Esta é uma antiga reivindicação, tanto na América Latina como em outras partes do mundo. Especialmente ali onde religiosidade popular e crime organizado se cruzam tecendo um perverso sincretismo. Uma exigência natural, naqueles lugares onde os narcotraficantes se encomendam a Nossa Senhora e aos santos. Agora, um grupo do Vaticano vai estudar as implicações, “em nível internacional” e “segundo a doutrina jurídica da Igreja”, da aplicação da excomunhão aos corruptos, mafiosos e expoentes do crime organizado. A reportagem é de Andrés Beltramo Álvarez, publicada por Vatican Insider, 17-06-2017. A tradução é de André Langer.
Esta é a conclusão mais relevante do primeiro Debate Internacional sobre a Corrupção, que aconteceu no dia 15 de junho na Casina Pio IV, um prédio histórico situado no centro dos Jardins Vaticanos. Um encontro convocado pela Pontifícia Academia para as Ciências Sociais e pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral.
Segundo confidenciaram alguns participantes ao Vatican Insider, a reunião contou com poucos participantes considerando a importância do tema. Reuniu apenas cerca de 50 pessoas entre magistrados anti-máfia e anti-corrupção, bispos, personalidades de instituições vaticanas, líderes de movimentos, vítimas, jornalistas, estudiosos, intelectuais e embaixadores. Cada participante pôde tomar a palavra durante três a cinco minutos.
As discussões aconteceram a portas fechadas. Esperava-se que, no final do dia, fosse emitido um importante comunicado. Finalmente, dois dias depois, a Sala de Imprensa vaticana divulgou um breve boletim com pouco conteúdo. Não obstante, incluiu algumas significativas novidades. Por um lado, fez referência, ainda que de maneira genérica, à formação de um “grupo de trabalho” que dará prosseguimento a iniciativas na luta contra a corrupção.
“O grupo está avançando na elaboração de um texto compartilhado que irá nortear os trabalhos sucessivos e as futuras iniciativas”, precisou. E depois, estabeleceu que o grupo abordará “a necessidade de aprofundar a questão relativa à excomunhão por corrupção e associação mafiosa”.
Ponto. Não foram dadas maiores informações. Assim, fica evidente que a iniciativa, por enquanto, encontra-se em estado embrionário e não se pode afirmar que, no final, seja colocada em prática. Mas este é um primeiro passo.
Embora o crime organizado seja um pecado grave, as normativas da Igreja não contemplam – até agora – que quem incorrer nele seja excomungado, a pior punição que pode ser aplicada a um católico. Segundo o Código de Direito Canônico, a excomunhão é uma “pena medicinal” que implica praticamente a expulsão da vida da Igreja de uma pessoa, que é suspensa de todos os seus direitos na comunidade católica.
Contudo, não se trata de uma “pena de morte da alma”, já que o excomungado pode pedir (e até exigir) ser readmitido na Igreja, caso se comprometa formal e publicamente a abandonar o estado de coisas que o levou a ser punido. Segundo a tradição eclesiástica, a excomunhão é aplicada aos atos considerados gravíssimos, como o aborto (que, para a Igreja, é o assassinato de um inocente indefeso) ou a ordenação de um bispo sem a autorização expressa do Papa.
Existem dois tipos de excomunhão. Uma é automática (latae sententiae) e nela incorre um fiel no momento mesmo em que comete o ato em questão. A outra se aplica após um processo formal (ferendae sententiae). A segunda requer uma declaração pública por parte da autoridade eclesiástica, ao passo que a primeira não. Em ambos os casos, a absolvição pode ser concedida pelo Papa, pelo bispo do lugar ou por sacerdotes especialmente autorizados.
O cardeal africano Peter Turkson, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, foi um dos organizadores do debate sobre a corrupção. “Pensamos, neste encontro, em enfrentar um fenômeno que leva ao afastamento da dignidade da pessoa. Nós queremos afirmar que não se pode jamais negar ou obstruir esta dignidade. Por isso, queremos chamar a atenção para este ponto”, explicou.
O arcebispo Silvano Tomasi, secretário do dicastério, por sua vez, precisou que o objetivo do debate é sensibilizar a opinião pública, além de identificar passos concretos que possam ajudar a promulgação de leis contra a corrupção, um “cupim” que “acaba com as relações entre as pessoas e as instituições”.
“Portanto, o esforço que estamos fazendo é o de criar uma mentalidade, uma cultura da justiça que combata a corrupção para favorecer o bem comum”, disse. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br