Frei Carlos Mesters, O.Carm.

 

Este novo modo de conviver surge numa sociedade, que pensava exatamente o contrário. Por isso, a inicia­tiva de Jesus provoca reações fortes: pró e contra. Pró, por parte do povo que gostava de ouvir Jesus, pois ele lhe anunciava uma Boa Notícia. Contra, por parte das autoridades religiosas que perguntavam a Jesus: “Com que autoridade você faz estas coisas?” (Mc 11,28; Jo 2,18). Na pergunta transparece uma concepção de autoridade que pensava ser o dono da situação, ao qual os outros deveriam pedir licença. Pela sua maneira de exercer o poder, as autoridades religiosas da época controlavam a vida do povo e bloqueavam a entrada do Reino (Mt 23,13). Elas impunham uma infinidade de normas e leis (Mt 11,28), que impediam ao povo de perceber a chegada do Reino (Mc 1,15) e de saborear a sua presença no meio dele (Lc 17,20-21).

Jesus reconhece a autoridade dos escribas e fariseus, mas denuncia a falta de coerência: “Fa­zei o que dizem, mas não o que eles fazem” (Mt 23,2). Quando a autoridade perde de vista o obje­tivo para o qual foi dada e se torna finalidade em si mesma, ela se perde, torna-se opressora e desumaniza a vida. “Quando o senhor tiver a diocese bem disciplinada, o que vai fazer com ela?”, dizia o leigo ao bispo.

Jesus não teve medo de criticar o abuso da autoridade. Por isso, foi perseguido. Mas diante das ameaças tanto dos judeus como dos romanos, ele não se intimidava. Mantinha uma atitude de grande liberdade (Lc 13,32;23,9; Jo 19,11;18, 23). Eis algumas críticas de Jesus às autoridades:

* Desautorizou o ensino dos escribas sobre a vinda de Elias (Mc 9,11-13) e sobre a descendência davídica do messias (Mc 12,35-37). Tornou desnecessária a legislação existente sobre a pureza legal, defendida sobretudo pelos fariseus, e anunciava uma nova maneira de se conseguir a pureza (Mc 7,1-23). Alargou as fronteiras do povo de Deus, pois na sua comunidade acolhia publicanos, pecadores, leprosos, possessos, doentes e prostitutas.

* Criticou a inversão da observância do sábado, e colocou-o, novamente, a serviço da vida (Mc 2,27). Chegou a sugerir que proibir a cura de uma pessoa em dia de sábado era o mesmo que matar uma pessoa (Mc 3,4). Criticou e relativizou o Templo, expulsando os vendedores (Mc 11,15-19) e dizendo que Deus podia ser adorado em qualquer lugar (Jo 4,20-24).

* Não teve medo de denunciar a hipocrisia de alguns líderes religiosos: sacerdotes, escribas e fariseus (Mt 23,1-36; Lc 11,37-52; 12,1; Mc 11,15-18). Criticou a ganância deles e a vontade que tinham de aparecer em público e de ocupar os primeiros lugares (Mc 12,38-40). Condenou a pretensão dos ricos (Lc 6,24; 12,13-21; Mt 6,24; Mc 10,25). Não acreditava muito na sua conversão (Lc 16,29-31), embora admitisse que fosse possível pelo poder de Deus (Mt 19,26).

Jesus não só criticou com palavras a maneira como as autoridades exerciam o poder e promoviam a vida comunitária. A própria comunidade que nascia ao seu redor era uma uma denúncia viva, uma alternativa profética sob vários aspectos:

