Teses persecutórias contaminam debate sobre a tributação de pastores evangélicos
Fachada do prédio da Receita Federal, em Brasília (DF) - Antonio Molina/Folhapress
Sob Jair Bolsonaro (PL), a Receita Federal editou norma publicada em agosto de 2022 que ampliava a isenção tributária para ministros de confissão religiosa. Naquele mesmo mês, em seu primeiro ato de campanha pela reeleição, o então mandatário disse a lideranças religiosas que a medida encerrava uma "perseguição" às igrejas.
O ato do fisco —ali indevidamente politizado— disciplinava a interpretação de um dispositivo da lei 8.212/91 que libera da cobrança de contribuição ao INSS valores recebidos por padres, pastores e congêneres, desde que as somas tenham relação com a atividade religiosa e não dependam da natureza e da quantidade de trabalho.
Ao longo dos anos, divergências na leitura desse dispositivo provocaram um contencioso entre entidades, em particular ligadas aos evangélicos, e a Receita, para a qual o texto era utilizado como brecha para distribuir remunerações variadas aos pastores.
Em 2015, chegou-se a aprovar um adendo na lei para orientar a interpretação das condições para o benefício tributário. Não foi o bastante para pacificar a questão, o que levou o fisco a editar o ato do ano retrasado.
Nesta semana, no entanto, a Receita decidiu suspender aquela norma, provocando reações raivosas de expoentes da bancada de parlamentares evangélicos do Congresso Nacional —que optaram por tratar o caso como um confronto entre a igreja e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"É um ato político do governo da esquerda, que quer voltar à velha prática da chantagem", declarou o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), correligionário de Bolsonaro.
A Receita atribuiu sua medida a um processo sobre o caso em curso no Tribunal de Contas da União (TCU); a corte divulgou nota para esclarecer que ainda não tomou decisão definitiva. Em qualquer hipótese, não se justifica partidarizar uma deliberação técnica.
Desde 1946, as Constituições brasileiras têm fixado limites à taxação das igrejas. O alcance desse princípio deve estar disciplinado na legislação, e seu cumprimento precisa ser monitorado por órgãos de Estado —garantidos, é claro, os canais de defesa e contestação.
Do ponto de vista da justiça tributária, a demanda por mais benefícios para templos e ministros dificilmente será defensável. O apelo a teses persecutórias, farsescas vindas de uma bancada politicamente poderosa, só avilta o debate.
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