A BBC conversou com uma mãe que perdeu um filho, uma assistente social e um parlamentar para descobrir o que está por trás das estatísticas em Lesoto
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Tlohang falou com a mãe sobre seus problemas de saúde mental - BBC
Da estrada principal até a casa de Matlohang Moloi, de 79 anos, há uma subida íngreme pelas montanhas que fazem de Lesoto um dos países com a altitude mais elevada do mundo.
Esta mãe de 10 filhos me recebe em sua casa bem cuidada —e me mostra fotos da família numerosa. Estou aqui para conversar com ela sobre um de seus filhos: o primogênito, Tlohang.
Aos 38 anos, ele se tornou parte de uma estatística sombria. Lesoto, apelidado de "reino no céu" devido à sua altitude, tem a taxa de suicídios mais alta do mundo. "Tlohang era um bom filho. Ele me contou sobre seus problemas de saúde mental", diz Moloi.
"Ele veio até mim e disse: 'Mãe, um dia você vai ouvir que tirei minha vida'." "A morte dele me doeu muito. Eu realmente gostaria que ele pudesse ter explicado com mais detalhes o que estava acontecendo com ele. Mas ele tinha receio de que, se contasse às pessoas, pensariam que ele era uma pessoa fraca, incapaz de resolver seus próprios problemas."
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 87,5 pessoas por 100 mil habitantes tiram a própria vida todos os anos em Lesoto. Este número é mais que o dobro do registrado pelo próximo país da lista, a Guiana, na América do Sul, onde a taxa de suicídio é de pouco mais de 40 por 100 mil habitantes.
Também é quase dez vezes a média global, que é de nove suicídios para cada 100 mil pessoas. Esta é uma estatística que ONGs, como a HelpLesotho, estão determinadas a mudar, munindo os jovens com as habilidades necessárias para gerenciar sua saúde mental.
Terapia de grupo
Na cidade de Hlotse, a cerca de duas horas de carro da capital Maseru, participei de uma das sessões regulares de terapia de grupo para mulheres jovens, dirigidas pela assistente social Lineo Raphoka.
"As pessoas pensam que isso vai contra os nossos princípios, as nossas experiências culturais, a nossa espiritualidade como africanos e como comunidade em geral", diz Patience, de 24 anos, ao grupo.
"Mas também estamos escondendo o que está acontecendo. Perdi três amigos por suicídio. Eu mesma tentei." Todos aqui já tiveram pensamentos suicidas ou conhecem alguém que cometeu suicídio.
Ntsoaki, de 35 anos, se emociona ao compartilhar sua história com o grupo. Ela foi estuprada no hospital. "O médico me disse que eu era muito atraente. Aí ele sacou uma arma, e me disse que queria ter prazer comigo, e que se eu não deixasse, me mataria."
"Pensei em suicídio, e que era a única solução. Não consegui, não tive forças para fazer isso. A única coisa que me manteve em movimento ou viva foi o rosto dos meus irmãos. Eles acham que sou forte, mas sou fraca", relatou.
O grupo garante que ela é forte por dividir seus sentimentos. Quando a sessão termina, todas as mulheres conversam e sorriem, dizendo que estão se sentindo melhor por terem compartilhado suas histórias.
As razões pelas quais as pessoas tiram a própria vida são muitas vezes complicadas - e é difícil isolar uma única causa.
Padrões que ajudam a entender
Apesar disso, Raphoka diz que vê padrões que explicam por que o Lesoto tem uma taxa de suicídio tão alta. "Na maioria das vezes, são pessoas que passam por situações como estupro, desemprego, perda de um ente querido. Fazem uso abusivo de drogas e álcool."
De acordo com um relatório de 2022 do World Population Review, 86% das mulheres em Lesoto sofrem violência de gênero. Enquanto isso, o Banco Mundial afirma que dois em cada cinco jovens não têm emprego nem formação.
"Não recebem apoio suficiente de suas famílias, amigos ou de qualquer tipo de relacionamento que tenham", acrescenta Raphoka.
É algo que você ouve com frequência em Lesoto. As pessoas dizem repetidamente que não se sentem à vontade para falar sobre sua saúde mental - e que outros podem julgá-las.
Uma noite, sentado em um bar em Hlotse, onde a clientela masculina bebe cerveja local e conversa sobre política enquanto assiste a uma partida de futebol na TV, mudo o assunto para saúde mental.
"Nós conversamos sobre isso, dizemos: 'vamos nos abrir'", afirma Khosi Mpiti. Alguns receiam que, se revelarem demais, isso possa gerar fofocas sobre eles. Apesar disso, Mpiti diz que as coisas estão melhorando.
"Como grupo [de amigos], nos apoiamos muito. Se tenho um problema, eu conto ao grupo, e nos apoiamos mutuamente."
No entanto, quando as pessoas buscam ajuda profissional, enfrentam dificuldades no sistema público de saúde. A única unidade psiquiátrica do país foi criticada no ano passado pelo ombudsman, funcionário cuja função é zelar pelos interesses públicos, por não ter um psiquiatra desde 2017.
Ele também destacou abusos generalizados, incluindo "condições que violam os direitos humanos". Tampouco havia uma política nacional de saúde mental para lidar com a crise, embora o governo, eleito em outubro de 2022, diga que está em processo de elaboração de uma.
"O problema de saúde mental se tornou uma epidemia", admite Mokhothu Makhalanyane, parlamentar que dirige uma comissão voltada para questões de saúde.
"Estamos nos certificando de que a mensagem chegue a todos, desde escolas primárias até escolas secundárias, e locais onde os jovens se reúnem, como torneios de futebol", disse ele à BBC.
"A política também será específica em termos de tratamento, e permitirá que as pessoas afetadas se submetam à reabilitação." Segundo ele, Lesoto pode aprender com sua luta contra o HIV, vírus causador da Aids.
Falar abertamente
Em 2016, Lesoto se tornou o primeiro país a introduzir uma estratégia de "teste e ensaio", o que significa que as pessoas podem iniciar o tratamento assim que forem diagnosticadas. As taxas de infecção pelo vírus diminuíram constantemente.
"A experiência que tivemos é que falar abertamente, e não culpar nem criticar as pessoas pela situação, ajudou a mudar as coisas." De volta às montanhas, Moloi faz uma curta caminhada até chegar ao túmulo do filho.
A morada final de Tlohang está localizada em um terreno com uma vista impressionante, repleta de riachos, vegetação e pequenas casas. Moloi é uma entre várias pessoas em Lesoto que estão enfrentando a dor de perder alguém por suicídio.
Enquanto admiramos a vista, ela diz que tem uma mensagem para aqueles que se encontram na mesma situação mental que o filho estava.
"Eu diria às pessoas que tirar a própria vida nunca é uma solução. O que você precisa fazer é conversar com as pessoas ao seu redor para que possam ajudá-lo." Fonte: https://www1.folha.uol.com.br