"Dado o momento atual de confinamento e, como Teilhard de Chardin, de isolamento dos templos religiosos e das nossas comunidades de fé, podemos rezar 'A missa sobre mundo'. Cada um de nós pode celebrar, estendendo as mãos aos elementos que estão ao nosso alcance, consagrando-os para incorporar e refletir a presença divina e para receber essa comunhão em nossos corações e mentes", escreve Peter Gilmour, professor emérito da Loyola University Chicago e do Instituto de Estudos Pastorais desta instituição, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 25-05-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Com as igrejas fechadas em todo o país, aumentou a “frequência” às missas transmitidas na TV e na internet. No meio da pandemia de Covid-19, muitos católicos passaram a sintonizar suas TVs ou ligarem seus computadores para assistir a celebrações eucarísticas aos domingos. Eles consideram essas missas experiências satisfatórias, gratificantes e de oração.
Sou um católico praticante que pertence àquela minoria dos que não compartilham do entusiasmo pelas liturgias transmitidas pela TV ou na internet. Para mim, esses programas são apenas uma sombra do que é a liturgia – fonte e o cume da nossa fé. Estas missas, sejam gravadas, sejam transmissões ao vivo, estão muito longe de formar aquela participação ativa e plena que a Constituição sobre a Liturgia descreve.
Muitas dioceses e grupos religiosos transmitem liturgias aos domingos. Alguns exibem a missa latina tridentina, com o padre vestido de renda e seda, voltado para a parede e de costas para comunidade. A maioria são liturgias vernaculares contemporâneas, com o celebrante de frente para a comunidade. As missas transmitidas pela TV ou na internet anunciam endereços físicos e eletrônicos onde podem receber as doações. Frequentemente aceitam cartões de crédito e PayPal. Essa antiga prática das igrejas – a coleta dominical – foi mantida fielmente!
Em vez de uma liturgia on-line ou televisionada, gosto de “A missa sobre o mundo”, do padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin. Teilhard, padre francês, filósofo, geólogo e paleontólogo, viveu de 1881 a 1955 e ficou conhecido por um livro intitulado “O fenômeno do homem”.
Por mais de uma vez, Teilhard de Chardin se viu em áreas remotas do mundo sem ter por perto um templo religioso, um altar, patena e cálice, pão e vinho e sem estar na presença de uma congregação. Essas experiências o levaram a criar “A missa sobre o mundo”.
Em outro livro, “Hino do universo”, ele registra a sua liturgia eucarística para ocasiões desse tipo. A “terra inteira” se transforma em seu altar. As “as profundezas de uma alma largamente aberta a todas as forças que, num instante, vão se elevar de todos os pontos do Globo e convergir para o Espírito” tornam-se o seu cálice e a sua patena. Nesta patena, ele derramará “a seiva de todos os frutos que hoje serão esmagados”.
Teilhard agradece pelas pessoas em sua vida, a família, os amigos, os colegas das pesquisas científicas, aquelas pessoas que ele desconhece e “aqueles cuja tropa anônima forma a massa inumerável dos vivos (…) aqueles que vêm e aqueles que vão; sobretudo aqueles que, na Verdade ou através do Erro, no seu escritório, laboratório ou fábrica, creem no progresso das Coisas e, hoje, perseguirão apaixonadamente a luz”.
Na sequência de “A missa sobre o mundo”, o jesuíta consagra “toda a vida que vai germinar, crescer, florescer e amadurecer neste dia”, rezando:
“Repeti: ‘Isto é o meu Corpo’. – E, sobre toda a morte pronta a corroer, fanar e segar, ordenai (o mistério de fé por excelência!): ‘Isto é o meu Sangue’”.
Na comunhão de “A missa sobre o mundo”, de Teilhard, ele diz: “estenderei a [minha] mão” para acolher aquilo que poeticamente se refere como “pão ardente”. Ele reza para que a sua comunhão o ajude a “contemplar o semblante de Deus”. Percebe que “a consagração do mundo já permaneceria inacabada se não tivésseis animado com predileção, para aqueles que creem, as forças que matam, depois das que vivificam”.
O religioso encerra a missa com uma oração poética e profética. Um único parágrafo de “A missa sobre o mundo” basta para uma experiência meditativa profunda. O texto completo desta missa é uma reflexão avassaladora sobre o mistério, a majestade e o aspecto místico da Eucaristia, digno de repetição ritual.
Dado o momento atual de confinamento e, como Teilhard de Chardin, de isolamento dos templos religiosos e das nossas comunidades de fé, podemos rezar “A missa sobre mundo”. Cada um de nós pode celebrar, estendendo as mãos aos elementos que estão ao nosso alcance, consagrando-os para incorporar e refletir a presença divina e para receber essa comunhão em nossos corações e mentes.
Continuarei deixando de lado as missas transmitidas on-line e televisionadas, e continuarei rezando “A missa sobre o mundo”, que é uma meditação profunda sobre a vida, os seres vivos, a morte e a vida após a morte. Essa será a minha prática eucarística dominical até que for possível voltar à minha comunidade de fé, em pessoa. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br