Novos beatos: o sacerdote jesuíta Rutílio Grande e o jovem Carlo Acutis
- Detalhes
O Papa Francisco autorizou a Congregação para as Causas dos Santos a promulgar os Decretos que aprovam novas beatificações e canonizações, assim como novos Servos de Deus. Entre os novos beatos, o padre jesuíta de El Salvador Rutílio Grande García e o jovem italiano Carlo Acutis
Cidade do Vaticano
Serão beatificados o sacerdote jesuíta Rutílio Grande García e dois seus companheiros. A notícia foi dada pelo cardeal Angelo Becciu, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, depois da autorização do Papa Francisco para promulgar os respectivos Decretos. Padre Rutílio morreu assassinado em 12 de março de 1977 em El Paisnal, El Salvador por ódio à fé. Também será beatificado o jovem italiano Carlo Acutis citado como exemplo pelo Papa para os jovens, na Exortação pós-sinodal pela sua relação saudável com as novas tecnologias.
Também serão proclamados santos, o leigo Beato Lazzaro, conhecido como Devasahayam, morto por ódio à fé na Índia em 1752 e uma religiosa, a Beata Maria Francisca de Jesus (nascida Ana Maria Rubatto), fundadora das irmãs Terciárias Capuchinhas de Loano, nascida em Carmagnola (Itália) em 1844 e falecida em Montevideu (Uruguai) em 1904.
Com o reconhecimento das virtudes heróicas, serão Servos de Deus: o sacerdote diocesano Emilio Venturini, fundador da Congregação das Irmãs Servas de Maria Dolorosa, nascido em Chioggia no Vêneto (1842-1905); o sacerdote diocesano Pirro Scavizzi, de Gubbio (1884-1964); Emílio Recchia, sacerdote professo da Congregação dos Sagrados Estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo, nascido em Verona (1888-1969); e o leigo Mario Hiriart Pulido, nascido em Santiago do Chile (1931-1964). Fonte: https://www.vaticannews.va
6ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Sexta-feira, 21 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Ó Deus, que prometestes permanecer nos corações sinceros e retos, dai-nos, por vossa graça, viver de tal modo, que possais habitar em nós. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 8, 34-9,1)
Naquele tempo, 34chamou Jesus a multidão juntamente com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. 35Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á. 36Pois que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua vida? 37Ou que dará o homem em troca da sua vida? 38Porque, se nesta geração adúltera e pecadora alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os seus santos anjos. 9:1E dizia-lhes: Em verdade vos digo: dos que aqui se acham, alguns há que não experimentarão a morte, enquanto não virem chegar o Reino de Deus com poder.
3) Reflexão Mc 8, 34-9,1
O Evangelho de hoje traz as condições para uma pessoa poder seguir a Jesus. Pedro não entendeu a proposta de Jesus quando este lhe falou do sofrimento e da cruz. Pedro aceita Jesus como Messias, mas não como Messias sofredor. Diante da incompreensão de Pedro, Jesus descreve o anúncio da Cruz e explica o significado da cruz para a vida dos discípulos (Mc 8,27 a 9,1).
Contexto histórico de Marcos: Nos anos 70, quando Marcos escreve, a situação das comunidades não era fácil. Havia muito sofrimento, muitas cruzes. Seis anos antes, em 64, o imperador Nero havia decretado a primeira grande perseguição, matando muitos cristãos. Em 70, na Palestina, Jerusalém estava sendo destruída pelos romanos. Nos outros países, estava começando uma tensão forte entre judeus convertidos e judeus não convertidos. A dificuldade maior era a Cruz de Jesus. Os judeus achavam que um crucificado não podia ser o messias, pois a lei afirmava que todo crucificado devia ser considerado como um maldito de Deus (Dt 21,22-23).
Marcos 8,34-37. Condições para seguir a Jesus
Jesus tira as conclusões que valiam para os discípulos, para os cristãos do tempo de Marcos e para nós que vivemos hoje: Quem quiser vir após mim tome sua cruz e siga-me! Naquele tempo, a cruz era a pena de morte que o império romano impunha aos marginais. Tomar a cruz e carregá-la atrás de Jesus era o mesmo que aceitar ser marginalizado pelo sistema injusto que legitimava a injustiça. A Cruz de Jesus não é fruto de fatalismo da história, nem é exigência do Pai. A Cruz é a conseqüência do compromisso livremente assumido por Jesus de revelar a Boa Nova de que Deus é Pai e que, portanto, todos e todas devem ser aceitos e tratados como irmãos e irmãs. Por causa deste anúncio revolucionário, ele foi perseguido e não teve medo de dar a sua vida. Prova de amor maior não há, que doar a vida pelo irmão. Em seguida, Marcos insere aqui duas frases soltas.
Marcos 8,38-9,1. Duas frases soltas: uma exigência e um aviso.
A primeira (Mc 8,38), é a exigência para não termos vergonha do Evangelho, mas termos sim a coragem de professá-lo. A segunda (Mc 9,1), é um aviso sobre a vinda ou a presença de Jesus nos fatos da vida. Alguns achavam que Jesus viria logo (1Ts 4,15-18). Jesus, de fato, já veio e estava presente nas pessoas, sobretudo nos pobres. Mas eles não o percebiam. Jesus mesmo tinha dito: “Aquela vez que você ajudou o pobre, o doente, o sem casa, o preso, o peregrino, era eu!” (Mt 25,34-45)
4) Para um confronto pessoal
1-Qual é a cruz que pesa sobre mim e que me torna a vida pesada? Como a carrego?
2-Ganhar a vida ou perder a vida; ganhar o mundo inteiro ou perder a alma; ter vergonha do evangelho ou professa-lo publicamente. Como isto acontece em minha vida hoje?
5) Oração final
Feliz o homem que teme o Senhor, e põe o seu prazer em observar os seus mandamentos. Será poderosa sua descendência na terra, e bendita a raça dos homens retos. (Sl 111, 1-2)
A polêmica em torno do Jesus negro da Mangueira
- Detalhes
Grupos religiosos conservadores veem ataque a valores cristãos no enredo da escola de samba para o Carnaval deste ano. Mistura entre religião e festas populares é historicamente controversa – não apenas no Brasil. A reportagem é de Thomas Milz, publicada por Deutsche Welle, 19-02-2020.
Quando o assunto é o Carnaval carioca deste ano, quase só se fala do enredo A verdade vos fará livre, da Estação Primeira de Mangueira, que levará uma versão nada convencional de Jesus Cristo à avenida da Sapucaí: um Jesus negro, índio ou mulher, nascido numa favela e bem diferente do tradicional Jesus loiro de olhos azuis conhecido de tantas imagens.
