Rede criada por Zuckerberg envelhece, mas irmã mais nova está no auge entre jovens e anunciantes. Mudança experimental na plataforma do Instagram para celulares causou furor nesta quinta-feira
Circulam pela Internet vários memes chamados “Como sou no Facebook / como sou no Instagram”. Segundo eles (são mais engraçados nas fotos, claro), no Facebook somos a Beyoncé sorrindo em uma foto de grupo: responsáveis, comportados, discretos, olhando a câmera, provavelmente com nosso melhor look, certamente etiquetados por nossa mãe, nosso colega de trabalho, aquele amigo do colégio que não vemos há anos. No Instagram, entretanto, somos a Beyoncé divina no palco em pleno megashow, com o ventilador de frente: arrumados, sedutores, desafiantes, provocadores, modernos, fazendo algo divertido com a música no último volume e um controle férreo de nosso melhor ângulo.
A brincadeira faz mais sentido do que parece. Um estudo de setembro do instituto Reuters de Jornalismo pediu a norte-americanos, brasileiros, alemães e britânicos de 20 a 45 anos que descrevessem o Facebook e o Instagram. A primeira rede social, criada por Mark Zuckerberg em Harvard há 14 anos e com 2,2 bilhões de usuários mensais ativos, foi chamada de “egocêntrica” e “sociopata”, comparada a “uma pessoa pouco cool” e disseram que sofre uma “crise de meia idade” (entre as definições menos brutais estavam as de “profissional” e “genérica”). O Instagram, por sua vez, era “glamorosa”, “vibrante” e “de mente aberta”, ainda que também “exibicionista” e “assediadora”. Nos últimos tempos, além disso, são muitos os problemas de imagem do Facebook, com escândalos de privacidade como o da Cambridge Analytica (o Parlamento britânico publicou na semana passada dezenas de documentos internos que revelam como a empresa discutia vender dados de usuários), uma parada relativa em países desenvolvidos — preocupante já que é ali onde ainda se concentra grande parte de seu mercado publicitário e porque parece (não existem números oficiais) que afeta o número de páginas vistas e o tempo de uso - e um terceiro fator, fundamental: a rede social envelhece. O Instagram, cujo maior problema recente foi uma mudança na plataforma (para o modelo do Stories) que desagradou aos usuários nesta quinta-feira, para minutos depois ser revertida — não passou de um teste mal conduzido, segundo o CEO Adam Mosseri — pode ser a solução dos problemas do Facebook?
Se falamos de números, o Facebook ainda é um gigante incomparável. Poucas ferramentas tecnológicas o superam (para dar uma perspectiva, diante de seus 2,2 bilhões de usuários ativos a cada mês existem pouco mais de 5 bilhões de contas de e-mail no mundo) e é, em termos gerais, “uma rede ativa e saudável” com uma penetração sem precedentes, segundo a confirmação de estudos como o recente Uma análise em grande escala da base de usuários do Facebook e seu crescimento (Rubén Cuevas, Ángel Cuevas e Yonas Mitike Kassa). Ainda tem potencial para se expandir até em mercados da África e Ásia Central. Mas sua irmã mais nova criada há oito anos e comprada há seis por Mark Zuckerberg por 1 bilhão de dólares (4 bilhões de reais), parece ter se adiantado em prestígio em relação à mais velha. Especialmente entre os jovens.
Hoje, quando se pergunta a um grupo de adolescentes espanhóis quem tem Facebook, ficam em silêncio. Quando se pergunta se eles conhecem alguém que o use, alguns dizem, timidamente, que... seus pais. “E, como dizem algumas análises: nem você nem ninguém quer estar onde estão seus pais”, diz Ícaro Moyano, responsável por desenvolvimento e estratégia de distribuição da agência digital Wink. A tendência é clara em países como os EUA, onde, de acordo com o instituto Pew Research Center, o número de adolescentes que usa o Facebook diminuiu de 71% a 51% em somente três anos (72% usam o Instagram e 85% o YouTube). 44% dos pesquisados de 18 a 29 anos apagou o aplicativo de celular do Facebook no último ano, ao que parece estimulados, em parte, por temores relacionados à privacidade.
