Durante a celebração, o padre Luciano Gomes chamou ao altar parentes da vereadora e do motorista Anderson Gomes, ativistas e parlamentares do PSOL e do PT
Por Jéssica Marques — Rio de Janeiro
Sentados nas duas primeiras fileiras da paróquia, à esquerda do altar da Igreja Nossa Senhora do Parto, no Centro do Rio, políticos do PT e PSOL, ativistas e familiares da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes — ambos assassinados em 14 de março de 2018— prestaram homenagens e pediram por justiça.
Na primeira fileira, a filha de Marielle, Luyara, e os pais, Marinete da Silva e Antônio Francisco da Silva Neto, acompanharam a celebração ao lado da viúva, vereadora Monica Benicio (PSOL). A família da vereadora estava próxima à de Anderson. A viúva do motorista, Agatha Arnaus, também acompanhou emocionada a celebração, vestindo uma camiseta que pedia justiça em nome do marido.
Ex-assessora de gabinete da parlamentar e agora deputada federal, Renata Souza, também compareceu e sentou-se um pouco mais afastada, à direita da igreja lotada de apoiadores, ao lado da vereadora Luciana Boiteux, ambas do PSOL.
A celebração da missa, na manhã desta terça-feira, foi mais um dos itinerários marcado pelo dia em memória da vereadora e começou logo após a inauguração do monumento "corte seco — Marielle", doado pelo artista Paulo Nazareth — onde a mãe, Marinete Silva, o pai, Antonio Francisco, e a ex-companheira a vereadora Mônica Benício, estavam presentes.
Luciano Borges, padre e defensor de políticas antirracistas, foi quem ficou a cargo de mediar a cerimônia. O sacerdote é amigo próximo da família de Marielle e responsável por celebrar todas as homilias sobre a parlamentar nesses cinco anos, desde que foi assassinada.
Enquanto discursava e dava procedimento a cerimônia eucarística, padre Julio direcionou sua fala a filha de Marielle, Luyara Santos, que emocionada fechou os olhos e orou. Atrás dela, estava a viúva de Anderson, Ágatha Arnaus, que também participou do momento. Para o sacerdote, a vereadora foi uma "mulher preta, pobre e periférica que se tornou símbolo dos direitos humanos, bandeira que tanto carregou durante seu mandato".
— Quanto mais humanos somos, mais divinos nos tornamos. Matou-se o corpo, mataram alguém muito especial. Mas seu legado será lembrando. Alguém que lutou pelo povo periférico. Pedido de justiça e não é pedido de vingança. A vingança não nos traz paz. A justiça traz leveza para a alma. Estamos de mãos dadas — disse o padre para o público presente.
Parlamentares no altar e pedido à Oxalá
Borges também rezou pelos parlamentares que foram prestigiar as homenagens a Marielle e Anderson. Em um momento solene, chamou ao altar os vereadores Edson Gomes (PT), Monica Cunha (PSOL), Monica Benício (PSOL), Luciana Boiteux (PSOL) e as deputadas Marina do MST (PT), Renata Souza (PSOL) e os ex-deputados Waldeck Carneiro e Mônica Francisco.
Ovacionado, aceitou as palmas e seguiu com as comemorações em memórias da parlamentar com o público ecoando ao fundo da igreja: "Marielle presente!".
— Saúdo a vocês (vereadores e deputadas) com um compromisso sério com a vida das pessoas. Compromisso com a periferia da cidade do Rio de Janeiro, com aqueles que estão, muitas vezes, colocados às margens da sociedade. Queremos justiça. Vingança, jamais — pontuou Borges.
Entre os presentes, estavam em sua maioria mulheres, jovens e ativistas dos direitos humanos, a diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck, além de amigos e familiares das vítimas. O grito é, ao mesmo tempo, uma homenagem à recordação de quem dedicou boa parte da vida na luta contra as desigualdades.
Luciano Gomes não poupou elogios ao governo atual. Durante a missa, acenou à antiga colega de classe, irmã da Marielle e agora Ministra de Igualdade, Anielle Franco, que não esteve presente na cerimônia. Na ocasião, o padre em um ato inusitado, declarou sua preferência política ao presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), Marcelo Freixo (PT-RJ), de quem é próximo. Freixo não compareceu à missa deste ano.
— Eu apoie o Freixo como candidato ao governo do Rio nas eleições passados e vou continuar apoiando nas eleições futuras. Ele é uma pessoa que eu admiro e acredito do trabalho que ele faz. A Marielle, de certo modo, vem do legado dele. Eu e a Arielle tivemos o Freixo como professor na Organização Social e Política do Brasil (OSPB). Então, nós queremos lembrar com alegria deste grande homem que será nosso governador do Estado do Rio de Janeiro, se Deus quiser — afirmou o padre.
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O sincretismo religioso entre o catolicismo e o candomblé também esteve presente na celebração. Emocionado, o padre fez questão de direcionar uma oração aos familiares da vereadora onde afirmou que "Oxalá, pede que em todos os momentos da vida sejamos orientados para o amor"
— Não à guerra e não à fome. Oxalá que sempre em tudo tenhamos a mão dele sobre nós. Uma socióloga (referindo-se à Marielle) buscou colocar em prática aquilo que aprendeu nos livros que levou para a sua comunidade, a Maré, o Rio de Janeiro e depois para o mundo.
A vereadora e viúva de Marielle, Monica Benício, também discursou. Ela afirmou que a falta de respostas sobre o mandante e a motivação do crime impede que as famílias e amigos vivam o luto em paz.
— Tem momentos políticos, que o estado nos obriga pelos cinco anos sem resposta sobre quem mandou matar Marielle. E momentos como esse, que o nosso luto deveria permitir, que é rememorar a saudade, mas não de um lugar violento, e sim de um lugar de vibrar muito amor e paz para Marielle e para o Anderson. Mas infelizmente, o estado brasileiro ao não responder, faz com que a gente precise não só revisitar as saudades, mas também revisitar a violência para seguir cobrando justiça para que nunca mais aconteça nada parecido — disse a parlamentar. Fonte: https://oglobo.globo.com