Sermão do Encontro de Bom Jesus dos Passos e Nossa Senhora das Dores

“Os sete passos de Jesus nas sete capelinhas dos Passos“

Dom Pedro Brito Guimarães,

Arcebispo de Palmas – TO

Oeiras – PI, 11/04/2025

 

Amados e amadas de Deus, tenho sede!

Sou Dom Pedro Brito Guimarães, atualmente Arcebispo de Palmas. Muito agradecido a Oeiras por ter me acolhido, em 1976, como seminarista menor. Morei aqui, três anos, no antigo Palácio Episcopal. Estudei na Escola Normal Presidente Castelo Branco. Fiz estágio pastoral na paróquia Nossa Senhora da Vitória. Fui modelo do Cristo Crucificado que se encontra na Igreja da Conceição, esculpido pelo padre Ângelo, de saudosa memória.

Hoje, estou aqui, convidado por Dom Edilson, bispo desta diocese, para proferir o Sermão do Encontro de Bom Jesus dos Passos com Nossa Senhora das Dores, Mãe da Soledade. Esta Praça é testemunha viva de muitos Sermões memorais. Certamente os nossos ouvidos já ouviram muitos destes Sermões.

Para ser breve, escolhi para esta nossa meditação e oração OS SETE PASSOS DE JESUS, antes de ser pregado na Cruz, que correspondem simbolicamente às sete Capelinhas dos Passos. A piedade popular convencionou chamar este Encontro de Jesus, com sua mãe, de Quarta Estação da Via-Sacra. Retorno já a este quinto passo. Seguirei a inteligência espiritual da paixão de Jesus, segundo João (Jo 18,28-19,16). Segundo este evangelista, Jesus deu sete Passos até chegar a hora da sua morte na cruz:

 

Primeiro: O PASSO DE JESUS NO JARDIM DAS OLIVEIRAS, ao lado da torrente do Cedron. Tudo começou em um jardim, como os primeiros habitantes desta terra, Adão e Eva. A terra foi feita no formato ou na configuração de um jardim. Hoje já não é mais assim. Hoje, quase não se cultiva mais jardim. A terra se parece mais um deserto do que um jardim. Como reza a Campanha da Fraternidade 2025 – Fraternidade e Ecologia Integral – por meio da conversão ecológica, passamos do deserto ao jardim novamente. Foi num ambiente ecologicamente harmonioso como o de um jardim que “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). No Antigo Testamento, este jardim chamava-se de Éder. Aqui, no Novo Testamento, o jardim é chamado de Oliveira. Foi neste jardim que houve o fatídico beijo de Judas. E foi também neste jardim que Jesus fez a pergunta do milênio: “a quem procurais?” Esta mesma pergunta Jesus faz hoje, aqui e agora, a todos e a cada um de nós: “a quem procurais?” Na manhã da Páscoa, Maria Madalena confundiu Jesus com um jardineiro.

 

O segundo: O PASSO DA PRISÃO DE JESUS. Os soldados e os guardas dos judeus prenderam Jesus e o levaram a Anás, genro de Caifás, Sumo Sacerdote daquela época. Neste segundo passo, Pedro traiu a Jesus, como Judas, no primeiro passo, também o traiu. A traição parece algo normal na nossa cultura. Quantos de nós traímos ou fomos traídos! O traidor é primeiramente traidor de si mesmo, dos seus princípios e dos seus acordos e só depois é traidor de alguém. Por que Jesus não nega o Pai e Pedro nega Jesus? Porque Jesus se apoia no Pai e Pedro se apoia em si mesmo. Mas em Jesus, custou a sua vida. Se Jesus não tivesse sido traído, provavelmente não teria sofrido o martírio que sofreu. Neste segundo passo é característico o interrogatório. Às vezes, somos exímios especialistas em interrogatórios. Com tantas perguntas, Jesus se incomodou e perguntou a eles: por que me interrogas? Por causa desta sua pergunta, Jesus ganhou bofetadas e foi torturado, no corpo e na alma. Entende-se aqui interrogatório como condenação sumária, sem direito de defesa.

 

Terceiro: JESUS NA PRESENÇA DE CAIFÁS. Este foi o passo mais curto. Mas foi um passo fatal. O suficiente para traçar o destino de Jesus. O característico neste passo é, novamente, a traição de Pedro. Foi neste passo que o galo cantou três vezes, anunciando a traição de Pedro. Se esta moda pegar, todas às vezes que trairmos o galo canta, vai faltar galos para cantar as nossas traições.

