Santuário em Tuam feito em memória das crianças vítimas dos antigos lares para mães solteiras administrados pela Igreja Católica da Irlanda Foto: PAUL FAITH / AFP
Abusos aconteceram entre os anos 1920 e 1990. Relatório final de investigação de ex-instituições católicas mostrou que taxa de mortalidade era cinco vezes maior do que a média da época
Da Reuters
DUBLIN — Nove mil crianças morreram em orfanatos administrados pela Igreja Católica da Irlanda entre 1920 e 1990. As 9 mil mortes equivalem a uma taxa de mortalidade de 15%, cinco vezes maior do que a média do período e considerada "chocante" pelos autores de um relatório encomendado pelo governo irlandês, divulgado nesta terça-feira.
A investigação abrangeu 18 antigas instituições católicas, chamadas Lares para Mães e Bebês, onde jovens solteiras grávidas e depois seus filhos foram escondidos da sociedade por décadas. Os orfanatos recebiam subsídios do Estado.
O documento é o último de uma série que revela alguns dos capítulos mais sombrios da Igreja Católica no país. A alta mortalidade reflete as condições de vida brutais nessas instituições. As crianças eram filhas de milhares de mulheres, incluindo vítimas de estupro e incesto, que foram levadas a esses chamados lares para dar à luz. Calcula-se que 56 mil mulheres passaram pelos lares.
Parte das crianças era oferecida para adoção, na Irlanda e no exterior. As sobreviventes ficavam até a maioridade, e não sabiam quem eram suas mães.
Parentes das mulheres afirmaram que os bebês eram maltratados porque nasceram de mães solteiras que, como seus filhos, eram vistas como uma mancha na imagem da Irlanda como uma devota nação católica. As investigações mostraram também que as crianças sofriam com desnutrição, doenças e miséria. Muitas não sobreviviam, e seus corpos eram colocados em valas comuns, sem indicações sobre sua identidade.
Em apenas uma das instituições, em Bessborough, no condado de Cork, a taxa de mortalidade de menores de 1 ano foi de 75% in 1943. A tragédia dos lares foi lembrada no filme "Philomena", de Stephen Frears, lançado em 2013. Ele conta a história real de uma mulher que busca o filho arrancado dos seus braços em uma das instituições.
O inquérito foi aberto seis anos atrás, depois que evidências de um cemitério não identificado na cidade de Tuam foram descobertas pela historiadora local Catherine Corless, que disse ter sido assombrada por memórias de infância de crianças magras do lar local. Um relatório de 2017 indicou que os restos mortais de 802 crianças, de recém-nascidos a bebês de 3 anos, foram enterrados entre 1925 e 1961 nesse orfanato, que ficou conhecido como "casa de Tuam".
O primeiro-ministro irlandês, Micheal Martin, fará um pedido formal de desculpas às famílias das vítimas afetadas pelas antigas instituições católicas. Em um comunicado, o premier informou que haverá uma indenização, e leis serão aprovadas para fazer a busca, exumação e, quando possível, a identificação de restos mortais.
"O relatório deixa claro que, por décadas, a Irlanda teve uma cultura sufocante, opressora e brutalmente misógina, em que uma estigmatização generalizada de mães solteiras e seus filhos roubou desses indivíduos sua dignidade e às vezes seu futuro", disse o ministro da Criança, Roderic O'Gorman, em nota.
A associação de sobreviventes da rede de orfanatos descreveu o relatório como "muito chocante", ma disse que ele omitiu o papel do Estado na administração dos lares. "O que ocorreu foi um dos aspectos de um Estado recém-formado que era profundamente antimulheres em suas leis e cultura", disse o grupo em comunicado.
A reputação da Igreja Católica na Irlanda foi destruída por uma série de escândalos envolvendo padres pedófilos, abusos em asilos, adoções forçadas de bebês e outras questões dolorosas. Em 2018, o Papa Francisco pediu perdão pelos crimes cometidos pela Igreja no país. A declaração foi feita durante a primeira visita de um Pontífice à Irlanda em quase quatro décadas. Fonte: https://oglobo.globo.com