Sétima edição, que começa nesta segunda e segue até domingo, ocupa igreja na Lapa
RIO — Em sua sétima edição, que começa nesta segunda, dia 4, e segue até domingo, o festival de música exploratória Novas Frequências vai aonde nunca tinha ido: à igreja. Grande atração deste ano, o compositor minimalista norte-americano William Basinski apresenta na sexta-feira, na Igreja do Carmo da Lapa do Desterro, na Lapa, “A shadow in time”, uma espécie de meditação musical em duas partes. A segunda delas é uma homenagem para o visionário pop David Bowie (1947-2016), “For David Robert Jones”, que Basinski fez pensando “no artista que criou os vários Bowies e tanto mais”.
— Adoro me apresentar em igrejas. E esta peça, em particular, é uma missa fúnebre para amigos e heróis, estou ansioso! — conta ele, por e-mail.
Curador do Novas Frequências, Chico Dub diz que “A shadow in time” acabou juntando o útil ao agradável: criou uma bela oportunidade para chamar o ídolo William Basinski e fez com que as igrejas do Rio de Janeiro vissem com alguma simpatia a ideia de receber um evento do festival.
— O palco não é o único lugar onde queremos fazer nossos shows — prega Chico, que este ano leva o NF ao MAM (onde fica, de hoje a domingo, a instalação sonora “To the bone”, do inglês Nicolas Field e do carioca Pontogor), Parque Laje, Audio Rebel, Oi Futuro Flamengo, Teatro XP Investimentos e o Teatro Municipal (para o encerramento do festival, com o ensemBle baBel tocando Christian Marclay e o Chelplexx).
Nascido em 1958, no Texas, Basinski conta que David Bowie o influenciou “de muitas formas”.
— Meus professores queriam que eu me tornasse o primeiro clarinetista da Filarmônica de Nova York mas eu preferia ser Bowie, então comprei um saxofone tenor e fui tocar jazz — diz. — Os álbuns de David Bowie mudariam tão de repente que às vezes era um choque. Sua composição e sua habilidade em encontrar sempre os músicos certos para cada trabalho eram espetaculares. E que estilo ele tinha! Era apenas um artista completo, um gênio delicioso.
Aos 20 anos, inspirado por minimalistas como Steve Reich e Brian Eno (que trabalhara com Bowie na sua trilogia de álbuns gravados em Berlim, entre 1977 e 1979), Basinski começou a desenvolver uma música meditativa, com melodias curtas, construída a partir de manipulação de fitas magnéticas. Em 1983, lançou sua primeira gravação “Shortwavemusic”. No mesmo ano, a banda de rockabilly em que tocava, o Rockats, foi escalada para abrir o show de David Bowie em Hershey, na Pensilvânia. Basinski foi apresentado ao gerente de turnê do ídolo e pediu para que entregasse a ele um cassete de “Shortwavemusic”.
— O cara perguntou se eu gostaria de conhecer Bowie — recorda-se. — E de repente lá estava ele, no seu terno amarelo canário com sua pompadour amarela combinando, e ele veio até mim com um grande sorriso e disse: “Billy! Excelente trabalho de sax! Muito bom conhecê-lo... bem, mas tenho que voltar ao escritório, o chefe está esperando, você gostaria de assistir ao show dos bastidores?” Eu estava, naturalmente, espantado e acho que eu murmurei um “sim, por favor”, e assim ele se foi.
O som do 11 de setembro
William Basinski começaria a ficar mais conhecido fora do meio da música experimental e das galerias de arte de Nova York (onde morou até 2008) por causa do disco “The disintegration loops”, que fez em 2001 a partir de velhas fitas suas que estavam se degradando. Na obra, ele capturou, de forma bela e dramática, o desaparecimento gradual do som, à medida em que o óxido se despregava do suporte plástico — e o trabalho, lançado em 2002, logo foi tomado como uma metáfora sonora para os ataques terroristas de 11 de setembro às torres gêmeas, que mudaram o mundo. Mesmo com todas as facilidades da tecnologia digital, ele não abandonou a manipulação de fitas para criar “A shadow in time”, lançado em janeiro deste ano:
— Eu faço o melhor que posso com as ferramentas que me deram, as fitas. Elas são relevantes para mim... são analógicas, orgânicas, não a cópia digital de algo. É disso que eu gosto.
Num ano em que o Novas Frequências desenvolve o tema “raízes” (abordando, segundo Chico Dub, pioneirismo, natureza e ecossistemas, voz, corpo, infância, DNA, origem, novos encontros e colaborações), William Basinski divide os holofotes com outro grande nome da música experimental: o japonês Otomo Yoshihide, guitarrista que segue a cartilha da improvisação, movendo-se entre o noise e o free jazz. Ele se apresenta hoje, no Teatro XP Investimentos, com Felipe Zenícola e Renato Godoy, do grupo Chinese Cookie Poets, e também solo, realizando experimentos com toca-discos e vinis preparados.
Novas Frequências 2017
Onde: Teatro XP Investimentos, Audio Rebel e outros (programação completa em www.novasfrequencias.com/2017).
Quando: De hoje a 10/12.
Quanto: Grátis ou com ingressos até R$ 80.
CLASSIFICAÇÃO: Livre.
Fonte: https://oglobo.globo.com