 

Quarto passo: JESUS ENVIADO AO PALÁCIO DO GOVERNADOR. Há um ditado popular que diz: “fulano entrou na história, como Pilatos entrou no Credo”. Mas Pilatos não é tão inocente assim. Não entra no Credo inocentemente. Na cadeia das responsabilidades pela morte de Jesus, Pilatos é um elo importante. De fato, Pilatos é um personagem secundário neste passo, pois, na paixão, Jesus é sempre o personagem principal. Jesus é tido, neste passo, como malfeitor. “Malfeitor”, em outras palavras, significa “feitor de coisas feias e más”. Para nós, cristãos, Jesus passou no mundo fazendo o bem a todos, coisas boas e bonitas (At 10,37). Mas para seus algozes, Jesus fez coisas feias e ruins. O reinado de Deus, uma das ações que Jesus mais fez na sua vida pública, é entendido como ameaça ao reinado de Pilatos, no império Romano. Jesus desfaz este equívoco afirmando que o seu Reino não deste mundo. Jesus não se deixa julgar. É Ele que julga os que estão lhe julgando. Ele mesmo reina neste julgamento. A elevação de Jesus na cruz, segundo João, é similar à elevação de um rei ao trono. Jesus elevado na cruz, é elevado e exaltado ao seu reinado. Aqui está o reinado de Jesus: dar a sua vida por nós. Não conseguiu convencer Pilatos. A liberdade de Jesus foi trocada pela liberdade de Barrabás. Anistiar Barrabás para condenar Jesus é  chegar ao limite da legalidade judicial. Lembrado de que “Barrabás” não é o nome de registro de uma pessoa física. Etimologicamente, significa “filho do pai”. Quem é o pai de Barrabás? Pai de quem? Filho de quem? Barrabás é pai e é filho das bandidagens e dos julgamentos parciais, nefastos e tendenciosos que punem inocentes e absolvem culpados. Neste passo, também Jesus é flagelado, insultado, blasfemado, coroado de espinhos, vestido com manto vermelho e, por fim, crucificado. Daqui, com a cruz nos ombros, Jesus é conduzido ao Calvário. Ali suas vestes foram repartidas em quatro partes, uma para cada soldado. Não sabemos o que eles fizeram destas roupas rasgadas. Só sabemos que foi para se cumprir a Escritura (Jo 19,23).

 

Quinto: O ENCONTRO DE JESUS COM SUA MÃE e com as outras mulheres, amigas de Jesus. Tudo cai na conta e no colo da mãe. Neste quarto passo, Jesus que não tinha mais quase nada, agora não terá nem a sua mãe. Até sua mãe, ele a deu. Neste passo Maria sofreu as três últimas dores de suas sete dores, como a tradição as convencionou chamá-las. A quarta dor: Maria encontra o seu Filho a caminho do Calvário. A quinta dor: Jesus morre na Cruz. E a sexta dor: Jesus é descido da cruz e entregue a sua Mãe. Na cruz Jesus não tem mais nada para si, nem mesmo a sua mãe. Mas tem uma coisa que não a desejou, mas que o fez sofrer ardentemente: “TENHO SEDE” (Jo 19, 28-29). E deram-lhe de beber vinagre, uma bebida que não chegou a ser vinho. Os grandes místicos viram nesta sede de Jesus uma sede mais profunda, que torturava sua alma e seu coração: sede de doação, de Deus, do Reino, do infinito, de amor, de paz, de mim e de nós. A sede física e biológica não é tão fatal quanto as sedes existencial e espiritual. A sede de Jesus é o seu amor pelo Pai e pela humanidade. Esta também deverá ser a sede que mais nos fascina, nos empurra, nos contagia e nos faz apaixonados pelo Reino. Madre Teresa de Calcutá se via na ótica da sede de Jesus: “a sede de Jesus se torna a minha sede”. Em todo o caso, este brado de Jesus: – “TENHO SEDE” – é dirigido a todos nós, a cada um de nós… Mas tinha uma coisa: a sede. Tenho sede! Deste ofegante grito de Jesus na cruz, terei o meu lema episcopal. De que Jesus tem realmente sede? De mim, de você, de nós. Nesta doação de Maria está o nascimento da Igreja. Maria e os apóstolos se constituem o núcleo central da Igreja de Jesus.

 

