Há vida além do Facebook

Apaguei meu perfil do FB. Foi um banho de sal grosso digital. Mantive o Instagram. Eu me tornei menor no mundo digital. Mas muito mais autêntica

 

Por Martha Batalha — Rio de Janeiro

Passei nos últimos dias uma quantidade vergonhosa de horas tentando apagar meu perfil no Facebook. A intenção era deixar de ser pessoa para me tornar uma página de autora, mas a mudança, possível de se realizar com dois ou três cliques, escondia-se sob camadas inúteis de informação.

Segundo a página de ajuda, as instruções estavam no account center (meu FB é em inglês). E onde estaria o account center? Depende, dizia a página. Ele poderia estar tanto no topo da tela quanto abaixo e à esquerda. Achei estranho, um account center com direitos de locomoção, mas eu estava disposta a relevar se ao menos ele EXISTISSE. Não era o caso.

Em resumo, para apagar meu perfil a regra era: apaga no account center, que não existe, logo, não apaga, mas, se quiser apagar, vai ao account center, que não existe. É como estar numa festa, perguntar pelo banheiro e ouvir do anfitrião — pega esse corredor. Se o quadro com andorinhas estiver pendurado, dobre à direita. Mas, se for o calendário asteca, dance a “Macarena”.

O FB, com essa interface inocente de pracinha com coreto, de local de encontro, reencontro e troca de ideias, é na verdade um labirinto do Minotauro, um ardil 22, uma narrativa de Gogol ou de Kafka, e se o leitor está atordoado com tanta referência é porque desejo mostrar o que essa pracinha capciosa, o álbum de figurinhas do Instagram e o pula-pula do TikTok fazem com a minha cabeça. Eu me sinto bombardeada com muito mais do que posso absorver, e isso, eu descobri, me faz infeliz.

Mas eis outro ardil: preciso estar on-line para divulgar o que faço e preciso estar off-line para fazer o que eu faço. Leitura e escrita, as duas atividades que nutrem o melhor em mim, só se dão com qualidade em longos períodos e longe de ruídos.

Resolvi o dilema após ler o livro “Minimalismo digital”, de Cal Newport. É um manual para quem achou que usaria as redes sociais, e passou a se sentir usado por elas. Minimalismo digital, segundo o autor, se define por “usar o tempo on-line em um pequeno número de sites e atividades cuidadosamente selecionadas e que endossam os valores da pessoa, e perder feliz todo o resto.”

Não uso mais Twitter, apaguei aplicativos supérfluos no celular e meu perfil pessoal do FB (venci, Zuckerberg). Foi assim, um descarrego. Um banho de sal grosso digital. Mantive o Instagram, mas não me submeto à ditadura da rede que exige posts diários para aumento de visibilidade. Eu me tornei menor no mundo digital. Mas muito mais autêntica.

Não posso dizer que as redes sociais são nocivas para todo mundo. Pegue uma Cora Rónai, um Eduardo Affonso. São pequenas empresas de sólido conteúdo e público fiel. Mas para mim não estava funcionando. Sou ansiosa demais para expor constantemente meu ego ao número de curtidas e corações, eu que desde sempre estou num aprendizado para não julgar, me colocava inteira e vulnerável para ser julgada por um algoritmo.

Fora da pracinha o mundo é bom. Gosto dos dedos escurecidos por tinta depois de ler o jornal, de segurar a caneta Bic para anotar as margens do livro brochura, da rotação de títulos na mesinha de cabeceira. Gosto de solidão e silêncio e de cantos pequenos. Não é para onde o mundo está indo, mas é que me proporciona contentamento, essa espécie de primo renegado da felicidade, menos sexy e mais satisfatório. Fonte: https://oglobo.globo.com