A pandemia está desaparecendo, mas o vírus não desaparecerá. É preciso criar estratégias para conviver com ele

 

No auge da pandemia de covid-19, quando a luz no fim do túnel era um ponto fugaz, a consciência pública parecia convencida de que o mundo nunca mais seria o mesmo. Especulações extravagantes sobre o “novo normal” viralizavam. Agora que estamos saindo do túnel, há o risco inverso: que o mundo volte a ser exatamente como era. Mas, se a pandemia está desaparecendo, o vírus não desaparecerá – e sua ameaça é e será real para as pessoas dos grupos de risco.

Pandemias não morrem – se dissipam. Mais cedo ou mais tarde, um número suficiente de pessoas desenvolve a imunidade e os vírus não encontram hospedeiros na velocidade que precisam para sua expansão. A espetacular rapidez com que a comunidade científica desenvolveu as vacinas contra a covid fez com que esse momento chegasse mais cedo. Ainda assim, até hoje só uma doença foi erradicada, a varíola. Outras, como influenza, sarampo ou cólera, tornaram-se lentamente endêmicas.

A transição para a endemia e a sua intensidade dependerá de três fatores: a proporção de imunizados e a qualidade e durabilidade da imunização, os tratamentos e a evolução do vírus.

Na hora mais escura, quando a sociedade, a comunidade científica e o poder público operavam sobre extraordinária pressão, o risco era que a racionalidade dos comportamentos fosse prejudicada pelo excesso e o alarmismo. Agora, o risco é que o seja pela negligência e a omissão.

Segundo o Ministério da Saúde, mais de 54 milhões de brasileiros entre 18 e 59 anos estão com a dose de reforço atrasada. Mais grave são os 10 milhões de idosos. Os números podem ser menores, devido a atrasos nos registros. Ainda assim, sugerem uma desaceleração. O relaxamento da população, se não é justificável, é compreensível. Mas, por isso mesmo, o poder público precisa desenvolver estratégias de mobilização.

O mesmo risco existe em relação a testes e tratamentos. Para controlar surtos anômalos e proteger os grupos de risco, testes rápidos e acessíveis serão essenciais. Ainda mais importantes serão os investimentos em medicamentos mais eficazes e baratos.

Tão logo as vacinas foram integradas no sistema de imunização, a adesão – em que pese o relaxamento recente – foi massiva. Rapidamente o País alcançou e até superou as taxas de países desenvolvidos. Mas, em relação a testes e medicamentos, o Brasil ainda está defasado. 

No auge do pesadelo, cerca de 3,6 bilhões de pessoas no mundo viviam sob a obrigatoriedade de alguma forma de distanciamento. À medida que essas restrições e seu maior símbolo, as máscaras, caem por terra, o ano de 2022 oferece uma oportunidade única de celebrar a confraternização. Mais do que retomar mecanicamente o velho normal, todos deveriam reservar espaço em suas rotinas para redescobrir o valor de gestos prosaicos, mas profundamente humanos, como a conversa face a face ou um simples abraço. Mas para que essa convivência seja sadia e racional, é preciso aprender a conviver com o vírus e criar estratégias para proteger as pessoas vulneráveis, para as quais ele ainda será uma ameaça mortal. Fonte: https://opiniao.estadao.com.br