Marco fundador do movimento está em episódio de batida policial no bar nova-iorquino de Stonewall há mais de 50 anos

 

É numa modesta construção no número 53 da rua Christopher, em Nova York, que se encontram as origens da explicação para o 28 de junho ser, há mais de 50 anos, celebrado como a principal data de resistência da comunidade LGBTQIA+.

O que se transformou numa manifestação que une festas e atos políticos que ocupam o espaço público para celebrar o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ teve como marco fundador um episódio que opôs violência e exclusão à resistência a favor da diversidade.

Em 28 de junho de 1969, durante as primeiras horas da madrugada, policiais à paisana do Departamento de Polícia de Nova York fizeram uma batida no bar nova-iorquino Stonewall Inn, um dos mais populares entre a comunidade LGBT da região e uma espécie de refúgio em meio a uma era de intolerância.

O alvo da operação eram locais frequentados por "doentes mentais" —forma discriminatória como pessoas LGBT eram descritas pela Associação Americana de Psicanálise à época. Até 1961, todos os estados americanos tinham leis que proibiam a homossexualidade. E por muito tempo elas vigoraram.

Foi apenas em 2003 que a Suprema Corte dos EUA, por 5 votos a 4, invalidou uma antiga decisão e eliminou a proibição da homossexualidade em nove estados que ainda a sustentavam.

Durante a batida em Stonewall Inn, quando várias pessoas foram levadas sob custódia —e os relatos dão conta de que os detidos eram, em especial, gays, lésbicas e pessoas trans—, um grupo resistiu. E a ele se somaram mais pessoas que ficaram sabendo do episódio.

A mobilização e a resistência duraram cinco dias. A "revolta", como o movimento é descrito por parte da historiografia, começou como um protesto espontâneo contra o crônico assédio policial e a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ numa década efervescente para o movimento de direitos civis.

Um ano após o episódio, em 28 de junho de 1970, uma manifestação partiu do local do bar e caminhou mais de 4 km em direção ao Central Park, cartão-postal de Nova York, naquela que é considerada a primeira marcha do orgulho LGBT no país. O evento ecoou para outras nações.

"Provavelmente somos o grupo minoritário mais assediado e perseguido da história, mas nunca teremos os direitos civis que merecemos a menos que paremos de nos esconder em armários e no anonimato", disse na ocasião Michael Brown, 29, ao jornal The New York Times.

Os números da mobilização variaram —policiais falavam em "mais de mil", enquanto organizadores estimavam um público de 20 mil pessoas. Mas o consenso dos que conversaram com o jornal americano ia na linha do que disse Martin Robinson, 27: "Nunca tivemos uma manifestação como esta."

O reconhecimento da discriminação na época tem ganhado espaço também nas fileiras da polícia americana. Em 2019, no marco dos 50 anos de Stonewall, o então comissário da polícia de Nova York, James P. O'Neil, pediu desculpas pelo caso, que descreveu como um erro.

"Sei que o que aconteceu não deveria ter acontecido. As ações do Departamento de Polícia foram erradas, pura e simplesmente. As atitudes e as leis eram discriminatórias e opressivas. Peço desculpas."

O movimento em território americano teve pouco impacto no Brasil à época, o que se explica pelo momento histórico que o país vivia: a ditadura militar. Como hoje se tem vasto conhecimento registrado, gays, lésbicas e pessoas trans eram alguns dos grupos perseguidos, e por vezes torturados, por militares.

Iniciativas brasileiras mais amplas começaram a surgir paralelamente à abertura do regime militar, com foco geográfico no eixo Rio-São Paulo e, na segunda metade da década de 1970, com marcos fundantes como a criação do jornal "Lampião da Esquina" e do grupo Somos.

Já nos anos 1980, organizaram-se grupos por todo o país, que desempenharam importante papel na luta pelos direitos humanos e civis dos homossexuais. Esses grupos foram fundamentais na proposição de respostas à sociedade civil sobre a epidemia da Aids. As comemorações brasileiras do 28 de junho, no entanto, vieram apenas no final dos anos 1990. A primeira Parada do Orgulho GLT —à época a sigla só abrangia gays, lésbicas e travestis— ocorreu em 1997 e reuniu cerca de 2.000 pessoas. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br