É com esse tema que o carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, tentará defender novamente o título conquistado em 2019 com o também polêmico enredo História pra ninar gente grande, que falava das pessoas apagadas da história brasileira e homenageou a vereadora assassinada Marielle Franco. O enredo sobre o Jesus favelado é, de certa
"Eu sou da Estação Primeira de Nazaré
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra do Buraco Quente
Meu nome é Jesus da Gente
Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira"
(trecho do enredo A verdade vos fará livre)
Grupos religiosos conservadores, como o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, falam em blasfêmia e ameaçam acionar a Justiça contra a Mangueira. As tensões se dão poucas semanas depois da polêmica envolvendo o "Jesus gay" do especial de Natal do Porta dos Fundos, que levou a um atentado à produtora dos comediantes e acabou no Supremo Tribunal Federal (STF).
Com o enredo deste ano, Vieira quis usar a arte como provocação, para tirar o espectador da sua zona de conforto, analisa o jornalista Aydano André Motta, pesquisador e autor de livros sobre Carnaval, em entrevista à DW Brasil.
"Leandro parte da premissa de que não há uma imagem verdadeira de Jesus. A gente se convencionou, por uma questão de centralismo europeu, de considerar de que Jesus era o Jesus da Renascença, caucasiano de olhos claros", diz.
Tal Jesus também domina o imaginário brasileiro. "Esse enredo é uma obra questionadora de parâmetros brasileiros, que são veículos de intolerância frente à vários aspectos da vida brasileira", comenta Motta.
Os tradicionais grupos de poder, em geral brancos, não querem uma imagem editada do tradicional Jesus branco, avalia o jornalista, afirmando se tratar de uma questão de poder, que passa pela cor de Jesus.
Para o professor Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, a imagem de um Jesus negro é relativamente normal na tradição artística católica brasileira.
"Nossa Senhora Aparecida é uma virgem negra, Ariano Suassuna imagina um Cristo mulato em seus autos, e Cláudio Pastro pintava seus personagens bíblicos com traços negros e índios", diz Borba Neto em conversa com a DW. "Cristos nascidos em favelas também são comuns em presépios montados em nossas igrejas. Até aí não deveríamos ter problemas."
Críticas de entidades religiosas
Esses começariam com o ambiente em que o Jesus aparece, conclui Borba Neto. "A questão é a presença de uma imagem de Cristo em meio a mulheres seminuas, homens supostamente embriagados, foliões LGBT, etc."
Em janeiro, 21 entidades religiosas lideradas pela Arquidiocese do Rio enviaram uma carta à Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), pedindo para serem consultadas sobre futuros enredos com temática religiosa.
Para Borba Neto, foi uma "reação soft". "Institucionalmente, tem havido uma tendência de as arquidioceses dialogarem com as escolas de samba, pois percebem que a mera condenação do uso de temas religiosos no Carnaval acaba se voltando contra a Igreja, considerada retrógrada e intolerante", diz.
O exemplo mais famoso disso é o desfile icônico "Ratos e Urubus", da Beija-Flor, que em 1989 levou para a avenida um Cristo mendigo e uma réplica do Cristo Redentor coberta por um plástico preto devido a uma liminar judicial resultante de um pedido da arquidiocese do Rio de Janeiro. E tal oposição acabou saindo pela culatra. "Com a proibição, essa tornou-se a imagem mais famosa do Carnaval de todos os tempos", lembra Motta.
Diferentes visões sobre o Carnaval
Hoje, a Igreja Católica prefere o diálogo com as escolas de samba. Borba Neto lembra que, em 2017, a arquidiocese de São Paulo aceitou apoiar a Escola de Samba Unidos de Vila Maria, que se propôs a homenagear Nossa Senhora em seu desfile. "As organizações religiosas consideraram a experiência positiva, mas nem por isso evitaram as críticas ao diálogo estabelecido."
"A população cristã brasileira não é homogênea, e nem todos concordam que no Carnaval tudo é permitido", avalia Borba Neto. "Além disso, existe hoje um ressentimento cultural dos cristãos conservadores, que se sentem desrespeitados moralmente pelo establishment cultural hegemônico no país."
Devido ao aspecto permissivo da festa, as comunidades religiosas frequentemente buscam afastar-se do Carnaval, segundo Borba Neto. "Assim, a inclusão de motivos religiosos parece uma blasfêmia que ofende a comunidade religiosa. Contudo, a população cristã brasileira é muito grande e heterogênea. Há os que se ofendem com o Carnaval, há os que querem até 'cristianizar' a festa, daí as polêmicas."
Misturar religião e festas populares é historicamente motivo de conflito. "Pelo menos desde a Idade Média, o mundo cristão experimenta sempre, nas artes e nas festas, um diálogo problemático entre o sacro e o profano. Existe sempre uma 'contaminação' de elementos não religiosos, e até contrários aos valores religiosos, nesse diálogo. Por isso, já no século 16, na Europa, aconteceram as primeiras proibições a peças teatrais que misturassem aspectos sacros com profanos", aponta Borba Neto.
"O Carnaval não é uma festa pagã, mas uma festa tremendamente religiosa", diz Motta. Ele destaca que muitas escolas de samba nasceram com a presença de Mães e Pais de Santos, dentro de terreiros de Umbanda e do Candomblé. Nos estatutos das escolas, há a presença de figuras religiosas, de matriz africana e, também, de figuras católicas", diz Motta.
"E desde os anos 60, os desfiles cada vez mais falam de orixás e de ícones católicos, seguindo o sincretismo existente na sociedade brasileira. Enquanto os 'donos das igrejas' muitas vezes se mostraram incomodados, os fiéis aparentemente não tiveram problemas com isso", conclui. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
6ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Quinta-feira, 20 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Ó Deus, que prometestes permanecer nos corações sinceros e retos, dai-nos, por vossa graça, viver de tal modo, que possais habitar em nós. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 8, 27-33)
Naquele tempo, 27Jesus saiu com os seus discípulos para as aldeias de Cesareia de Filipe, e pelo caminho perguntou-lhes: Quem dizem os homens que eu sou? 28Responderam-lhe os discípulos: João Batista; outros, Elias; outros, um dos profetas. 29Então perguntou-lhes Jesus: E vós, quem dizeis que eu sou? Respondeu Pedro: Tu és o Cristo. 30E ordenou-lhes severamente que a ninguém dissessem nada a respeito dele. 31E começou a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem padecesse muito, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, e fosse morto, mas ressuscitasse depois de três dias. 32E falava-lhes abertamente dessas coisas. Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo. 33Mas, voltando-se ele, olhou para os seus discípulos e repreendeu a Pedro: Afasta-te de mim, Satanás, porque teus sentimentos não são os de Deus, mas os dos homens.
