O tempo da caça às bruxas terminou. Porém, sempre foi verdadeira a lei do pêndulo. Ao deixar a caça às bruxas, chega outro mal chamado “globalização da indiferença”. Esta, é tão desastrosa como o outro extremo do pêndulo. O Papa Francisco despontou como um profeta para ajudar a humanidade a despertar critérios de solidariedade e resgatar a dignidade das pessoas e dos povos. Precisamos reaprender a chorar, a recuperar o anonimato e cultivar a corresponsabilidade pela vida um do outro.
Em sua visita a Lampedusa, Francisco conta-nos o enredo de uma comédia da literatura Espanhola de Lopes de Vega. Os habitantes da cidade de Fonte Ovejuna mataram o Governador, porque era um crucificador e tirano. O crime foi tramado de tal modo que ninguém ficaria sabendo quem o mataria. Quando o Juiz do Rei perguntou: “Quem matou o governador?”, todos responderam: “Fonte Ovejuna, Senhor Juiz!” Na verdade todos e ninguém!
Hoje, o mundo virou um campo de cruzes e crucificados de todos os jeitos, de todos os modos. Quem os crucifica? Todos e ninguém! O desfile trágico dos crucificados de hoje já começa nos seres humanos sem defesa que são expulsos da vida antes de nascer. Há cruzes que são impostas às crianças forçadas a tecerem a vida pela amargura da revolta, porque chegam ao mundo rejeitadas. Outras tantas são jogadas de um lado a outro, sofrendo a orfandade de pais vivos. Num mundo que tanto exalta o progresso, ainda são demais as crianças crucificadas pela fome, pela ausência de qualquer oportunidade de estudo e cuidado de saúde.
E as vítimas adolescentes e jovens, crucificados pelas drogas, até onde conseguem suportar o peso da cruz? Tantos, por não conseguirem mais carregá-la sozinhos terminam crucificando os pais, os avós e ameaçando a sociedade. O desfile dos crucificados, ao invés de diminuir, parece aumentar em tantas tragédias familiares que assombram a sociedade e são incrementadas pelo sensacionalismo dos meios de comunicação.
O tráfico de pessoas configura em nossos dias uma grande chaga social, que desumaniza e crucifica milhões de pessoas em todo o planeta. Esta prática abominável se aproveita da vulnerabilidade econômica e social. São aliciadas com promessas ilusórias, levando à exploração do trabalho, a exploração sexual e a extração de órgãos. No mundo do tráfico o que mais envergonha é o tráfico de crianças e adolescentes crucificados por traições de promessas fáceis que terminam com a morte de suas esperanças.
Infelizmente, faz parte do lucro e do poder desalmado, silenciar os crucificados para fazer ouvir os gritos de vitória dos crucificadores. Assim aconteceu para o Crucificado Jesus de Nazaré e com os crucificadores de Jerusalém. Diante de tantas cruzes impostas por crucificadores frios e insensíveis, continuamos ouvindo o convite de Cristo a assumirmos a cruz proposta do serviço à vida : “Quem quiser ser meu discípulo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8,34). Esta cruz é vitoriosa.