Sexto: JESUS MORRE NA CRUZ. Sede é sonho, é desejo, é desiderata. Deixar de ter sede é começar a morrer. A sede fez Jesus inclinar a cabeça. Ofereceu o perdão ao ladrão arrependido e pediu ao Pai que perdoasse todos aqueles e aquelas que não sabem o que fazem. Ele, de fato, derramou seu sangue pelos nossos pecados. Depois que Jesus bebeu vinagre, inclinou a cabeça, entregou o seu espírito e, segundo João, disse: “tudo está consumado!” (Jo 19,30). Segundo o papa Bento XVI, no seu livro Jesus de Nazaré, esta palavra “consumado” alude ao lava-pés: “amou até o fim” (Jo 13,1). Jesus foi até o fim, até o limite e para além do limite. A morte na cruz, segundo o Papa Bento, foi um acontecimento cósmico e litúrgico: o sol escondeu-se, o véu do templo rasgou-se em dois, a terra tremeu, os mortos ressuscitaram. Mais importante é o sinal da fé: “verdadeiramente, diz o centurião, este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). Inclinando a cabeça Jesus pronunciou o seu último veredito: “tudo está consumado”. Jesus morreu na cruz para nos salvar. Para João, Jesus não morreu simplesmente, “entregou o seu espírito”. Em respeito à morte de Jesus, um minuto de silêncio. E a mim, o que isto diz? O que faz a minha cabeça se inclinar? Ou tenho o pescoço duro, a cabeça dura, a cerviz dura? Quais são os sinais desta dureza? A afetividade mal resolvida gera agressividade e aspereza. A falta de oblatividade e de doação é sinal de que falta em nós a sede de amor, de doação, de autoentrega. Fazer nossa, a sede do Senhor, é viver para o serviço e para a doação. Inclinar a cabeça foi o gesto, o sentimento mais profundo, mais límpido que Jesus teve em toda a sua vida. Esta, na verdade, foi a sua hora. A hora da sua entrega, da conclusão da sua obra. De fato, em Jo 17,4, ele mesmo fala da conclusão da sua obra com a sua morte. E também diz, em Jo 4, 31-34, que o seu alimento era fazer a vontade do Senhor: consumar a sua obra. É por isso que quando tudo estava consumado (Jo 19,28), inclinando à cabeça, entregou o seu espírito (v. 30). O seu último AMÉM, livremente. E diz, em Jo 10,15c-18: “dou a minha vida livremente, entrego-a voluntariamente”. E esta é também a nossa missão de guias espirituais: ser lâmpada acesa, deixar-nos consumir pelo irmão.

 

Sétimo: JESUS É RETIRADO DA CRUZ. No final destes seus passos, aparece a coragem de amigos de Jesus, José de Arimateia e Nicodemos. A exemplo destes dois amigos de Jesus, vamos retirar Jesus da cruz e levá-lo em nossos corações, não para ser sepultado, mas para ser guardado e cuidado para sempre por nós.

Caros irmãos e irmãs, a Via-Sacra que o papa preside, no Coliseu, em Roma, na sexta-feira santa:  Jesus encontra sua mãe.  Diz São João: “Então Jesus, ao ver ali ao pé da cruz a sua mãe e o discípulo que ele amava, disse (…) ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua (Jo 19, 26-27). As meditações das famosas Vias-Sacras do Coliseu, nos últimos anos, foram preparadas por bispos, religiosos, famílias, jovens, estudantes, casais, missionários, migrantes e refugiados de guerra. Esta última, de 2024, foi escrita, de próprio punho, pelo Papa Francisco. Mal sabia ele que este ano estaria passando, certamente, pela maior e mais dolorosa via-sacra da sua vida. Desta Via-Sacra, escrita, de próprio punho, extraí este trecho:

“Jesus, os vossos abandonaram-vos, Judas traiu-vos, Pedro renegou-vos: ficastes sozinho com a cruz. Mas está lá a vossa mãe. Não são necessárias palavras, bastam os seus olhos, que sabem enfrentar o sofrimento e ocupar-se dele. Jesus, no olhar de Maria cheio de lágrimas e de luz, encontrais a memória da ternura, das carícias, dos braços amorosos que sempre Vos acolheram e sustentaram. O olhar materno é o olhar da memória, que nos fundamenta no bem. Não se pode prescindir duma mãe que nos traz ao mundo, mas também não podemos prescindir duma mãe que nos ponha direitos, no mundo. Vós o sabeis e, da cruz, dais-nos a vossa própria mãe. Eis a tua mãe – dizeis ao discípulo, a cada um de nós: depois da Eucaristia, dais-nos Maria, a dádiva extrema antes de morrer. Jesus, no vosso caminho, serviu-Vos conforto a recordação do seu amor; também o meu caminho precisa de se fundar na memória do bem. Dou-me conta, porém, que a minha oração é pobre de memória: rápida, apressada, uma lista de necessidades para hoje e amanhã. Maria, detende a minha corrida! Ajudai-me a fazer memória: a guardar a graça, a lembrar o perdão e os prodígios de Deus, a reavivar o primeiro amor, a saborear as maravilhas da providência, a chorar de gratidão.

E, para concluir este memorial, rezando pela saúde do Papa Francisco, vamos fazer um minuto de silêncio. Rezemos, dizendo: Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor.

Quando reaparecem as feridas do passado

 

Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor.

Quando extravio o sentido e o fio das coisas

 

Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor.

Quando perco de vista os dons que recebi

 

Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor.

Quando perco de vista o dom que sou

 

Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor.

Quando me esqueço de Vos agradecer

 

Senhor, reavivai em mim a recordação do vosso amor.

Ó Maria concebida sem pecado. Rogai por nós que recorremos a vós. Rogai por nós, Santa Mãe de Deus para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Quais são as promessas de Cristo que devemos ser dignos?

Olhemos então para Maria, a Virgem das Dores, Mãe da Soledade, e respondamos “EU”, quando eu perguntar:

1-Quem quer receber Maria em sua casa? – Diga: EU!

2-Quem quer levar Maria para a sua casa? – Diga: EU!

3-Quem quer imitar as virtudes de Maria na sua vida diária? – Diga: EU.

Amém! Fonte: https://diocesedeoeiras.org