A população brasileira é a mais preocupada com a desinformação e fake news sobre a covid-19
Quando um inimigo invisível invade os corpos de milhões de pessoas no mundo inteiro, a informação confiável se mostra literalmente uma questão de vida ou morte. Na década de 2010, a confiança na imprensa caiu consistentemente, mas no último ano essa tendência sofreu uma reversão brusca. O porcentual de pessoas que dizem acreditar na maioria das notícias na maior parte do tempo subiu de 38% para 44%. Esta é uma das constatações do Digital News Report anual do Instituto Reuters, ligado à Universidade de Oxford, que contempla 46 países responsáveis por metade da população mundial.
Com a “infodemia” de notícias falsas e teorias da conspiração sobre a covid em geral, e a invasão do Capitólio nos EUA em particular, o anseio por informações verdadeiras beneficiou marcas reputadas, tanto em termos de maior alcance e mais confiança como de assinaturas. “A distância entre ‘the best and the rest’ cresceu, assim como a distância entre as mídias de notícias e as mídias sociais.” Boa parte das assinaturas se concentrou em poucos grandes veículos, “reforçando a dinâmica ‘the winner takes most’”.
Mas, se a pandemia reverteu algumas tendências, ela acelerou outras, como a migração para um ambiente digital dominado pelas plataformas e acessado por dispositivos móveis. O desempenho do noticiário televisivo segue forte, mas a pressão sobre jornais e revistas, em plena e penosa metamorfose do papel para as telas, aumentou. Tanto mais que as novas assinaturas digitais não chegaram perto de compensar as perdas das assinaturas impressas. E, embora o modelo de assinaturas esteja se tornando sustentável para um número crescente de publicações de alta qualidade ou de nicho, a maior parte do público ainda não está disposta a pagar pelas notícias online.
É preocupante que, apesar do “surto” de confiança, o interesse pelas notícias em geral siga um declínio histórico. Especialmente desafiador para os veículos de imprensa é que tanto os partidários políticos como os jovens tendem a se sentir injustamente representados. Entre os jovens até 25 anos (a Geração Z) há uma diferença de percepção radical, mesmo em relação aos seus antecessores millennials. Esses “nativos digitais” têm muito mais propensão a utilizar as redes sociais (sempre mescladas pelo entretenimento e distração) para exprimir sua indignação política e colher informações, e menos propensão a visitar sites de notícias ou buscar notícias imparciais.
“Numa era em que o consumo de notícias se tornou mais abundante, fragmentário e turbulento, os veículos de imprensa enfrentam uma escolha.” Uma opção é aprofundar o relacionamento com um público específico, por meio de posicionamentos assertivos que representem e repercutam suas visões e aspirações. Por outro lado, os veículos podem tentar erguer pontes entre essas divisões para atingir o maior público possível – uma postura favorecida por 3 em 4 entrevistados. Neste caso, o desafio é abranger diferentes pontos de vista sem ser solapado pelas guerras partidárias e culturais.
A propósito, no Brasil a Federação Nacional dos Jornalistas registrou em 2020 428 ataques verbais e físicos a jornalistas, incluindo dois homicídios – o maior número desde o início dos anos 90. A entidade vê na retórica truculenta do presidente Jair Bolsonaro – só ele autor de 175 agressões verbais – a maior responsável pelo aumento de ocorrências. Segundo o Repórteres sem Fronteiras, Bolsonaro e seus correligionários fomentaram uma atmosfera de “ódio e desconfiança contra o jornalismo no Brasil”.
Apesar disso – ou talvez por isso – o Brasil é um dos sete países que mais confiam na imprensa. A população brasileira também é a mais preocupada com a desinformação (82%) e com a disseminação de fake news sobre a covid via WhatsApp (35%), assim como a que mais associa os políticos à desinformação sobre a doença. É uma reação tão instintiva quanto racional: quando o vírus do autoritarismo invade o coração da República, a informação confiável se mostra uma questão de vida ou morte para a democracia. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br