Peço vênia ao padroeiro São Sebastião, coitado, cariocamente amarrado pelas cordas da violência urbana no tronco Largo do Russel. Hoje é preciso radicalizar a fé e chamar aquele que. para ajudar o próximo. sentou praça na cavalaria dos santos
Espadas de São Jorge — Foto: Internet
Por Joaquim Ferreira dos Santos
Toda noite de lua cheia eu te vejo aqui de baixo, golpeando o dragão da maldade, e eis que hoje, meu santo guerreiro da Capadócia, às vésperas do teu dia municipal, aproveito este gancho, a necessidade pagã de escrever a crônica de jornal, para agradecer o feriadão e principalmente o empréstimo, sempre generoso, das lanças para que teus fiéis enfrentem os dragões do cotidiano. O bicho tá solto e solta fogo, estresse e boleto pelas ventas.
Eu ando vestido com as armas, com as roupas vermelhas e com todas as canções já compostas sobre São Jorge em sua lua deslumbrante, de um azul verdejante, cauda de pavão. Desde o início ele estava desenhado na fachada da casa na infância suburbana, num azulejo que funcionava como alarme Verisure vintage, como câmera Gabriel pré-moderna, na segurança máxima contra todo tipo de ladrão.
Peço vênia ao padroeiro São Sebastião, coitado, sempre tão cariocamente flechado, amarrado pelas cordas da violência urbana e para sempre inerte em seu tronco de dor no Largo do Russel. Hoje é preciso radicalizar a fé e discar o 190 do socorro celestial, chamar aquele que, para ajudar o próximo, sentou praça na cavalaria dos santos.
É urgente acionar Jorge, o mártir cristão que não quer saber de calçar as sandálias da humildade de São Francisco de Assis, mas as botas de guerra. Que ele venha montado em seu cavalo branco cumprir a oração, a promessa de que as armas de fogo, e também as bicicletas nas calçadas, muito menos as balas perdidas, aos corpos de seus crentes não alcançarão.
Viver no Rio de Janeiro é matar um dragão de maldade a cada dia e por isso é preciso saudar a quem sabe da dureza do ofício, quem estende o escudo protetor e inspira na missão diuturna de correr atrás.
Salve ‘seu’ Jorge, salve Benjor, Jorge Mautner e também Aragão, salve os que estão felizes na companhia deste que, todo 23 de abril, desce da “lua bonita” da toada triste de Zé do Norte, da “lua soberana” da balada dançante do Caetano, e sai em procissão pela cidade que tanto pede por ele. O cortejo parte da igreja do Campo de Santana, passa pela matriz de Quintino, veste-se de Ogum para o batuque na feijoada do Império Serrano em Madureira – e eu sugeriria ao prefeito que esse percurso sagrado, uma versão tropical do Caminho de Santiago, fosse cercado por sublimes touceiras de Espadas de São Jorge.
O Rio de Janeiro tem árvores fundamentais que explicam a carioquice – a sumaúma do Tom Jobim no Jardim Botânico, o tamarindeiro do Zeca Pagodinho no Cacique de Ramos – e a todas elas, mais a Palma Mater do Dom João, deve-se a sombra divina para erigir tamanho sonho de civilização.
Dentro de casa, porém, de preferência logo na porta da entrada, é a Espada de São Jorge, principalmente a de borda amarela, que serve de amuleto contra energias negativas, o mau olhado da vizinha faladeira e a inveja da visita fuxiqueira. Ela reforça a esperança do morador e embeleza a crença de que, mesmo tendo mãos, os inimigos não o pegarão. Esta crônica pagã, um abraço em todos que são desta cavalaria de fé, foi escrita aos pés de uma delas, uma Espada de São Jorge com bordas amarelíssimas. Fonte: https://oglobo.globo.com