3) Reflexão Mc 8,27-33
O Evangelho de hoje fala da cegueira de Pedro que não entende a proposta de Jesus quando este fala do sofrimento e da cruz. Pedro aceita Jesus como messias, mas não como messias sofredor. Ele está influenciado pelo “fermento de Herodes e dos fariseus”, isto é, pela propaganda do governo da época que só falava do messias como rei glorioso. Pedro parecia cego. Não enxergava nada e ainda queria que Jesus fosse como ele, Pedro, o queria. Para entender bem todo o alcance desta cegueira de Pedro é importante coloca-la no seu contexto literário.
Contexto literário: O evangelho de Marcos traz três anúncios da paixão e morte de Jesus: o primeiro em Marcos 8,27-38; o segundo em Mc 9,30-37 e o terceiro em Mc 10,32-45. Este conjunto, que vai de Mc 8,27 até Mc 10,45, é uma longa instrução de Jesus aos discípulos para ajuda-los a superar a crise provocada pela Cruz. A instrução é introduzida pela cura de um cego (Mc 8,22-26) e, no fim, é encerrada pela cura de outro cego (Mc 10,46-52). Os dois cegos representam a cegueira dos discípulos. A cura do primeiro cego foi difícil. Jesus teve que realizá-la em duas etapas. Igualmente difícil era a cura da cegueira dos discípulos. Jesus teve que fazer uma longa explicação a respeito do significado da Cruz para ajudá-los a enxergar, pois era a cruz que estava provocando neles a cegueira. Vejamos de perto a primeira cura do cego:
Marcos 8,22-26: A primeira cura do cego.
Trouxeram um cego, pedindo que Jesus o curasse. Jesus o curou, mas de um jeito diferente. Primeiro, ele o levou para fora do povoado. Em seguida, cuspiu nos olhos dele, impôs as mãos e perguntou: Você está vendo alguma coisa? O homem responde: Vejo pessoas; parecem árvores que andam! Enxergava só uma parte. Trocava árvore por gente, ou gente por árvore! Foi só na segunda tentativa que Jesus o curou. Esta descrição da cura do cego introduz a instrução aos discípulos. Na realidade, o cego era Pedro. Ele aceitava Jesus como messias, mas só como messias glorioso. Enxergava só uma parte! Não queria o compromisso da Cruz! Será também em várias tentativas que Jesus vai curar a cegueira dos discípulos.
Marcos 8,27-30. Levantamento da realidade: Quem diz o povo que eu sou?.
Jesus perguntou: “Quem diz o povo que eu sou?”. Eles responderam relatando as várias opiniões: -“João Batista”. -“Elias ou um dos profetas”. Depois de ouvir as opiniões dos outros, Jesus perguntou: “E vocês, quem dizem que eu sou?”. Pedro respondeu: “O senhor é o Cristo, o Messias!” Isto é, o Senhor é aquele que o povo está esperando! Jesus concordou com Pedro, mas proibiu de falar sobre isto ao povo. Por que Jesus proibiu? É que naquele tempo, todos esperavam a vinda do messias, mas cada um do seu jeito: uns como rei, outros como sacerdote, doutor, guerreiro, juiz, profeta! Ninguém parecia estar esperando o messias servidor e sofredor, anunciado por Isaías (Is 42,1-9).
Marcos 8,31-33. Primeiro anúncio da paixão.
Em seguida, Jesus começa a ensinar que ele é o Messias Servidor e afirma que, como o Messias Servidor anunciado por Isaías, será preso e morto no exercício da sua missão de justiça (Is 49,4-9; 53,1-12). Pedro leva susto, chama Jesus de lado para desaconselhá-lo. E Jesus responde a Pedro: “Vá embora Satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as dos homens!” Pedro pensava ter dado a resposta certa. De fato, ele disse a palavra certa: “Tu és o Cristo!” Mas não lhe deu o sentido certo. Pedro não entendeu Jesus. Era como o cego. Trocava gente por árvore! A resposta de Jesus foi duríssima: “Vá embora, Satanás!” Satanás é uma palavra hebraica que significa acusador, aquele que afasta os outros do caminho de Deus. Jesus não permite que alguém o afaste da sua missão. Literalmente, o texto diz: “Atrás de mim, Satanás!” Pedro deve seguir Jesus. Não deve inverter os papeis e pretender que Jesus siga a Pedro.
4) Para um confronto pessoal
1) Acreditamos todos em Jesus. Mas um entende Jesus de um jeito, outro o entende de outro jeito. Qual é, hoje, a imagem mais comum que o povo tem de Jesus? Qual a resposta que o povo daria hoje à pergunta de Jesus? E eu que resposta dou?
2) O que nos impede hoje de reconhecer Jesus como o Messias?
5) Oração final
Bendirei continuamente ao Senhor, seu louvor não deixará meus lábios. Glorie-se a minha alma no Senhor; ouçam-me os humildes, e se alegrem. (Sl 33, 2-3)
Quarta-feira, 19 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Ó Deus, que prometestes permanecer nos corações sinceros e retos, dai-nos, por vossa graça, viver de tal modo, que possais habitar em nós. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 8, 22-26)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos - Naquele tempo, 22Chegando Jesus e seus discípulos a Betsaida, trouxeram-lhe um cego e suplicaram-lhe que o tocasse. 23Jesus tomou o cego pela mão e levou-o para fora da aldeia. Pôs-lhe saliva nos olhos e, impondo-lhe as mãos, perguntou-lhe: Vês alguma coisa? 24O cego levantou os olhos e respondeu: Vejo os homens como árvores que andam. 25Em seguida, Jesus lhe impôs as mãos nos olhos e ele começou a ver e ficou curado, de modo que via distintamente de longe. 26E mandou-o para casa, dizendo-lhe: Não entres nem mesmo na aldeia. - Palavra da salvação.
