O jornalismo está em crise. Trata-se de um fato global. É preciso ir às suas causas, enfrentar os dilemas e saber construir oportunidades
Por Carlos Alberto Di Franco
O cenário do consumo da informação preocupa. Exige reflexão, autocrítica e coragem. Todos, sem exceção, percebem que chegou para o jornalismo a hora da reinvenção. A transformação é uma questão de sobrevivência.
Editorial do jornal O Estado de S. Paulo comentou recente e alarmante pesquisa realizada pelo Pew Research Center que mostra queda no consumo de notícias e uma preocupante perda de credibilidade dos meios nos Estados Unidos.
Quando questionados sobre a frequência com que acompanhavam o noticiário, apenas 38% dos americanos adultos – a partir de uma base de 12.147 pessoas ouvidas pelo instituto em agosto do ano passado – responderam que se informavam “o tempo todo ou quase o tempo todo”. Em 2016, mais da metade dos americanos adultos (51%) dizia prestar atenção ao noticiário com essa mesma frequência.
Mas a pior corrosão atingiu a credibilidade. Em 2022, apenas 15% dos americanos adultos disseram acreditar “muito” que os veículos publicam notícias de forma justa e precisa. A confiança nos jornais locais é um pouco maior (17%), mas ainda sofrível. Em 2016, esses porcentuais de confiança absoluta eram de 18% e 22%, respectivamente. No ano passado, ainda de acordo com a pesquisa, 46% dos entrevistados disseram confiar “um pouco” nos veículos de alcance nacional, ante 54% que disseram o mesmo sobre a mídia local.
O jornalismo está em crise. Trata-se de um fato global. É preciso ir às suas causas, enfrentar os dilemas e saber construir oportunidades.
A sociedade está cansada do clima de militância que tomou conta da agenda pública. Sobra opinião e falta informação. Os leitores estão perdidos num cipoal de afirmações categóricas e pouco fundamentadas, declarações de “especialistas” e uma overdose de colunismo. Um denominador comum marca o achismo que invadiu o espaço outrora destinado à informação qualificada: radicalização e politização.
As notícias que realmente importam, isto é, as que são capazes de alterar os rumos de um país, são frutos não de boatos, contrabando opinativo na informação ou meias-verdades disseminadas de forma irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito dentro de padrões de qualidade, algo que deve estar na essência dos bons jornais. Aqui já temos um formidável horizonte de reinvenção.
Jornalismo independente reclama liberdade. Não temos dono. Nosso compromisso é com a verdade e com o leitor. O fenômeno da disrupção digital, da perda de domínio da narrativa e da desintermediação dos meios tradicionais teve precedentes que poderiam ter sido evitados, não fosse o distanciamento da imprensa dos seus consumidores, sua dificuldade de entender o alcance das novas formas de consumo digital da informação e, em alguns casos, sejamos claros, sua falta de isenção informativa e certa dose de intolerância. Aqui temos outro formidável horizonte de reinvenção: recuperar fortemente o jornalismo factual. Entregar, com empenho de isenção, a realidade nos fatos. Sem filtros ideológicos ou militância camuflada. As nossas preferências devem ser manifestadas no espaço opinativo.
Os consumidores, com razão, demonstram cansaço com o tom sombrio das nossas coberturas. É possível denunciar mazelas com um olhar propositivo. Pensemos, por exemplo, na ignominiosa situação da corrupção. É preciso reverter um quadro que agride a dignidade humana, envergonha o País e torna inviável o futuro de gerações inteiras. Não seria uma bela bandeira, uma excelente causa a ser abraçada pela imprensa?
Em vez de ficarmos reféns do diz-que-diz, do blá-blá-blá inconsistente, das intrigas e da espuma que brota nos corredores do poder, que não são rigorosamente notícia, mergulhemos de cabeça em pautas que, de fato, ajudem a construir um país que não pode continuar olhando pelo retrovisor. Sobra Brasília e falta Brasil real. Há excesso de declarações e falta apuração.
A violência, a corrupção, a incompetência e a mentira estão aí. E devem ser denunciadas. Não se trata, por óbvio, de esconder a realidade. Mas também é preciso dar o outro lado, o lado do bem. Não devemos ocultar as trevas. Mas temos o dever de mostra as luzes que teimam em brilhar no fim do túnel. A boa notícia também é informação. A análise objetiva e profunda, sem viés ideológico, é uma demanda forte dos consumidores.
Os desafios são imensos. As redes sociais tiraram dos meios tradicionais a antiga exclusividade da mediação do debate público. Cada vez mais pessoas têm procurado consumir apenas as notícias que vêm de fontes que confirmam suas crenças e percepções. Criam-se bolhas fechadas e impermeáveis à informação.
Precisamos olhar as nossas coberturas e nos questionarmos se há valor diferencial no que estamos entregando aos nossos consumidores. Precisamos desenvolver uma boa curadoria da informação.
O editorial do Estadão conclui com um diagnóstico certeiro: “O jornalismo profissional está passando por uma crise para a qual a solução há muito é conhecida: apego aos fatos e respeito ao público”. Simples assim. Trata-se de traduzir o conceito – claríssimo – em ações e processos.
Longa vida ao jornalismo de qualidade!
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O jornalista Carlos Alberto Di Franco escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto Veja mais sobre quem faz