Pe. Edivaldo Pereira dos Santos
Encontramos na Bíblia uma das páginas mais duras da experiência humana: o beijo, uma das mais genuínas expressões de amor, convertido em estratagema de traição, onde uma das motivações era o “metal vil”. Judas, amigo de mesa e apóstolo de Jesus o entrega aos romanos com um beijo.
Vejamos o que diz o texto:
Predisposição de trair. “Judas Iscariot, um dos Doze, foi aos chefes dos sacerdotes para entregá-Lo a eles. Ao ouví-lo, alegraram-se e prometeram dar-lhe dinheiro. E ele procurava uma oportunidade para entregá-lo” (Mc 14,10-11).
O “cheiro” da traição. “Ao cair da tarde, Ele foi para lá com os Doze. E quando estavam à mesa, comendo, Jesus disse: ‘Em verdade vos digo: um de vós que come comigo há de me entregar’. Começaram a ficar tristes e dizer-lhe, um após outro: ‘acaso sou eu?’ Ele, porérm, disse-lhes: ‘um dos Doze, que coloca a mão no mesmo prato comigo’” (Mc 14,17-20).
O beijo como senha. “E, imediatamente, enquanto ainda falava, chegou Judas, um dos Doze, com uma multidão trazendo espadas e paus, da parte dos chefes, dos sacerdotes, escribas e anciãos. O seu traidor dera-lhes uma senha dizendo: ‘É aquele que eu beijar. Prendei-o e levai-o bem guardado’. Tão logo chegou, aproximando-se dele disse: ‘Rabi!’ E o beijou. Eles lançaram a mão sobre ele e o prenderam” (Mc 14,43-46).
O remorso. “Então, Judas, que o entregara, vendo que Jesus fora condenado, sentiu remorsos e veio devolver aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata dizendo: ‘Pequei, entregando um sangue inocente’. Mas estes responderam: ‘Que temos nós com isso? O problema é teu!’ Ele, atirando as moedas no Templo, retirou-se e foi enforcar-se” (Mt 27,3-5).
E agora é conosco! O que estas palavras tem a ver conosco? De que modo nos atinge, ensina e corrige? Que problemática concreta ela encerra?
Rastro destruidor. Sabemos que a problemática da traição não se circunscreve, simplesmente, em torno a dramas de ordem sexual. E, mesmo sendo esta uma das que mais afeta vidas, pessoas, e famílias, vai além disso.
Sendo assim, não precisamos recorrer às abstrações e/ou aos eufemismos para dizer que a traição já atingiu a vida de muitas pessoas e deixou o seu rastro destruidor.
“Mediações da traição”. Toda traição tem em comum a utilização de elementos (ou mediações) que são fatores de convivência e do mais genuíno relacionamento humano. No caso de Judas, o beijo e, de “outros” Judas, a casa, a cama, o trabalho, a fé, a amizade, um algo partilhado. Isso, certamente é o que mais influencia no estado da pessoa que é “vítima”.
O problema não é tanto o ato em si, mas as “mediações” que, antes favoreciam o inter-relacionamento saudável e que, de uma hora para outra se transformou em “plataforma” do desespero. E, agora?
Reações imediatas. São diversas as reações de quem foi traído: a desconfiança de tudo e de todo, sentimento de ter sido usado, enojamento da pessoa em questão, distanciamento, agressividade, apassivamento, cumplicidade, depreciação de si mesmo, fuga, sentimentos de auto destruição, humilhação, medo, insegurança… e a rejeição tácita a “freqüentar” a “mediação” que favoreceu a traição.
A experiência concreta demonstra que o cenário da traição escapa da minúscula dimensão de acontecimento e lança raízes na dimensão existencial. Quer dizer, prejudica profundamente a vida de uma pessoa. Sendo assim, se suporta até a morte, mas ninguém admite o “beijo” de Judas, o beijo de traição! Fonte: https://diocesedeoeiras.org