  1. As pessoas que compunham a comunidade eram de vários níveis: publicanos, pescadores, agricultores, artesãos, zelotes. A religião oficial, a cultura, a situação econômica e política causavam conflitos entre estes grupos sociais. Jesus os chama para formar uma comunidade. Este era o grande desafio! Era o mesmo que remar contra a corrente ou andar na contra-mão, tanto da sociedade como da religião! É até hoje o grande desafio dos cristãos! A comunidade deve ser um sinal do Reino, onde é possível unir os contrários em fraternidade sob condição de ambos fazerem a conversão em direção a Deus. É a autoridade de Jesus que consegue esta mudança, não como imposição, mas como compromisso livremente aceito.
  2. Os valores que orientavam a comunidade de Jesus eram o contrário dos valores que orientavam a religião oficial do Templo e a política tanto de Herodes como do Império romano. Na comunidade de Jesus, a posse dos bens era comunitária; eles viviam da partilha, exerciam o poder como serviço, e não se importavam com aquelas normas de pureza que eram contrárias à vida. O povo se reconhecia neles. Assim, dentro da prática de Jesus estava uma semente subversiva, capaz de, a longo prazo, desestabilizar e derrubar os valores ou contra-valores que sustentavam o sistema, mantido pela política do governo de Herodes, e, assim, provar que um outro mundo é possível. Geravam esperança.
  3. O comportamento era de revisão permanente. Não é pelo fato de uma pessoa andar com Jesus e de viver na comunidade que ela já é santa e renovada. No meio dos discípulos, cada vez de novo, a mentalidade antiga levantava a cabeça, pois o “fermento de Herodes e dos fariseus” (Mc 8,15), isto é, a ideologia dominante, tinha raízes profundas na vida daquele povo. Jesus faz todo o possível, para que a pequena comunidade que nasce ao seu redor não se contamine com a concepção da autoridade que caracterizava tanto a religião da época como o Império romano. A conversão que ele pede vai longe e fundo. Ele quer atingir a raíz e erradicar o “fermento”. Eis alguns casos desta maneira fraterna de Jesus exercer a autoridade para corrigir os discípulos.

 

Mentalidade de grupo fechado. 

            Certo dia, alguém que não era da comunidade, usava o nome de Jesus para expulsar os demônios. João viu e proibiu: “Impedimos, porque ele não anda conosco” (Mc 9,38). Em nome da comunidade João impediu uma ação boa! Ele pensava ser dono de Jesus e usou a sua autoridade para proibir que outros usassem o nome dele para realizar o bem. Queria uma comunidade fechada sobre si mesma. Era a mentalidade antiga de "Povo eleito, Povo separado!". Jesus responde: "Não impeçam!... Quem não é contra é a favor!"(Lc 9,39-40). Para Jesus, o que importa não é se a pessoa faz ou não faz parte da comunidade, mas sim se ela faz ou não o bem que a comunidade deve realizar.

 

Mentalidade de grupo que se considera superior aos outros. 

            Certa vez, os samaritanos não queriam dar hospedagem a Jesus. Reação dos discípulos: “Que um fogo do céu acabe com esse povo!”(Lc 9,54). Achavam que, pelo fato de estarem com Jesus, todos deviam acolhê-los. Pensavam ter Deus do seu lado para defendê-los. Era a men­talidade antiga de “Povo eleito, Povo privile­giado!”. Jesus os repreende: "Vocês não sabem de que espírito estão sendo animados"(Lc 9,55)

 

Mentalidade de competição e de prestígio. 

            Os discípulos brigavam entre si pelo primeiro lu­gar(Mc 9,33-34). Era a mentalidade de classe e de competição, que caracterizava a sociedade do Império Romano. Ela já se infil­trava na pequena comunidade que estava apenas começando! Jesus reage e manda ter a menta­lidade contrária : "O primeiro seja o último"(Mc 9, 35). É o ponto em que ele mais insistiu e em que mais deu o próprio testemunho: “Não vim para ser servido, mas para servir”(Mc 10,45; Mt 20,28; Jo 13,1-16).

 

Mentalidade de quem marginaliza o pequeno. 

            Os discípulos afastavam as crianças. Era a mentalidade da cultura da época em que criança não contava e devia ser disciplinada pelos adultos. Jesus os repreende:”Deixem vir a mim as crianças!”(Mc 10,14). Ele coloca criança como professora de adulto: “Quem não re­ceber o Reino como uma criança, não pode entrar nele”(Lc 18,17).

 

Mentalidade de quem segue a opinião da ideologia dominante.  

            Certo dia, vendo um cego, os discípulos perguntaram: "Quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?"(Jo 9,2). Como hoje, o poder da opinião pública era muito forte. Fazia todo mundo pensar de acordo com a ideologia dominante. Enquanto se pensa assim não é possível perceber todo o alcance da Boa Nova do Reino. Jesus os ajuda a ter uma visão mais crítica: “Nem ele, nem os pais dele”(Jo 9,3). A resposta de Jesus supõe uma leitura dife­rente da realidade.

            Como no tempo de Jesus, também hoje, através de muitos canais, a mentalidade antiga renasce e reaparece na vida das nossas comunidades. Jesus ajudava os discípulos a mudar de vida e de visão e a continuar na conversão, na formação permanente. Como reagimos e usamos a autoridade para impedir que a mentalidade ateia e secularizada do atual sistema neo-liberal contamine a nossa maneira de conviver?