Caso alerta para contaminação nas aldeias do sul do estado; entidades indígenas apontam falhas nos dados oficiais
Eduardo Miranda e Mariana Pitasse
Há mais de 10 dias apresentando sintomas da covid-19, o cacique de uma aldeia indígena de Angra dos Reis, na região sul fluminense, e que prefere não ter o nome divulgado, foi internado em estado grave na última terça-feira (23). Ele está entubado e permanece no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Centro de Referência Covid-19 montado na cidade. A aldeia, com aproximadamente 500 habitantes, já tem 30 casos confirmados da doença, segundo dados da Prefeitura de Angra.
Apesar de estar fora da região metropolitana, que é a mais atingida pelo novo coronavírus, Angra dos Reis é uma das cidades que reúne mais casos de covid-19 em todo o estado do Rio de Janeiro, somando 2.239 casos confirmados e 78 óbitos, até esta quinta-feira (26). O município está atrás apenas da capital fluminense, de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Duque de Caxias. Além disso, a região da Baía da Ilha Grande, que engloba os municípios de Angra, Mangaratiba e Paraty, apresenta a maior carência de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), equipamentos e profissionais, proporcionalmente ao tamanho da população local no estado.
Nas redes sociais, Arundo Terceiro, que é técnico de saúde mental do município e membro da ONG Centro de Integração Valorização e Ajuda (Iva), denunciou a prefeitura por não ter realizado o teste da covid-19 quando o cacique procurou uma unidade de saúde pública há 10 dias já com sintomas da doença.
“Ele me disse por telefone, três dias atrás, que esteve na tenda com os sintomas e não foi feito o exame nele. Agora, ele está entubado. Isso é negligência, é crime! Estamos à beira de uma tragédia em Angra e a Prefeitura tem a obrigação de levar um contingente para fazer exames em todos da aldeia”, afirmou Arundo.
Em nota, a Prefeitura de Angra dos Reis disse que os casos na aldeia estão sendo acompanhados e monitorados pelo Departamento de Saúde Coletiva e confirmou a informação de Arundo, de que o cacique procurou atendimento no último dia 14, mas “inicialmente resistiu às orientações dos profissionais, pois estava aguardando o término do ritual de pajelança”.
“Os pacientes com síndrome gripal são tratados profilaticamente, com os testes para covid agendados para o 10º dia, e os doentes crônicos recebem atenção especial. As equipes de saúde visitam as famílias constantemente, dando todo o suporte para a população indígena”, diz trecho da nota.
Covid em territórios indígenas
Em todo o Brasil, estima-se que 365 indígenas tenham morrido em decorrência do novo coronavírus e haja 8.428 casos confirmados da doença. Mas de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), as informações que vêm sendo divulgadas pelas secretarias estaduais de Saúde não correspondem a essa realidade.
Segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, até a última segunda-feira (22), o número de óbitos era de 128. Mas o Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, que compila os dados da Apib, informa que até o dia 22, somavam 250 mortes se forem levadas em conta as subnotificações.
Segundo Aline Rochedo Pachamama, do Povo Puri da Mantiqueira, originário da região sudeste do país, os meios de proteção e isolamento não chegaram às comunidades indígenas, muitas localizadas próximas aos centros urbanos.
“A covid avança para todos, mas de forma mais intensificada nas aldeias. Muitas dessas pessoas nunca tomaram outras vacinas e agora estão tendo que lidar com um vírus que vai muito além de outros que já tivemos contato. Então, a gente está no luto constante e luta constante contra esse genocídio. Desde janeiro, estamos fazendo denúncias sobre as invasões, as presenças de garimpeiros, grileiros. Não precisamos de tutela, mas que nossos direitos sejam garantidos. Está na constituição, salvaguardar os povos e os territórios indígenas. Isso não é um pedido, é uma exigência e deve ser cumprida”, afirma.
De acordo com Aline, os apelos feitos pelas comunidades antes que a pandemia chegasse ao país não foram levados em consideração pelos governos. “A gente fala com muita emoção. Temos recebido todos os dias notícias de mortes dos nossos parentes, da região sudeste, norte, nordeste, do sul, as pessoas estão morrendo, sem atenção. Não tem patrimônio mais importante nesse país do que a vida dos povos originários. Essa pandemia veio para trazer um alerta e as pessoas ainda não entenderam esse grito da terra, da mãe, natureza, da floresta”, conclui. Fonte: https://www.brasildefatorj.com.br