Ensaio da bateria da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, no Rio de Janeiro - Tércio Teixeira/Folhapress

 

Fiéis e pastores colocam o bloco de Deus na rua, mas estratégia divide opiniões entre as denominações

 

Anna Virginia Balloussier

SÃO PAULO

Mal se avizinhava o Carnaval e soava o alarme dentro das igrejas evangélicas: corram para as montanhas! Bom, não precisava ser literalmente montanhas, mas a praxe entre fiéis era procurar retiros cristãos para se blindar do clima de profanação desvairada que eles acreditavam tomar conta das ruas.

Mas espera aí, não foi Jesus Cristo quem disse "ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura"? Qual o sentido em bater em retirada justamente na semana mais convidativa ao pecado da carne e outros tantos?

Nenhum, concluíram em 2006 membros de uma igreja então novata no neopentecostalismo brasileiro. Criada menos de uma década antes, já famosa por usar pranchas de surf como púlpito, a Bola de Neve lançou naquele ano sua bateria, a Batucada Abençoada, lembra o pastor Eric Vianna, 48.

"O que era a igreja antes? Ela se reunia em acampamentos cristãos durante o Carnaval. Mas a retirada da igreja entregava a cidade para toda sorte de malignidades que acontece durante o período", disse em depoimento. "Jesus nos diz que somos a luz do mundo, e não existe melhor momento de brilhar a luz do que nas trevas de Carnaval."

O fuzuê momesco, afirma o pastor à Folha, é impulsionado por "muitas pessoas que vivem suas vidas como se não houvesse amanhã e extrapolam seus limites como se fosse o último dia de suas vidas". Aí já viu: disparam os índices de acidente de carro, criminalidade, gravidez indesejada e problemas de saúde.

"A intenção da Batucada Abençoada é mostrar que existe uma opção para isso", diz o pastor. "Mostrar que é possível se divertir e se alegrar sem a necessidade de aditivos como bebidas alcoólicas ou drogas, e sem as consequências que perduram até mesmo pelo resto da vida."

Bola de Neve ainda é exceção. A maioria das igrejas vê com maus olhos a incorporação de elementos seculares, externos à religiosidade evangélica, ainda que na melhor das intenções —essa seria usar as armas do inimigo contra ele e expandir ainda mais a evangelização, como propõe o pastor Eric.

Um artigo do pastor e conferencista Renato Vargens no Pleno News, portal conservador acompanhado por crentes, resume bem esse repúdio à ideia de meter Deus no meio da festa pagã.

"Com o intuito de pregar o Evangelho no Carnaval, evangélicos de denominações diferentes criaram blocos e até mesmo escolas de samba cujo objetivo final é pregar aos foliões. Segundo os sambistas de Jesus, essa é uma maneira de evangelizar os perdidos que se encontram absortos em iniquidade e que precisam desesperadamente de Cristo."

Ledo engano, diz Vargens. "O que me preocupa efetivamente não é o desejo de evangelizar, tampouco a vontade de pregar as Boas Novas da Salvação Eterna aos que se perdem, e sim a forma escolhida para o desenvolvimento dessa missão."

Por mais nobre que seja o motivo, adotar símbolos carnavalescas "abre portas ao mundanismo, paganismo e à ausência de santidade", e isso não é bom, argumenta. "A Igreja foi chamada para pregar Cristo e o arrependimento de pecados e não um tipo de evangelho palatável, cujo foco principal é a satisfação humana." Fonte: https://www1.folha.uol.com.br