3) Reflexão Jo 15,9-17
O Evangelho de hoje conta a cura de um cego. Este episódio da cura forma o início de uma longa instrução de Jesus aos discípulos (Mc 8,27 a 10,45) que, por sua vez, termina com a cura de um outro cego (Mc 10,46-52). No meio deste contexto mais amplo Marcos sugere aos leitores que os cegos de verdade são Pedro e os outros discípulos. Somos todos nós! Eles não entendiam a proposta de Jesus quando este falava do sofrimento e da cruz. Pedro aceitava Jesus como messias, mas não como messias sofredor (Mc 8,27-33). Ele estava influenciado pela propaganda do governo da época que só falava do messias como rei glorioso. Pedro parecia cego. Não enxergava nada e ainda queria que Jesus fosse como ele, Pedro, o queria.
* O evangelho de hoje mostra como foi difícil a cura do primeiro cego. Jesus teve que realizá-la em duas etapas. Igualmente difícil foi a cura da cegueira dos discípulos. Jesus teve que fazer uma longa explicação a respeito do significado da Cruz para ajudá-los a enxergar, pois era a cruz que estava provocando neles a cegueira.
No ano 70, quando Marcos escreve, a situação das comunidades não era fácil. Havia muito sofrimento, muitas cruzes. Seis anos antes, em 64, o imperador Nero tinha decretado a primeira grande perseguição, matando muitos cristãos. Em 70, na Palestina, Jerusalém estava sendo destruída pelos romanos. Nos outros países, estava começando uma tensão forte entre judeus convertidos e judeus não convertidos. A dificuldade maior era a Cruz de Jesus. Os judeus achavam que um crucificado não podia ser o messias tão esperado pelo povo, pois a lei afirmava que todo crucificado devia ser considerado como um maldito de Deus (Dt 21,22-23).
Marcos 8,22-26: Cura de um cego.
Trouxeram um cego, pedindo que Jesus o curasse. Jesus o curou, mas de um jeito diferente. Primeiro, ele o levou para fora do povoado. Em seguida, cuspiu nos olhos dele, impôs as mãos e perguntou: Você está vendo alguma coisa? O homem respondeu: Vejo pessoas; parecem árvores que andam! Enxergava só uma parte. Trocava árvore por gente, ou gente por árvore! Foi só na segunda tentativa que Jesus curou o cego e o proibiu de entrar no povoado. Jesus não queria propaganda fácil.
Como dissemos, esta descrição da cura do cego forma a introdução à longa instrução de Jesus para curar a cegueira dos discípulos, que, no fim, termina com a cura de outro cego, o Bartimeu. Na realidade o cego era Pedro. Somos todos nós. Pedro não queria o compromisso da Cruz! E nós será que entendemos o significado do sofrimento na vida?
Entre as duas curas de cego (Mc 8,22-26 e Mc 10,46-52), está a longa instrução sobre a Cruz (Mc 8,27 a 10,45). Parece um catecismo, feita com frases do próprio Jesus. Ela fala sobre a cruz na vida do discípulo e da discípula. A longa instrução consta de três anúncios da paixão. O primeiro é de Marcos 8,27-38. O segundo, de Marcos 9,30-37. O terceiro, de Marcos 10,32-45. Entre o primeiro e o segundo, há uma série de instruções para ajudar a entender que Jesus é o Messias Servo (Mc 9,1-29). Entre o segundo e o terceiro, uma série de instruções que esclarecem que tipo de conversão deve ocorrer na vida dos que aceitam Jesus como Messias Servo (Mc 9,38 a 10,31).
Mc 8,22-26: a cura de um cego
Mc 8,27-38: primeiro anúncio da Cruz
Mc 9,1-29: instruções aos discípulos sobre o Messias Servo
Mc 9,30-37: Segundo anúncio da Cruz
Mc 9,38 a 10,31: instruções aos discípulos sobre a conversão
Mc 10,32-45: terceiro anúncio da Cruz
Mc 10,46-52: a cura do cego Bartimeu
O conjunto desta instrução tem como pano de fundo a caminhada da Galileia até Jerusalém. Desde o começo até o fim desta longa instrução, Marcos informa que Jesus está a caminho de Jerusalém, onde será preso e morto (Mc 8,27; 9,30.33; 10,1.17.32). A compreensão plena do seguimento de Jesus não se obtém pela instrução teórica, mas sim pelo compromisso prático, caminhando com ele no caminho do serviço, desde a Galileia até Jerusalém. Quem insiste em manter a ideia de Pedro, isto é, do Messias glorioso sem a cruz, nada vai entender e nunca chegará a tomar a atitude do verdadeiro discípulo. Continuará cego, trocando gente por árvore (Mc 8,24). Pois sem a cruz é impossível entender quem é Jesus e o que significa seguir Jesus.
O Caminho do seguimento é o caminho da entrega, do abandono, do serviço, da disponibilidade, da aceitação do conflito, sabendo que haverá ressurreição. A cruz não é um acidente de percurso, mas faz parte deste caminho. Pois num mundo, organizado a partir do egoísmo, o amor e o serviço só podem existir crucificados! Quem faz da sua vida um serviço aos outros, incomoda os que vivem agarrados aos privilégios, e sofre.
4) Para um confronto pessoal
1-Todos acreditamos em Jesus. Mas um entende Jesus de um jeito, outro o entende de outro jeito. Qual é, hoje, o Jesus mais comum no modo de pensar do povo? Como a propaganda interfere no meu modo de ver Jesus? O que faço para não cair engano da propaganda?
2-O que Jesus pede às pessoas que querem segui-lo? O que, hoje, nos impede de reconhecer e de assumir o projeto de Jesus?
5) Oração final
SENHOR, quem pode habitar na tua tenda? E morar no teu santo monte Aquele que vive sem culpa, age com justiça e fala a verdade no seu coração. (Sl 14, 1-2)
24 fiéis mortos em ataque contra igreja em Burkina Faso
- Detalhes
O ataque ocorreu na Província de Yagha, quando homens armados invadiram uma igreja durante a celebração do culto dominical, matando 24 pessoas, entre as quais o pastor e deixando ao menos 18 feridas.
Cidade do Vaticano
Outro ataque em Burkina Faso. Desta vez, o alvo foi uma igreja protestante em Pansi, na Província de Yagha, no nordeste do país. O balanço ainda provisório, segundo o declarado pelo governador da região do Sahel, coronel Salfo Kaboré, é de 24 mortos, incluindo o pastor da igreja protestante local, 18 feridos e outras pessoas sequestradas.
O governador informou que o comando, que invadiu a igreja durante o culto de domingo, identificou e separou os moradores locais daqueles que não eram, antes de assassiná-los.
