Ódio à razão
Depois da tragédia do antagonismo que vivemos com a divisão nas famílias, nos colegas, sinto que estamos voltando ao modo educação, civilidade, respeito
Por Nelson Motta — Rio de Janeiro
Depois da tragédia do antagonismo que vivemos com a divisão, e separação, nas famílias, nos amigos, nos colegas de trabalho, sinto que a Terra voltou a ser redonda e que estamos voltando, lentamente, ao modo back to basics: educação, civilidade, respeito — não só às instituições democráticas, à Constituição e às leis, mas principalmente ao outro, seja quem for o outro.
Amar o próximo como a si mesmo é um exagero cristão psicanaliticamente inalcançável, mas respeitá-lo como a si próprio não é tão difícil assim (chama-se civilização), embora muita gente não se respeite, esculhambando seu corpo, suas ideias, sua vida e tentando esculhambar a dos outros. Qual a graça de criticar e reprimir comportamentos e atitudes que em nada afetam a sua vida, ou da comunidade? Então qual é o problema de duas mulheres se beijando no bar, de homens de mãos dadas, de um grupo de jovens fumando um baseado ? Como eles interferem na sua felicidade? Me sinto um idiota escrevendo coisas tão óbvias há tanto tempo, e só um período de regressão como o que vivemos explica tanta resistência, e ódio, ao império da razão.
Agora vejo que passamos por um processo de destruição da razão, como método, para tornar um boçal um mito e estabelecer uma linguagem tosca e grosseira em que verdade e mentira se confundem, em nome do slogan salazarista Deus, Pátria e Família. Só que a família é assunto privado, Deus, cada um tem o seu, e alguns, nenhum, e Pátria não é o Estado oprimindo, controlando e explorando o cidadão que paga impostos para sustentá-lo.
Quanto a Bolsonaro, entendo que o reverso do amor não é o ódio e o rancor — mas o desprezo e o esquecimento.
Busões negreiros
Que estupidez, ou forças satânicas, levam uma vinícola rica e poderosa do Rio Grande do Sul a importar mão de obra barata, e preta certamente, da Bahia, para trabalhar no frio, em uma cultura que não conhecem? Os gaúchos já não querem trabalhar por salários tão baixos em condições tão duras, os uruguaios, nem pensar, mas só um racismo estrutural e perverso explica os busões-negreiros Salvador-Bento Gonçalves. Os catarinas e os paranaenses lourinhos estão mais próximos e também precisam trabalhar... Economizariam no transporte da carga, (mal) paga, mas sempre escrava. Fonte: https://oglobo.globo.com