Ascânio Seleme: Presidente enfermo, precedentes

É justa a preocupação de muitos com a saúde do presidente Jair Bolsonaro. O vai-e-vém dos boletins médicos informa pouco

RIO — É justa a preocupação de muitos com a saúde do presidente Jair Bolsonaro. O vai-e-vém dos boletins médicos informa pouco. Sabe-se que o presidente passou por uma cirurgia bem sucedida de reconstrução do intestino, reassumiu rapidamente o mandato, mas em seguida teve febre e náuseas, depois melhorou e passou a despachar do hospital. Aí piorou de novo, suspendeu os despachos e em dois dias melhorou. Depois piorou outra vez e teve febre de novo, seguido de pneumonia bacteriana. Na sexta, melhorou, comeu gelatina e tornou a despachar. Difícil dizer como estará amanhã. Sua volta a Brasília teve dois adiamentos. Era para ele sair na semana passada, depois sairia amanhã, agora fica internado até quinta.

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Não é por outra razão que as redes sociais estão infestadas de boatos sobre a cirurgia de Bolsonaro. Alguns desses boatos falam em doenças, mas a maioria discorre sobre teorias conspiratórias. Estranho? Nem um pouco. Fake news é modelo de ação política bem conhecida da turma de Bolsonaro. E também de seus adversários de esquerda, claro. Não seria diferente com nenhum outro recém eleito presidente. Imaginem como seria com Lula, se ele fosse internado dias depois de tomar posse de seu primeiro mandato. Seria um deus-nos-acuda, com redes sociais ou sem elas.

O Brasil já passou por algumas experiências difíceis de presidentes em hospitais. A mais dramática delas foi a internação de Tancredo Neves, primeiro presidente civil depois da ditadura, na véspera de sua posse. Os mais velhos se lembram muito bem dos 36 dias de agonia de Tancredo no Hospital de Base, em Brasília, depois no Incor, em São Paulo. Tancredo passou por sete cirurgias. Todas as tentativas foram feitas para que ele superasse um leiomioma, câncer de intestino. Até médicos americanos especialistas foram trazidos para inutilmente tentar salvar a vida do presidente Tancredo.

No começo , o câncer foi diagnosticado como uma diverticulite. Depois soube-se que os médicos mentiram a pedido do próprio enfermo que não queria assustar a nação. Não é trivial ter um presidente internado em condições difíceis de saúde. Toda uma gigantesca máquina se movimenta em torno dele. Em alguns casos, o país pode parar esperando a melhora do convalescente. Foi assim com Tancredo. O governo Bolsonaro também está parado esperando o seu retorno. A reforma da Previdência só segue para o Congresso após a sua volta.

Os casos de Tancredo e Bolsonaro são absolutamente distintos. Tancredo foi internado e acabou morrendo porque escondeu um câncer que se tivesse sido tratado antes poderia ser curado. Bolsonaro sofreu um atentado a faca que quase lhe tirou a vida. Foi tratado com cuidado e rigor desde a primeira hora e seguiu sua campanha até se eleger presidente. Sua internação agora é desdobramento da primeira etapa do tratamento iniciado quando do ataque. Normal.

Normal também a preocupação do país com a saúde do seu presidente. Toda a transparência que tem sido dada à evolução do seu quadro clínico parece não ser suficiente. Talvez seja o caso de os médicos virem a público para dar satisfação formal aos brasileiros. Muitos acham que médicos, sobretudo os de São Paulo, falam demais e gostam de holofotes. Discordo. Médico tem que falar. Boletins oficiais e palavra de porta-voz muitas vezes apenas agravam a tensão.

FAZ SENTIDO

Deputados e senadores reclamaram ao longo da semana pelo fato de o ministro Sergio Moro ter colocado no mesmo pacote anticrime propostas de lei contra bandidos comuns e bandidos especiais, os corruptos. Queriam, talvez, rigor contra os primeiros e moleza contra os segundos. Com tudo misturado, vai ficar chato aprovar algumas medidas contra aqueles e rejeitar outras contra estes.

CAI-CAI

O governo mal começou e já se fala em Brasília, sem qualquer cerimônia, na queda de ministros. Os três que largaram na frente na bolsa de apostas da Esplanada já sabem que são alvo de fofoca e procuram se proteger se aproximando de generais e de filhos, até do mal-assombrado.

EMÍLIO FICA EM CASA

A sentença aplicada ao empresário Emílio Odebrecht é enrubescedora. Depois reclamam quando petistas acusam a justiça de perseguir Lula. O ex-presidente pegou 12 anos e onze meses de cadeia por receber vantagens em seu sítio de Atibaia. O empresário ganhou três anos e três meses em regime semiaberto por dar a Lula parte destas vantagens. Emílio está livre para fazer o que quiser de dia, mas terá de ficar em casa de noite e nos fins de semana. Beleza.

TEM QUEM QUEIRA

O lamaçal provocado pela Vale ainda nem secou e já tem gente disputando o cargo do presidente Fábio Schvartsman. Muito curioso isso. Considerando que a Vale tem outras tantas barragens que ameaçam a vida de dezenas de milhares de pessoas, cabe perguntar porque alguém haveria de querer comandar a companhia. Por que será que tem gente querendo esta espada sobre a cabeça?

LIESA ESCLARECE

A Liga das Escolas de Samba mandou mensagem contestando nota publicada aqui na semana passada sobre a gestão paroquial da venda de ingressos para o Carnaval do Rio. Disse que não manda pela via postal ingressos para quem compra pela internet em razão da “grande possibilidade de extravio ou furto”. Fala sério. Se fosse seguir esta orientação, Jeff Bezos, o dono da Amazon, não seria o homem mais rico do mundo.

NINGUÉM MAIS TRANSA

Um jornalista venezuelano explicou assim o clima desses dias em Caracas, na Venezuela. “Está todo mundo esperando a chegada dos mariners americanos. Ninguém mais come, ninguém mais dorme direito, ninguém mais transa”.

PERGUNTAS DE FAJARDO

Depois do dilúvio que revirou o Rio na quarta-feira, vale a pena refletir sobre algumas perguntas feitas pelo arquiteto e urbanista Washington Fajardo em seu blog: Onde mora o pobre? Como vive ele e sua família? Onde morarão seus filhos?

CINE GENETON

Por rata-se iniciativa do Sindicato dos Jornalistas do Rio, foi inaugurado ontem o Cineclube Geneton Moraes Neto, em homenagem a um dos maiores jornalistas brasileiros, morto há pouco mais de dois anos.

BRASIl 2018

O que vem à sua cabeça quando você pensa no Brasil do ano passado? Imagino que as duas principais questões que o país atravessou, a eleição de Bolsonaro e a prisão de Lula. Mas coloque no Google a expressão “Brasil 2018”, selecione o campo de imagens e morra de vergonha. Fonte: https://oglobo.globo.com