes, os deficientes, os imigrantes, os presos e todos os que estão marginalizados no centro de nossa agenda social e política. Eu sabia desde a infância como era ser excluído por ser um garoto cego de uma família iraniana e tentei usar o poder que me foi dado pelos eleitores para garantir que avançássemos urgentemente rumo ao dia em que ninguém se sentirá esquecido ou descartado em nossa sociedade.
Senti um chamado para dedicar minha vida de maneira mais direta e pessoal para estar a serviço dos marginalizados, capacitando os vulneráveis e curando aqueles que sofrem com as feridas espirituais.
Foi por isso que, como legislador, introduzi a legislação para estabelecer licenças médicas pagas em todo o estado e, por isso, que banquei a Lei de Direitos de Voto em Washington para tornar nossas eleições mais justas. E foi por isso que tornei o acesso ao ensino superior a principal prioridade no cargo de vice-governador e porque estou entusiasmado que, através das leis que criamos e dos programas que lançamos, removemos obstáculos ao acesso à faculdade para inúmeros washingtonianos que serão os primeiros em suas famílias a contemplar uma educação pós-secundária.
Nos últimos dois anos, porém, senti-me chamado a uma vocação diferente, embora também orientada ao serviço e à justiça social. Senti um chamado para dedicar minha vida de maneira mais direta e pessoal a servir os marginalizados, capacitar os vulneráveis, curar aqueles que sofrem feridas espirituais e acompanhar os que discernem seu próprio futuro. Para mim, isso está enraizado na minha fé: no Evangelho de Cristo. Mas meu desejo de encontrar algo maior do que eu, caminhando com os pobres e abandonados deste mundo, será familiar àqueles de muitas tradições espirituais diferentes. Eu acredito que a melhor maneira de aprofundar meu compromisso com a justiça social é reduzir a complexidade da minha própria vida e dedicá-la ao serviço aos outros.
Eu acredito que, embora certamente continuemos a precisar de pessoas de boa vontade para servir no cargo eletivo, enfrentar os desafios que nosso país enfrenta exigirá mais do que apenas a formulação de políticas.
As pessoas precisam desesperadamente de apoio espiritual e acompanhamento. Da nossa cultura descartável, que trata os trabalhadores e o meio ambiente como descartáveis, para uma nova geração de jovens ansiosos por mudar o mundo, mas lutando com ansiedade sem precedentes, alienação e outros desafios de saúde mental, até o medo e o isolamento que todos vivenciamos por consequência do coronavírus, é um momento em que precisamos nos ater à sabedoria daqueles que vieram antes e cultivar novas formas de sabedoria forjadas nos fogos de nosso momento presente.
A Igreja Católica luta com questões sociais e morais difíceis há 2 mil anos e, embora eu possa ser tão impaciente quanto alguém que se move vagarosamente, sei, por experiência própria, o quanto todos podemos nos beneficiar de um vocabulário moral que insiste na dignidade de cada pessoa. E também sei que, neste tempo de consumismo, desconfiança e polarização, muitos estadunidenses desejam um encontro com o transcendente, o rejubilante, o amoroso.
Eu mesmo sinto esse consolo toda vez que falo com meu orientador espiritual, o padre Mike Ryan, da Catedral de São Tiago, em Seattle. E porque Deus é grande o suficiente para falar conosco através de muitas tradições diferentes, senti isso quando tive o privilégio único de conhecer e aprender com o Dalai Lama no ano passado. Como pude resistir à oportunidade de participar, ainda que em pequena escala, do trabalho de renovação espiritual que dá vida e que nosso mundo e esses tempos precisam tão desesperadamente?
Os jesuítas são conhecidos por sua dedicação à educação, particularmente ao ensino superior, por sua filosofia de encontrar Deus em todas as pessoas, culturas e coisas, por defenderem uma igreja e um mundo mais inclusivos e por servirem como diretores espirituais enraizados nas práticas contemplativas da espiritualidade inaciana. E agora o papa Francisco, o primeiro papa jesuíta, trouxe esses valores com sua liderança para a igreja global e, ao fazer isso, inspirou uma geração de católicos a se envolver novamente com sua fé. Neste momento, é muito cedo para eu saber para onde minha vida como jesuíta me levará, mas estou confiante de que envolverá ensino, diálogo intercultural e inter-religioso, advocacy e acompanhamento espiritual.
Finalmente, e mais importante, quero agradecer a todos aqueles que me possibilitaram servir ao público na função eleita – a todos os voluntários, doadores, funcionários e colegas que me acompanharam nesta jornada. Valorizo mais as nossas realizações compartilhadas do que poderia escrever aqui. O cargo eleitoral e o serviço governamental são atividades profundamente nobres, e as pessoas com quem trabalhei apenas aprofundaram meu respeito por nossa forma de governo. Obrigado pelo que fizeram e pelo que continuarão fazendo pelo nosso país. Peço a todos que me mantenham em suas orações enquanto viajo nesta nova estrada; vocês, é claro, estarão nas minhas. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br