Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Todo silêncio contém um segredo oculto: indescritível e inafavel a partir da razão humana. Ao contrário do mutismo, que não passa de um pseudosilêncio (encerrado em si mesmo e fechado ao diálogo com o outro, desértico, árido e estéril, às vezes destilando veneno, um “gueto impenetrável” que representa a recusa de toda e qualquer comunicação) – o verdadeiro silêncio contém o mistério da Palavra. Calam-se todas as palavras (no plural, com minúscula), para que possa falar a Palavra (no singular, com maiúscula). Jesus Cristo, o “Verbo que se fez carne e armou sua tenda entre nós” é a Revelação de Deus, em seu infinito amor e misericórdia.
Disso resulta que sua mensagem – em gestos ou palavras que, de tão concretas, visíveis e palpáveis, mais parecem gestos – nasça, cresça, se desenvolva e ganhe autoridade no terreno fecundo do silêncio. Somente este silêncio de escuta e contemplação, sempre atento, reverente e respeitoso diante dos desígnios do Pai, poderá engendrar a Palavra viva, livre, libertadora e criativa. A Palavra que renova e anima, conforta e confere novo vigor ao exausto caminheiro. Na visão do teólogo italiano Bruno Forte, por exemplo, enquanto Jesus é a “Palavra Encarnada” e o Espírito Santo o “Encontro”, o Pai continua sendo o “Silêncio”, indefinível e insondável ao conhecimento científico.
E de fato, o silêncio na vida de Jesus nos impressiona e comove. O profeta de Nazaré proclama a Boa Notícia do Evangelho somente em idade já relativamente adulta, após 30 anos de silenciosa meditação. Mas antes disso, retira-se por 40 dias e 40 noites ao silêncio ermo mas habitado do deserto, onde deverá ser tentado pelo demônio. Criação literária ou não, a simbologia dos 40 dias e 40 noites reflete o poder místico e espiritual do “estar a sós consigo mesmo e com Deus”.
Em seguida, durante seu ministério público itinerante, por diversas vezes Jesus dribla a multidão e os próprios discípulos para retirar-se à montanha, novamente ao deserto ou a um lugar à parte, numa prática permanente de escuta e oração. Impressiona igualmente o silêncio de toda a família de Nazaré, onde Maria, como sublinha o evangelista Lucas por duas vezes “conservava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2, 19.51). José, por sua vez, embora sempre pronto a ouvir os anjos de Deus e por-se em marcha para defender a família, jamais profere uma palavra.
Entre tantos momentos de silêncio, são emblemáticos o momento de oração no Horto das Oliveiras (ou Getsêmani), antes de ser preso e conduzido aos tribunais, como também a atitude de “escrever no chão com o dedo”, no episódio da mulher surpreendida em adultério (Jo 8, 1-11). Neste último caso, Jesus se interpõe entre os fariseus e doutores da lei (juízes) e a acusada (réu). O silêncio de Jesus, que se limita a “escreve no chão” revela-se um verdadeiro espelho para a consciência de todos os presentes. Espelho ainda mais evidente diante das palavras gestadas por esse silêncio: “Quem de vocês não tiver pecado, atire nela a primeira pedra”. Enquanto Jesus “continua a escrever no chão”, os ouvintes “foram se retirando um a um, a começar pelos mais velhos”.
Silêncio que, além de interpelar a consciência dos próprios doutores da lei e fariseus, inverte os papéis desse, digamos, tribunal improvisado. Se, de um lado, os acusadores (juízes) se convertem em réus, de outro, a acusada (réu) torna-se uma espécie de juíza, mesmo sem proferir qualquer palavra. O silêncio possui este segredo: transmite sentimentos e emoções que as palavras são incapazes de expressar. Outras vezes converte-se em lágrimas, olhares, sorrisos, abraços, gestos, toques... Todos mais eloquentes que qualquer palavra! O final da história é expressivamente comovente: “Eu também não te condeno; podes ir, e nã peques mais”, conclui o Mestre. Palavras de carne e osso, diríamos! Jesus não legitima o pecado, não lhe é cúmplice... Mas acolhe e absolve a pecadora arependida.