"A vida consagrada começa a ser corrompida pela falta de pobreza". O Papa Francisco afirmou isso na Catedral de São Pedro, durante a visita a Bolonha, no encontro com sacerdotes, religiosos, seminaristas e diáconos locais. "Se uma congregação perde suas posses, eu digo ‘Obrigado Senhor’". A informação é de Domenico Agasso Jr., publicada por Vatican Insider, 01-10-2017.
Esteve presente também monsenhor Bettazzi, testemunha histórica do Concílio Vaticano II, bispo emérito de Ivrea, cidadão de Bolonha por parte materna; em Bolonha foi ordenado padre e agora voltou para viver ali seus últimos anos. Francisco e Bettazzi brincaram um pouco, por alguns instantes antes do discurso papal.
E o arcebispo de Bolonha, Monsenhor Matteo Maria Zuppi, acabou citando esse momento em sua saudação de abertura a Francisco. Começou o Papa: "É um consolo estar com aqueles que levam adiante o apostolado da Igreja; os religiosos procuram dar testemunho de antimundanidade".
Ao Pontífice foram postas duas perguntas: uma sobre a fraternidade entre os sacerdotes, a outra sobre a "psicologia de sobrevivência"; a ambas respondeu sem textos escritos, exceto algumas notas que consultou enquanto ele próprio falava. O Papa afirmou: "Às vezes, brincando entre religiosos diocesanos e não, os religiosos dizem: ‘Eu sou da ordem fundada pelo tal santo...’ mas, qual é o centro da espiritualidade do presbítero? – perguntou-se o Papa - A diocesaneidade". Ser presbíteros é "uma experiência de pertencimento, pertence-se a um corpo que é a diocesaneidade". Isso “significa que você" padre, religioso, "você não é um livre (líbero, em italiano)" não existem as figuras do "líbero", como no futebol. Em vez disso, "você é um homem que pertence a um corpo, que é a diocesaneidade, o corpo presbiteral". Tudo isso "nós o esquecemos muitas vezes, e nos transformamos em indivíduos, muito sozinhos, com o risco de nos tornarmos infecundos ou cheios de nervosismos, para não dizer neuróticos, quase como solteirões".
Um padre "sozinho não tem relação com o corpo de sacerdotes, é ruim," declarou com amargura. Por isso é importante "aumentar a sensação de diocesaneidade, que também tem uma dimensão de sinodalidade com o bispo". O corpo diocesano "tem uma força especial, deve sempre seguir em frente com a transparência, a virtude da transparência, a coragem de falar, de dizer tudo". E também com "a coragem da paciência, para suportar os outros. É necessário".
Sobre a coragem de falar claramente, e sobre a oposta conveniência de não se expor, contou: "Eu me lembro quando eu era um estudante de Filosofia, e um velho jesuíta bem esperto me disse: ‘Se você quiser sobreviver na vida religiosa, pensa com clareza, mas fala com obscuridade". Anedota que despertou um grande sorriso entre os presentes na Catedral.
Francisco observou como "é triste quando um pastor não tem como horizonte o povo de Deus, não sabe o que fazer"; e é "muito triste quando as igrejas permanecem fechadas, quando se vê um bilhete na porta: ‘Aberta de tal a tal hora’, no resto do tempo não tem ninguém, as confissões são restritas a algumas horas. Mas esse não é um escritório, é o lugar onde se entra para prestar honras ao Senhor, e se o fiel encontra a porta fechada, o que pode fazer?". Às vezes, "ele pensa nas igrejas nas ruas movimentadas, que ficam fechadas: alguns párocos fizeram a experiência de abri-las, sempre com um confessor disponível e o confessor nunca parava de confessar” tantas eram as pessoas que afluíam, porque "sempre a porta está aberta" e a luz do confessionário permanece sempre acesa.
Em seguida, o bispo de Roma falou dos "dois vícios que existem em todos os lugares". Um deles é "pensar o serviço presbiteral como uma carreira eclesiástica". Francisco referiu-se aos “alpinistas”: eles são uma "praga, não presbitério. Os "alpinistas", que sempre têm as unhas sujas, porque sempre querem subir mais. Um alpinista é capaz de criar um monte de discórdia dentro do corpo presbiteral: pensa só na carreira, "agora me dão esta paróquia, depois me darão uma maior", e se o bispo não lhe dá uma bastante importante, fica com raiva: ‘Cabe-me... ’ a você não cabe nada!", ele exclamou. Depois acrescentou: "Os alpinistas causam tanto mal, pois estão na comunidade, mas só pensam em seu próprio avanço".
O outro vício: "A fofoca: ‘Alguém disse, alguém viu’ e, pronto, a reputação do irmão padre acaba sendo sujada, sendo arruinada. ‘Graças a Deus eu não sou como aquele’, esse é o refrão da fofoca". O carreirismo e as fofocas são dois vícios do "clericalismo", afirmou Francisco. Em vez disso, um pastor é chamado ao "bom relacionamento com o povo de Deus, à frente ao qual dever estar para mostrar o caminho"; deve manter-se "no meio para ajudar" principalmente "nas obras de caridade; e atrás, para ver como tudo vai".
Acreditar "na ‘psicologia da sobrevivência’- continuou ele - significa esperar o carro fúnebre, que leva a nossa instituição” ao fechamento. Acreditar na psicologia da sobrevivência conduz "para o cemitério". Trata-se de "pessimismo, e isso não condiz com homens e mulheres de fé, não é atitude evangélica, mas de derrota". E, enquanto talvez "esperamos a carruagem, nós arranjamos como podemos, e arrecadamos algum dinheiro para garantir nossa segurança. Isso leva à falta de pobreza". A psicologia da sobrevivência é “buscar a segurança no dinheiro; às vezes se escuta, se ouve o seguinte raciocínio: ‘Em nosso instituto somos idosas e não existem vocações, mas temos bens suficientes para garantir nosso fim’, e esse é o caminho mais certo para nos levar até a morte". A segurança "na vida consagrada não é trazida pela abundância de dinheiro, mas vem de outra parte" de Deus. Algumas congregações "que diminuem, enquanto seus bens aumentam, com religiosos apegados ao dinheiro como segurança: essa é a psicologia de sobrevivência".
O problema "não reside tanto na castidade ou na obediência, mas na pobreza. A vida consagrada começa a ser corrompida pela falta de pobreza". Santo Inácio de Loyola, "chamava a pobreza de mãe e muro da vida religiosa: mãe que gera e muro que defende da mundanidade". Sem essa atitude orientada à pobreza e ao desinteresse, não é possível "apostar na esperança divina". O dinheiro "é a perdição da vida consagrada". Mas Deus é bom "porque quando uma congregação começa a ganhar dinheiro, ele envia um ecônomo que acaba com tudo". O Papa revelou, sorrindo: "Quando ouço que uma congregação perde suas posses, eu digo ‘Obrigado Senhor’".
O Papa exortou a um "exame de consciência sobre a pobreza, tanto pessoal como da instituição". Quanto à falta de vocações, é preciso "perguntar ao Senhor: ‘O que está acontecendo na minha instituição? Por que está faltando àquela fecundidade? Por que os jovens não sentem entusiasmo pelo carisma da minha instituição? Porque perdeu a capacidade de chamar?". Para Francisco, o "coração" do problema é a "pobreza". Daí um encorajamento: "A vida consagrada é um tapa no mundanismo espiritual. Continuem em frente". Fonte: http://www.ihu.unisinos.br