Ataques contra cristãos
Até o momento nenhum grupo assumiu o atentado, mas não é a primeira vez que ocorrem ataques durante celebrações na Província de Yagha. Na quinta-feira passada, um pastor protestante foi sequestrado com quatro membros de sua família e todos foram executados perto de Sebba, a capital da província.
Burkina Faso tem registrado nos últimos meses uma crescente atividade de grupos jihadistas. No entanto, igrejas e cristãos não são os únicos alvos desses grupos armados. Nos ataques aos povoados, que no norte do país africano são registrados há quatro anos, também foram assassinados imames. Desde 2015, seriam de ao menos 700 as vítimas e 600.000 pessoas deslocadas internamente.
No país é muito ativo o Ansarul Islam, um grupo terrorista autóctone, bem como o Grupo para o Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (JNIM), uma organização jihadista que reúne outras quatro, incluindo a Al Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI) e Al Murabitún e, em menor grau, o Estado Islâmico no Grande Saara (ISGS).
Além disso, a violência intercomunitária se intensificou, opondo pastores e agricultores, e causou o deslocamento de milhares de pessoas. Os ataques contra líderes e membros da comunidade cristã no país aumentaram.
Burkina Faso, Níger e Mali são os três países da África Ocidental sujeitos à violência desses grupos armados que, segundo a Organização das Nações Unidas, resultaram na morte de 4 mil pessoas somente em 2019.
Arcebispo de Ouagadougou: pare o mercado de armas!
"Em Burkina Faso, Mali e Níger, é a mesma tragédia – afirmou ao Vatican News o cardeal Philippe Ouèdraogo, arcebispo de Ouagadougou e presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar - é um sofrimento incrível".
Referindo-se ao problema das armas com as quais esses grupos realizam os ataques, o cardeal faz a pergunta: “De onde essas armas vêm? Como chegam? Não há lojas de armas em Burkina, Níger e Mali. Precisamos da solidariedade internacional para bloquear o mercado de armas, que ajuda tanta gente a matar seus irmãos desnecessariamente".
Papa Francisco
No discurso ao Corpo Diplomático, o Papa Francisco chamou a atenção para os episódios de violência contra pessoas inocentes - incluindo os cristãos - no continente africano, citando alguns países:
"Estendendo o olhar para outras partes do continente, dói constatar como continuam – particularmente no Burkina Faso, Mali, Níger e Nigéria – episódios de violência contra pessoas inocentes, entre as quais muitos cristãos perseguidos e mortos pela sua fidelidade ao Evangelho. Exorto a Comunidade Internacional a apoiar os esforços que estes países estão a fazer na luta para derrotar o flagelo do terrorismo, que está a cobrir de sangue partes cada vez mais extensas da África, bem como outras regiões do mundo. À luz destes acontecimentos, é necessário que se implementem estratégias que incluam intervenções não só no campo da segurança, mas também na redução da pobreza, na melhoria do sistema de saúde, no desenvolvimento e na assistência humanitária, na promoção da boa governança e dos direitos civis. Tais são os pilares dum real desenvolvimento social." Fonte: https://www.vaticannews.va
6ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Terça-feira, 18 de janeiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Ó Deus, que prometestes permanecer nos corações sinceros e retos, dai-nos, por vossa graça, viver de tal modo, que possais habitar em nós. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 8, 14-21)
Naquele tempo, 14Aconteceu que eles haviam esquecido de levar pães consigo. Na barca havia um único pão. 15Jesus advertiu-os: Abri os olhos e acautelai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes! 16E eles comentavam entre si que era por não terem pão. 17Jesus percebeu-o e disse-lhes: Por que discutis por não terdes pão? Ainda não tendes refletido nem compreendido? Tendes, pois, o coração insensível? 18Tendo olhos, não vedes? E tendo ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais mais? 19Ao partir eu os cinco pães entre os cinco mil, quantos cestos recolhestes cheios de pedaços? Responderam-lhe: Doze. 20E quando eu parti os sete pães entre os quatro mil homens, quantos cestos de pedaços levantastes? Sete, responderam-lhe. 21Jesus disse-lhes: Como é que ainda não entendeis?
3) Reflexão Mc 8,14-21
O Evangelho de ontem falava do mal-entendido entre Jesus e os fariseus. O evangelho de hoje fala do mal-entendido entre Jesus e os discípulos e mostra como o “fermento dos fariseus e de Herodes” (religião e governo), tinha tomado conta da cabeça dos discípulos a ponto de eles não entenderem mais nada da Boa Nova.
Marcos 8,14-16: Cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes
Jesus adverte os discípulos: “Cuidado com o fermento dos fariseus e de Herodes”. Mas eles não entendem as palavras de Jesus. Acham que ele falou assim por eles terem esquecido de comprar pão. Jesus fala uma coisa e eles entendem outra. Este desencontro era resultado da influência insidiosa do “fermento dos fariseus” na cabeça e na vida dos discípulos.
Marcos 8,17-18ª: As perguntas de Jesus
Diante desta falta quase total de percepção nos discípulos, Jesus faz uma série de perguntas rápidas, sem esperar uma resposta. Perguntas duras que evocam coisas muito sérias e revelam uma total incompreensão por parte dos discípulos. Por incrível que pareça, os discípulos chegaram num ponto em que já não se diferenciavam dos inimigos de Jesus. Anteriormente, Jesus tinha ficado triste com a “dureza de coração” dos fariseus e dos herodianos (Mc 3,5). Agora, os próprios discípulos têm o “coração endurecido” (Mc 8,17). Anteriormente, “os de fora” (Mc 4,11) não entendiam as parábolas, porque “tinham olhos e não enxergavam, ouvidos e não escutavam” (Mc 4,12). Agora, os próprios discípulos já não entendem mais nada, porque “tem olhos e não enxergam, ouvidos e não escutam” (Mc 8,18). Além disso, a imagem do “coração endurecido” evocava a dureza de coração do povo do AT que sempre se desviava do caminho. Evocava ainda o coração endurecido do faraó que oprimia e perseguia o povo (Ex 4,21; 7,13; 8,11.15.28; 9,7...). A expressão “tem olhos e não vêem, ouvidos e não ouvem” evocava não só o povo sem fé, criticado por Isaías (Is 6,9-10), mas também os adoradores dos falsos deuses, dos quais o salmo dizia: “eles têm olhos e não vêem, têm ouvidos e não ouvem” (Sl 115,5-6).
