'Doidões por Jesus', nos anos 70, tinha modo de vida simples e comunitário

 

Juliano Spyer

Antropólogo, pesquisador do Cecons/UFRJ, autor de Povo de Deus (Geração 2020) e criador do Observatório Evangélico.

Joel Courtney, Anna Grace Barlow, Kimberly Williams-Paisley, Jonathan Roumie DeeVon Franklin antes da estreia de 'Jesus Revolution', em Hollywood - Emma McIntyre - 15.fev.23/Getty Images via AFP

 

O filme "Jesus Revolution" está chamando a atenção de produtores de Hollywood pelo sucesso nas bilheterias. O título da obra é o mesmo de um artigo de capa da revista Time de 1971 sobre o movimento dos "Jesus Freaks" (doidões por Jesus, em tradução livre), que emergiu durante a contracultura, no mesmo ambiente de combate ao moralismo, ao consumismo e às guerras.

Os Jesus Freaks eram cristãos fervorosos que adotaram um modo de vida simples e comunitário, em contraste com o estilo austero do cristianismo tradicional. "O amor deles parece mais sincero do que um slogan, mais profundo do que os sentimentos passageiros dos outros [hippies]; o que surpreende as pessoas de fora é o extraordinário senso de alegria que eles conseguem transmitir", escreveu, na época, a Time.

O filme retrata a história verídica do pastor de uma igreja pequena e decadente que se encanta com a mensagem de acolhimento dos Jesus Freaks e vê a oportunidade de levar a mensagem bíblica para a juventude da geração "paz e amor".

"Jesus Revolution" recebeu críticas positivas, inclusive fora da mídia evangélica.

A revista Variety descreveu o filme como "um dos melhores exemplos de entretenimento baseado na fé que a tela grande viu em um bom tempo, apresentando um equilíbrio convincente sem se tornar excessivamente moralista". O boca a boca ajudou a mantê-lo entre os dez filmes mais assistidos por cinco semanas nos EUA.

No entanto, especialistas criticaram o filme por ele não abordar a complexidade do fenômeno. Por exemplo, Lonnie Frisbee, um missionário e figura importante no movimento, converteu-se lendo os Evangelhos durante uma experiência induzida por LSD e teve relacionamentos extraconjugais com homens e com mulheres. Greg Laurie, autor do livro que inspirou o roteiro e líder dos Jesus Freaks, é hoje um pastor conservador que apoia abertamente Donald Trump.

É difícil prever como a audiência brasileira acolherá esse filme. Um terço da população aqui se identifica como evangélica e mais de 80% são cristãos. E a história leve e alegre, que fala mais de comunhão do que de dogmas, também agradaria os que não se consideram religiosos mas incluem faixas gospel em suas playlists.

Mas o filme celebra o inconformismo e o espírito efervescente de um período associado à experimentação de costumes. E aqueles que se interessam pela contracultura talvez rejeitem a ideia de assistir a uma produção classificada como cristã. No Brasil, fora das universidades, o lugar em que esses dois mundos se encontraram é na Bola de Neve Church e na cantora Baby do Brasil. E esse perfil representa apenas uma fração do nosso campo evangélico. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br