Uma matriz legislativa específica regulando de forma geral a profissão, que envolve diversos nichos e atividades, é hoje desnecessária
Por Paulo Duarte
Autêntica, eficiente, persuasiva e assertiva, essas são as características principais quando uma empresa escolhe projetar sua marca, um produto ou serviço por meio de influenciadores digitais. Segundo uma das maiores plataformas de pesquisa do mundo, a alemã Statista, 47,9% dos usuários de internet realizam compras projetadas por marketing de influência, seja direta (clique aqui) ou indiretamente (compra por outros meios: página do anunciante, loja física, etc.).
Hoje, comentários sinceros de pessoas em quem você confia tendem a ser levados muito mais em consideração do que a publicidade tradicional. Para a pesquisa realizada pela Statista, 94% dos consumidores concordam que uma análise positiva de uma pessoa em quem se confia aumenta exponencialmente a probabilidade de realizar uma compra. Outra pesquisa, conduzida pela Influencer Marketing Hub, afirma que 93,5% dos anunciantes por meio de influenciadores reportaram haver tido sucesso com a estratégia.
Logicamente, a mídia tradicional continua importante, tendo como forte o engajamento pós-anúncio, o que ajuda na fixação de marca, em sua reputação e no famoso boca-a-boca. A unanimidade entre especialistas é: cada um tem seu lugar e são complementares.
Voltando ao influenciador, não podemos negar, portanto, seu poder cada vez maior e impactante no mercado, o que tem levado diversos países a pensar em regulação.
Na França, por exemplo, passou no Senado, no dia 9/5/2023, em primeiro turno, uma lei que regula a atividade dos influenciadores, trazendo uma definição do profissional e seus agentes, proibições de certos anúncios, sanções e controles preventivos. O intuito é evitar certos conteúdos ofensivos, principalmente a jovens, como incitação a regimes alimentares perigosos, cirurgia plástica, apostas excessivas, promoção de contravenções, endividamento, etc.
Nos EUA, que têm hoje o maior mercado de influenciadores do mundo, também se viu uma pressão por regulação. A Comissão Federal de Comércio publicou recentemente um guia com 101 diretivas aos influenciadores para evitar consequências jurídicas, incluindo criminais. O intuito é estabelecer critérios básicos de transparência e autenticidade.
Na Alemanha, foi recentemente publicada a Lei de Reforço à Proteção do Consumidor GSVWG, alterando a Lei contra Concorrência Desleal UWG, com dois principais objetivos: dar claridade ao influenciador sobre quando este deve identificar estar fazendo publicidade e, ao mesmo tempo, dar transparência ao consumidor de quando o influenciador está fazendo publicidade e quando não.
E o Brasil? O Brasil é um dos maiores mercados de influenciadores do mundo. Em 2021, uma pesquisa realizada pela HypeAuditor demonstrou que São Paulo é a 3.ª cidade com maior número de influenciadores com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram (204), perdendo apenas para Los Angeles (469) e Nova York (359). Em números gerais, segundo a empresa de dados Nielsen, o Brasil conta com mais de 500 mil influenciadores digitais, o que ultrapassa o número de diversas profissões regulamentadas, como a de dentistas (374 mil).
Mas, diante das leis hoje existentes no Brasil, precisamos de uma norma específica aplicada aos influenciadores?
Para responder a essa pergunta, devemos entender, antes, dois pontos: primeiro, o influenciador é um multiprofissional, com inúmeros nichos distintos e inúmeras atividades, que podem estar cobertos por diversos tipos de regulação; segundo, a legislação brasileira é muito compreensiva e já regula, de uma forma ou de outra, as diversas atividades.
Para a proteção do consumidor, por exemplo, temos o Código de Defesa do Consumidor; para a proteção de dados, temos a Lei Geral de Proteção de Dados e o Marco Legal da Internet; para a proteção de crianças e adolescentes, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente; para a proteção contra crimes virtuais e informáticos, há a Lei Carolina Dieckmann; para a proteção de propriedade intelectual, temos diversas leis e acordos internacionais assinados pelo Brasil, etc., além da supervisão pelo Ministério Público, o Procon, o Conar, o Inpi, entre outras agências e órgãos.
Em abril deste ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou um relatório sobre influenciadores digitais do mercado financeiro e de capitais (finfluencers), analisando eventual regulamentação desses profissionais, que já representam a fonte majoritária de informações financeiras e econômicas no País. Segundo a CVM, diante da importância que o finfluencer ganhou hoje em dia, o intuito foi estender a eles as obrigações de transparência exigidas aos agentes regulados por ela.
Transparência sempre é importante em qualquer área e ajustes legais são sempre necessários ao longo do tempo, uma vez que a área econômica é fluida e evolui. Contudo, uma matriz legislativa específica regulando de forma geral a profissão do influenciador é, hoje, totalmente desnecessária, diante do grande e suficiente número de normas existentes perfeitamente aplicáveis às diferentes atividades dos influenciadores. Para evitar abusos das diversas ordens, o eficaz é aumentar a fiscalização pelos diversos órgãos responsáveis, não criar base legislativa que, sem supervisão, se torna inócua.
*ADVOGADO Fonte: https://www.estadao.com.br