Marcos 18b-21: As duas perguntas sobre o pão
As duas perguntas finais tratam da multiplicação dos pães: Quantos cestos recolheram na primeira vez? Doze! E na segunda vez? Sete! Como os fariseus, os discípulos, apesar de terem colaborado ativamente na multiplicação dos pães, não chegaram a compreender o seus significado. Jesus termina: "E vocês ainda não compreendem?" A maneira de Jesus lançar todas estas perguntas, uma depois da outra, quase sem esperar pela resposta, parece uma ruptura. Revela um desencontro muito grande. Qual a causa deste desencontro?
A causa do desencontro entre Jesus e os discípulos
A causa do desencontro entre Jesus e os discípulos não foi a má vontade deles. Os discípulos não eram como os fariseus. Estes também não entendiam, mas neles havia malícia. Eles usavam a religião para criticar e condenar Jesus (Mc 2,7.16.18.24; 3,5.22-30). Os discípulos, porém, eram gente boa. Não tinham má vontade. Pois, mesmo sendo vítimas do “fermento dos fariseus e dos herodianos”, eles não estavam interessados em defender o sistema dos fariseus e dos herodianos contra Jesus. Então, qual era a causa? A causa do desencontro entre Jesus e os discípulos tinha a ver com a esperança messiânica. Havia entre os judeus uma grande variedade de expectativas messiânicas. De acordo com as diferentes interpretações das profecias, havia gente que esperava um Messias Rei (cf. Mc 15,9.32). Outros, um Messias Santo ou Sacerdote (cf. Mc 1,24). Outros, um Messias Guerrilheiro subversivo (cf. Lc 23,5; Mc 15,6; 13,6-8). Outros, um Messias Doutor (cf. Jo 4,25; Mc 1,22.27). Outros, um Messias Juiz (cf. Lc 3,5-9; Mc 1,8). Outros, um Messias Profeta (6,4; 14,65). Ao que parece, ninguém esperava pelo Messias Servidor, anunciado pelo profeta Isaías (Is 42,1; 49,3; 52,13). Eles não se lembravam de valorizar a esperança messiânica como serviço do povo de Deus à humanidade. Cada um, conforme os seus próprios interesses e conforme a sua classe social, aguardava o Messias, querendo encaixá-lo na sua própria esperança. Por isso, o título Messias, dependendo da pessoa ou da posição social, podia significar coisas bem diferentes. Havia muita confusão de idéias! E é nesta atitude de Servidor que está a chave que vai acender uma luz na escuridão dos discípulos e que vai ajudá-los a se converter. Só mesmo aceitando o Messias como sendo o Servo Sofredor de Isaías, eles seriam capazes de abrir os olhos e de entender o Mistério de Deus em Jesus.
4) Para um confronto pessoal
1) Qual é hoje o fermento dos fariseus e de Herodes para nós? O que significa hoje, para mim, ter o “coração endurecido”?
2) O fermento de Herodes e dos fariseus impedia os discípulos de entender a Boa Nova. Será que hoje a propaganda da televisão nos impede de entender a Boa Nova de Jesus?
5) Oração final
Quando penso: Vacilam-me os pés, sustenta-me, Senhor, a vossa graça. Quando em meu coração se multiplicam as angústias, vossas consolações alegram a minha alma. (Sl 93, 18-19)
5ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Quinta-feira, 13 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Velai, ó Deus, sobre a vossa família, com incansável amor; e, como só confiamos na vossa graça, guardai-nos sob a vossa proteção. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 7, 24-30)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos - Naquele tempo, 24Em seguida, deixando aquele lugar, Jesus foi para a terra de Tiro e de Sidônia. E tendo entrado numa casa, não quis que ninguém o soubesse. Mas não pôde ficar oculto, 25pois uma mulher, cuja filha possuía um espírito imundo, logo que soube que ele estava ali, entrou e caiu a seus pés. 26(Essa mulher era pagã, de origem siro-fenícia.) Ora, ela suplicava-lhe que expelisse de sua filha o demônio. 27Disse-lhe Jesus: Deixa primeiro que se fartem os filhos, porque não fica bem tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cães. 28Mas ela respondeu: É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos debaixo da mesa comem das migalhas dos filhos. 29Jesus respondeu-lhe: Por causa desta palavra, vai-te, que saiu o demônio de tua filha. 30Voltou ela para casa e achou a menina deitada na cama. O demônio havia saído. - Palavra da salvação.
3) Reflexão
No Evangelho de hoje, veremos como Jesus atende a uma mulher estrangeira de outra raça e de outra religião, o que era proibido pela lei religiosa daquela época. Inicialmente, Jesus não queria atendê-la, mas a mulher insistiu e conseguiu o que ela queria: a cura da filha.
Jesus vai tentando abrir a mentalidade dos discípulos e do povo para além da visão tradicional. Na multiplicação dos pães, ele tinha insistido na partilha (Mc 6,30-44). Na discussão sobre o puro e o impuro, tinha declarado puros todos os alimentos (Mc 7,1-23). Agora, neste episódio da Mulher Cananeia, ele ultrapassa as fronteiras do território nacional e acolhe uma mulher estrangeira que não era do povo e com a qual era proibido conversar. Estas iniciativas de Jesus, nascidas da sua experiência de Deus como Pai, eram estranhas para a mentalidade do povo da época. Jesus ajuda o povo a abrir sua maneira de experimentar Deus na vida.
Marcos 7.24: Jesus sai do território
No evangelho de ontem (Mc 7,14-23) e de anteontem (Mc 7,1-13), Jesus tinha criticado a incoerência da “Tradição dos Antigos” e tinha ajudado o povo e os discípulos a sair da prisão das leis da pureza. Aqui, em Mc 7,24, ele sai da Galiléia. Parece querer sair da prisão do território e da raça. Estando no estrangeiro, ele não quer ser conhecido. Mas a sua fama já tinha chegado antes. O povo ficou sabendo e faz apelo a Jesus.
Marcos 7.25-26: A situação
Uma mulher chega perto e começa a pedir pela filha doente. Marcos diz explicitamente que ela era de outra raça e de outra religião. Isto é, era uma pagã. Ela se lança aos pés de Jesus e começa a suplicar pela cura da filha que estava possuída por um espírito impuro. Os pagãos não tinham problema em recorrer a Jesus. Os judeus é que tinham problemas em conviver com os pagãos!
