Redes sociais tendem a ocupar as manchetes pelas polêmicas, mas há mais coisas positivas do que negativas acontecendo nas redes

 

CORA RÓNAI

“Bom dia, pessoal!” — escreveu a minha filha no Facebook, que ela pouco usa. “Tenho um pedido atípico hoje, mas não custa tentar... Na nossa última viagem, ao passar pela segurança do Aeroporto Marco Polo, em Veneza, esqueci a minha jaqueta favorita naquela bandeja de plástico. Essa jaqueta é a roupa que mais amo na vida. Ganhei de presente do meu marido e sempre que visto pareço 10 quilos mais magra e uma pessoa elegante e fina. Escrevi para o ‘Achados e Perdidos’ do aeroporto e soube que encontraram a minha jaqueta! O problema é que eles não mandam para cá. É preciso que alguém que esteja em Veneza a retire. Como já consegui até adoção para cachorro em Japaratinga, em Alagoas, acredito no poder das redes sociais. Será que alguém que está lendo essa mensagem está em Veneza, ou vai pra Veneza, ou tem algum amigo em Veneza que possa pegar essa jaqueta para mim?”

Chances remotas: cidade alagada, turismo desestruturado, uma tragédia anunciada mas ainda assim arrasadora e paralisante sempre que acontece. Amigos começaram a se marcar uns aos outros no post e ofereceram várias soluções possíveis — alguém que vai no fim do ano, o conhecido de um conhecido que tem um parente na cidade, alguém que conhece um serviço que talvez possa resolver a parada. Nada de muito concreto. Até que:

“Estou saindo amanhã do aeroporto, pego para você”.

Simples assim.

Uma vaga conexão de rede social, uma pessoa nunca vista antes, um problema resolvido.

Um perrengue chique, um problema fino mas, não obstante, um problema — e uma solução que mostra, pela enésima vez, porque, apesar de tudo, não desistimos das redes sociais (e, eventualmente, da humanidade). Um dia é uma jaquetinha de estimação recuperada em um aeroporto distante, no outro uma vaquinha para compra de material escolar ou uma ação para encontrar o cachorro que se perdeu no bairro.

Redes sociais tendem a ocupar as manchetes pelas polêmicas e pelos seus aspectos negativos. Há muito a ser discutido em relação à quantidade de dados dos usuários de que dispõem e à maneira como os utilizam, há longas conversas que precisamos ter sobre fake news , cyberbullying e monopólio, e já passou da hora de cobrarmos mais transparência e responsabilidade por parte de quem detém tanto poder.

Mas, como na vida off-line, há mais coisas positivas do que negativas acontecendo nas redes. Elas apenas não chamam tanto a atenção, e não são tão midiáticas. “Velhos colegas de turma se reencontram” não chega a ser propriamente uma notícia, “Jaquetinha querida volta para casa” não é manchete.

Um dia escrevi um post sobre uma das muitas barbaridades a que temos assistido nos últimos tempos, e uma amiga observou que, infelizmente, a maioria das pessoas parecia apoiar a sandice. Cerca de um quarto dos 230 comentários discordava da minha opinião, com palavras fortes, emojis e memes. Os que me apoiavam eram lacônicos, “Isso!”, “Concordo inteiramente!”, “Disse o que eu estava pensando” e assim por diante. Mas o post tinha, àquela altura, mais de duas mil curtidas — silenciosas e discretas.

O lado do mal é sempre mais barulhento.

Não podemos nos esquecer disso: é preciso parar de vez em quando, e prestar atenção às pequenas coisinhas boas, que tendem a ser discretas e pouco lacradoras. 

Fonte: https://oglobo.globo.com