Alguns especialistas alertam do perigo de que o Facebook dê um “abraço de urso” mortal no Instagram
Na frente publicitária, o Instagram pode ser a resposta a esse envelhecimento, que é especialmente preocupante porque significa se afastar de um público jovem extremamente valioso para os anunciantes. “O Facebook funciona muito bem e é muito rentável. Os dados em questão de vendas continuam sendo excelentes”, diz Philippe González, fundador da comunidade Instagramers e autor de vários livros sobre redes sociais. “Mas o mercado da Bolsa não avalia você somente em função do que consegue hoje em vendas, e sim pelas expectativas de futuro”. Ou seja, ainda que o Facebook continue mandando em termos econômicos, o futuro parece estar em sua rede irmã, que nasceu para compartilhar fotos. E por isso, agora que o Instagram superou 1 bilhão de usuários ativos, o desafio é conseguir dinheiro, ou, como se diz nos mundos tecnológicos, monetizar. “Na última apresentação de resultados, onde foi vista essa certa parada no Facebook, o ideal é que Zuckerberg acalmasse o nervosismo dos acionistas com lucros bem-sucedidos no Instagram”, diz Philippe González. Esses resultados espetaculares não aconteceram, mas a missão vai de vento em popa, com um aumento de orçamento dos anunciantes de 177% em relação ao ano passado contra um aumento de 40% no Facebook, de acordo com um relatório recente da Merkle Digital Marketing. Entre as estratégias está, por enquanto, incluir anúncios nas Stories do Instagram e tornar mais atrativa a plataforma às lojas, com um botão de compra direta.
Mas nem tudo é cor de rosa no Instagram. São várias as críticas por ser um lugar superficial, muito centrado na estética, de consumo ultrarrápido, que cria expectativas de beleza, sucesso e realização pessoal tão irreais como surreais. Há pouco, uma instagramer norte-americana se queixou publicamente da pouca interação nas fotos de um de seus cinco filhos, culpou o algoritmo e pediu que, em seu aniversário de seis anos, os seguidores presenteassem o menino com “likes”. “Um oceano de falsidade”, disse sobre o Instagram Enrique Dans, professor de Inovação na IE Business School, em um artigo recente na Forbes, “um concurso de popularidade permanentes e exaustivo” em que abundam táticas esdrúxulas para conquistar seguidores. A mudança de 2016 na forma em que as atualizações são recebidas — passaram de ordem cronológica a ordem guiada por algoritmos — roubou parte da essência do Instagram, o aproximou do Facebook. E as empresas se queixam de que, da mesma forma que no Facebook, é cada vez mais difícil se destacar de maneira orgânica (não paga).
As preocupações são mais agudas desde junho, quando os fundadores do Instagram, Kevin Systrom e Mike Krieger, anunciaram que deixavam o barco porque, como sugerem alguns especialistas e mídia especializados, sentiram-se menos confortáveis com a crescente influência de Zuckerberg, a pressão para crescer e os desencontros em relação a como fazer crescer as duas redes sociais. O potencial do Instagram, alertam alguns, o expõe ao mesmo tempo ao risco de um “abraço de urso” mortal que retire sua essência e o force a uma estratégia agressiva de monetização.
Os especialistas afirmam que o Facebook continua sendo o rei. “É a televisão. Falar dos riscos do Facebook me lembra de quando se falava muito dos riscos da Microsoft há 15 anos: deixou de ser interessante em muitos aspectos, mas é o que acontece quando se é enorme”, diz Moyano. E, ainda que seja cada vez mais questionado, também foi, não podemos nos esquecer, o facilitador de um crescimento impressionante ao Instagram. Agora é preciso ver se sua ambição prejudica o aplicativo mais vibrante do momento, tanto em essência como em comunidade. Por enquanto, como diz outro meme, “meu Instagram está cheio de gente que não conheço e adoro. Meu Facebook está cheio de gente que conheço e evito”. Fonte: https://brasil.elpais.com