Marcos 7.27: A resposta de Jesus
Fiel às normas da sua religião, Jesus diz que não convém tirar o pão dos filhos e dar aos cachorrinhos. Frase dura. A comparação vinha da vida em família. Até hoje, criança e cachorro é o que mais tem nos bairros pobres. Jesus afirma uma coisa certa: nenhuma mãe tira o pão da boca dos filhos para dar aos cachorrinhos. No caso, os filhos eram o povo judeu e os cachorrinhos, os pagãos. Na época do AT, por causa da rivalidade entre os povos, um povo costumava chamar o outro povo de “cachorro” (1Sam 17,43). Nos outros evangelhos Jesus explica o porque da sua recusa: “Não fui enviado a não ser para as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15,24). Ou seja: “O Pai não quer que eu atenda à senhora!”
Marcos 7,28: A reação da mulher
Ela concorda com Jesus, mas amplia a comparação e a aplica ao caso dela: “É verdade, Jesus! Mas também os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa das crianças!” É como se dissesse: “Se sou cachorrinho, então tenho o direito dos cachorrinhos, a saber, as migalhas me pertencem!” Ela simplesmente tirou as conclusões da parábola que Jesus contou e mostrou que, até na casa de Jesus, os cachorrinhos comiam das migalhas que caíam da mesa das crianças. E na “casa de Jesus”, isto é, na comunidade cristã, a multiplicação do pão para os filhos foi tão abundante que estavam sobrando doze cestos (Mc 6,42) para os “cachorrinhos”, isto é, para ela, para os pagãos!
Marcos 7,29-30: A reação de Jesus:
“Pelo que disseste: Vai! O demônio saiu da tua filha!” Nos outros evangelhos se explicita: “Grande é a tua fé! Seja feito como queres!” (Mt 15,28). Se Jesus atende ao pedido da mulher, é porque compreendeu que, agora, o Pai queria que ele acolhesse o pedido dela. Este episódio ajuda a perceber algo do mistério que envolvia a pessoa de Jesus e como ele convivia com o Pai. Era observando as reações e as atitudes das pessoas, que Jesus descobria a vontade do Pai nos acontecimentos da vida,. A atitude da mulher abriu um novo horizonte na vida de Jesus. Através dela, ele descobriu melhor que o projeto do Pai é para todos os que buscam a vida e procuram libertá-la das cadeias que aprisionam a sua energia. Assim, ao longo das páginas do evangelho de Marcos há uma abertura crescente em direção aos outros povos. Deste modo, Marcos leva os leitores e as leitoras a abrir-se, aos poucos, para a realidade do mundo ao redor e a superar os preconceitos que impediam a convivência pacífica entre os povos. Esta abertura para os pagãos aparece de maneira muito clara na ordem final dada por Jesus aos discípulos, depois da sua ressurreição: ”Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).
4) Para um confronto pessoal
1-Como você faz, concretamente, para conviver em paz com pessoas de outras igrejas cristãs ou com espíritas? No bairro onde você vive tem gente de outras religiões? Quais? Você conversa normalmente com pessoas de outra religião?
2-Qual a abertura que este texto pede de nós, hoje, na família e na comunidade?
5) Oração final
Felizes aqueles que observam os preceitos, aqueles que, em todo o tempo, fazem o que é reto. Lembrai-vos de mim, Senhor, pela benevolência que tendes com o vosso povo. Assisti-me com o vosso socorro. (Sl 105, 3-4)
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL, QUERIDA AMAZÔNIA, DO SANTO PADRE FRANCISCO AO POVO DE DEUS E A TODAS AS PESSOAS DE BOA VONTADE
- Detalhes
ÍNDICE
A Amazônia querida [1]
O sentido desta Exortação [2-4]
Sonhos para a Amazónia [5-7]
Injustiça e crime [9-14]
Indignar-se e pedir perdão [15-19]
Sentido comunitário [20-22]
Instituições degradadas [23-25]
Diálogo social [26-27]
O poliedro amazónico [29-32]
Cuidar das raízes [33-35]
Encontro intercultural [36-38]
Culturas ameaçadas, povos em risco [39-40]
Capítulo III
UM SONHO ECOLÓGICO
Esse sonho feito de água [43-46]
O grito da Amazônia [47-52]
A profecia da contemplação [53-57]
Educação e hábitos ecológicos [58-60]
O anúncio indispensável na Amazônia [62-65]
A inculturação [66-69]
Caminhos de inculturação na Amazônia [70-74]
Inculturação social e espiritual [75-76]
Pontos de partida para uma santidade amazônica [77-80]
A inculturação da liturgia [81-84]
A inculturação do ministério [85-90]
Comunidade cheias de vida [91-98]
A força e o dom das mulheres [99-103]
Ampliar horizontes para além dos conflitos [104-105]
A convivência ecumênica e inter-religiosa [106-110]
Conclusão
A Mãe da Amazônia [111]
- 1. A Amazônia querida apresenta-se aos olhos do mundo com todo o seu esplendor, o seu drama e o seu mistério. Deus concedeu-nos a graça de a termos presente de modo especial no Sínodo que se realizou em Roma de 6 a 27 de outubro de 2019, concluindo com o Documento Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral.
O sentido desta Exortação
- 2. Ouvi as intervenções ao longo do Sínodo e li, com interesse, as contribuições dos Círculos Menores. Com esta Exortação, quero expressar as ressonâncias que provocou em mim este percurso de diálogo e discernimento. Aqui, não vou desenvolver todas as questões amplamente tratadas no Documento conclusivo; não pretendo substitui-lo nem repeti-lo. Desejo apenas oferecer um breve quadro de reflexão que encarne na realidade amazônica uma síntese de algumas grandes preocupações já manifestadas por mim em documentos anteriores, que ajude e oriente para uma receção harmoniosa, criativa e frutuosa de todo o caminho sinodal.
- 3. Ao mesmo tempo, quero apresentar de maneira oficial o citado Documento, que nos oferece as conclusões do Sínodo e no qual colaboraram muitas pessoas que conhecem melhor do que eu e do que a Cúria Romana a problemática da Amazônia, porque vivem lá, por ela sofrem e a amam apaixonadamente. Nesta Exortação, preferi não citar o Documento, convidando a lê-lo integralmente.
- 4. Deus queira que toda a Igreja se deixe enriquecer e interpelar por este trabalho, que os pastores, os consagrados, as consagradas e os fiéis-leigos da Amazônia se empenhem na sua aplicação e que, de alguma forma, possa inspirar todas as pessoas de boa vontade.
