Líderes angolanos denunciam racismo, evasão de divisas e imposição da prática de vasectomia aos pastores
Gilberto Nascimento
SÃO PAULO | BBC NEWS BRASIL
UM GRUPO DE BISPOS E PASTORES DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS EM ANGOLA AFIRMOU TER ASSUMIDO NA SEGUNDA-FEIRA (22) O CONTROLE DE 35 TEMPLOS DA INSTITUIÇÃO EM LUANDA E CERCA DE 50 EM OUTRAS PROVÍNCIAS DO PAÍS, COMO LUNDA-NORTE, HUAMBO, BENGUELA, MALANJE E CAFUNFO.
Os religiosos angolanos declararam ruptura com a gestão brasileira. É um movimento sem precedentes, que começou em novembro de 2019, com a divulgação de um manifesto com críticas à direção brasileira da Igreja.
Em nota oficial, a Igreja Universal do Reino de Deus de Angola afirmou que alguns templos no país foram invadidos "por um grupo de ex-pastores desvinculados da Instituição por práticas e desvio de condutas morais e, em alguns casos, criminosas e contrárias aos princípios cristãos exigidos de um ministro de culto".
A Universal diz, no documento, que os ex-pastores teriam usado a violência e promovido "ataques xenófobos", além de agredir pastores, esposas de pastores e funcionários "com objetivo de tomar de assalto a Igreja, com propósitos escusos". A Igreja Universal do Reino de Deus é liderada pelo bispo brasileiro Edir Macedo e tem hoje 10 mil templos espalhados em mais de 100 países. Reúne 500 mil fiéis em Angola.
O controle da Universal em Angola será assumido agora, segundo o grupo rebelado, pelo bispo Valente Bezerra Luiz, então vice-presidente da Igreja —ela passará a ser chamada de Igreja Universal de Angola. Os dissidentes dizem já ter o comando de 42% dos templos.
ACUSAÇÕES
Os bispos e pastores angolanos acusam a direção brasileira da Igreja de evasão de divisas, expatriação ilícita de capital, racismo, discriminação, abuso de autoridade, imposição da prática de vasectomia aos pastores e intromissão na vida conjugal dos religiosos.
Reclamam ainda de privilégios dados aos bispos brasileiros e pediam uma maior valorização do episcopado angolano.
O manifesto elaborado em novembro —com a assinatura de 320 bispos e pastores—, foi encaminhado ao principal líder da Igreja no país, o bispo brasileiro Honorilton Gonçalves, ex-vice-presidente da TV Record.
Os religiosos dizem não ter sido atendidos. No manifesto, já pediam aos líderes brasileiros da Igreja que deixassem o país para que a instituição passasse a ser administrada apenas por angolanos.
Dinis Bundo, identificado como obreiro da Universal e porta-voz do grupo rebelado, reclamou das benesses aos religiosos brasileiros. Segundo ele, as melhores igrejas sempre foram designadas aos brasileiros, que seriam beneficiados também com bons salários e carros modernos.
RESISTÊNCIA
Bundo afirmou que, além das 35 igrejas em Luanda, os manifestantes passaram a controlar 18 igrejas em Benguela, 14 em Malanje, 10 em Huambo e 8 em Luanda-Norte. O grupo tomou o controle também da Catedral do Morro Bento e do Cenáculo do Patriota, principais centros religiosos da instituição em Luanda.
Em alguns templos houve resistência. Os religiosos angolanos tomaram as chaves dos estabelecimentos e, em meio a discussões e empurrões, os responsáveis até aquele momento foram expulsos.
Em nota divulgada à imprensa, o corpo de pastores denunciou "atos de arbitrariedades" que estariam sendo praticados pela direção da Universal em Angola. O bispo Honorilton Gonçalves, segundo a nota, estaria perseguindo, punindo e intimidando bispos e pastores angolanos. Além da vasectomia imposta a pastores, mulheres dos religiosos estariam sendo obrigadas a abortar, conforme a nota.
Entre outras queixas dos religiosos, o documento denuncia ainda a "falsificação de ata de eleição de órgãos sociais da IURD", emissão de procurações com plenos poderes a cidadãos brasileiros para exercer atos reservados à assembleia geral, proibição às mulheres de pastores de terem acesso à formação acadêmica-científica e técnico-profissional, irregularidades no pagamento de segurança social dos pastores e falta de projeto de desenvolvimento pastoral em formação teológica específica.
“MENTIRAS”
A nota da Igreja Universal afirma que os invasores espalharam "mentiras absurdas, como essa acusação de racismo", para confundir a sociedade angolana.
"Basta frequentar qualquer culto da Universal, em qualquer país do mundo, para comprovar que bispos, pastores e fiéis são de todas as origens e tons de pele, de todas as classes sociais. Em Angola, dos 512 pastores, 419 são angolanos, 24 são moçambicanos, quatro vieram de São Tomé e Príncipe e apenas 65 são brasileiros", afirma a instituição.
A suposta obrigatoriedade de pastores serem submetidos a cirurgia de vasectomia, segundo a Universal, é um exemplo de fake news "facilmente desmentida pelo fato de que muitos bispos e pastores da Universal, em todos os níveis de hierarquia da Igreja, têm filhos". O que a Instituição estimula, conforme a nota, "é o planejamento familiar, debatido de forma responsável por cada casal".
E finaliza: "Esclarecemos que, respeitada a unidade de doutrina da fé que une a Igreja Universal do Reino de Deus em todos os 127 países onde está presente, nos cinco continentes, a Universal de cada nação dispõe de total autonomia administrativa para encaminhar e resolver suas questões locais, sempre observando as leis e as tradições. O que se espera é que as autoridades restabeleçam, com urgência, a ordem legal e possam assegurar que a Universal continue salvando vidas e prestando ajuda humanitária em Angola, como faz há 28 anos". Fonte: https://www1.folha.uol.com.br