Sonhos para a Amazônia
- 5. A Amazônia é um todo plurinacional interligado, um grande bioma partilhado por nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Perú, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa. Todavia dirijo esta Exortação ao mundo inteiro. Faço-o, por um lado, para ajudar a despertar a estima e solicitude por esta terra, que também é «nossa», convidando-o a admirá-la e reconhecê-la como um mistério sagrado; e, por outro, porque a atenção da Igreja às problemáticas deste território obriga-nos a retomar brevemente algumas questões que não devemos esquecer e que podem servir de inspiração para outras regiões da terra enfrentarem os seus próprios desafios.
- 6. Tudo o que a Igreja oferece deve encarnar-se de maneira original em cada lugar do mundo, para que a Esposa de Cristo adquira rostos multiformes que manifestem melhor a riqueza inesgotável da graça. Deve encarnar-se a pregação, deve encarnar-se a espiritualidade, devem encarnar-se as estruturas da Igreja. Por isso, nesta breve Exortação, ouso humildemente formular quatro grandes sonhos que a Amazônia me inspira:
- 7. Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida.
Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a carateriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.
Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.
Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazônia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos.
Capítulo I
UM SONHO SOCIAL
- 8. O nosso é o sonho duma Amazônia que integre e promova todos os seus habitantes, para poderem consolidar o «bem viver». Mas impõe-se um grito profético e um árduo empenho em prol dos mais pobres. Pois, apesar do desastre ecológico que a Amazónia está a enfrentar, deve-se notar que «uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres»[1]. Não serve um conservacionismo «que se preocupa com o bioma, porém ignora os povos amazônicos»[2].
Injustiça e crime
- 9. Os interesses colonizadores que, legal e ilegalmente, fizeram – e fazem – aumentar o corte de madeira e a indústria minerária e que foram expulsando e encurralando os povos indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes, provocam um clamor que brada ao céu:
«São muitas as árvores
onde morou a tortura
e vastas as florestas
compradas entre mil mortes»[3].
«Os madeireiros têm parlamentares
e nossa Amazônia não tem quem a defenda (…)
Mandam em exílio os papagaios e os macacos (…)
Já não será igual a colheita da castanha»[4].
- 10. Isto favoreceu os movimentos migratórios mais recentes dos indígenas para as periferias das cidades. Aqui não encontram uma real libertação dos seus dramas, mas as piores formas de escravidão, sujeição e miséria. Nestas cidades caraterizadas por uma grande desigualdade, onde hoje habita a maior parte da população da Amazónia, crescem também a xenofobia, a exploração sexual e o tráfico de pessoas. Por isso o clamor da Amazônia não brota apenas do coração das florestas, mas também do interior das suas cidades.
- 11. Não é necessário repetir aqui as análises tão abrangentes e completas que foram apresentadas antes e durante o Sínodo. Mas lembremos ao menos uma das vozes ouvidas: «Estamos sendo afetados pelos madeireiros, criadores de gado e outros terceiros. Ameaçados por agentes econômicos que implementam um modelo alheio em nossos territórios. As empresas madeireiras entram no território para explorar a floresta, nós cuidamos da floresta para nossos filhos, dispomos de carne, pesca, remédios vegetais, árvores frutíferas (…). A construção de hidroelétricas e o projeto de hidrovias têm impacto sobre o rio e sobre os territórios (…). Somos uma região de territórios roubados»[5].
- 12. Já o meu antecessor, Bento XVI, denunciava «a devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana das suas populações»[6]. Desejo acrescentar que muitos dramas tiveram a ver com uma falsa «mística amazônica»: é sabido que, desde os últimos decênios do século passado, a Amazônia tem sido apresentada como um enorme vazio que deve ser preenchido, como uma riqueza em estado bruto que se deve aprimorar, como uma vastidão selvagem que precisa de ser domada. E, tudo isto, numa perspetiva que não reconhece os direitos dos povos nativos ou simplesmente os ignora como se não existissem e como se as terras onde habitam não lhes pertencessem. Nos próprios programas educacionais de crianças e jovens, os indígenas apareciam como intrusos ou usurpadores. As suas vidas e preocupações, a sua maneira de lutar e sobreviver não interessavam, considerando-os mais como um obstáculo de que nos temos de livrar do que como seres humanos com a mesma dignidade que qualquer outro e com direitos adquiridos.
- 13. Para aumentar esta confusão, contribuíram alguns slogans, nomeadamente o de «não entregar»[7], como se a citada sujeição fosse provocada apenas por países estrangeiros, quando os próprios poderes locais, com a desculpa do progresso, fizeram parte de alianças com o objetivo de devastar, de maneira impune e indiscriminada, a floresta com as formas de vida que abriga. Os povos nativos viram muitas vezes, impotentes, a destruição do ambiente natural que lhes permitia alimentar-se, curar-se, sobreviver e conservar um estilo de vida e uma cultura que lhes dava identidade e sentido. A disparidade de poder é enorme, os fracos não têm recursos para se defender, enquanto o vencedor continua a levar tudo, «os povos pobres ficam sempre pobres e os ricos tornam-se cada vez mais ricos»[8].
- 14. Às operações económicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazónia e não respeitam o direito dos povos nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime. Quando algumas empresas sedentas de lucro fácil se apropriam dos terrenos, chegando a privatizar a própria água potável, ou quando as autoridades deixam mão livre a madeireiros, a projetos minerários ou petrolíferos e outras atividades que devastam as florestas e contaminam o ambiente, transformam-se indevidamente as relações económicas e tornam-se um instrumento que mata. É usual lançar mão de recursos desprovidos de qualquer ética, como penalizar os protestos e mesmo tirar a vida aos indígenas que se oponham aos projetos, provocar intencionalmente incêndios florestais, ou subornar políticos e os próprios nativos. A acompanhar tudo isto, temos graves violações dos direitos humanos e novas escravidões que atingem especialmente as mulheres, a praga do narcotráfico que procura submeter os indígenas, ou o tráfico de pessoas que se aproveita daqueles que foram expulsos de seu contexto cultural. Não podemos permitir que a globalização se transforme num «novo tipo de colonialismo»[9].
Indignar-se e pedir perdão
- 15. É preciso indignar-se[10], como se indignou Moisés (cf. Ex11, 8), como Se indignava Jesus (cf. Mc3, 5), como Se indigna Deus perante a injustiça (cf. Am 2, 4-8; 5, 7-12; Sal 106/105, 40). Não é salutar habituarmo-nos ao mal; faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social, enquanto «um rasto de delapidação, inclusive de morte, por toda a nossa região, (…) coloca em perigo a vida de milhões de pessoas, em especial do habitat dos camponeses e indígenas»[11]. Os casos de injustiça e crueldade verificados na Amazónia, ainda durante o século passado, deveriam gerar uma profunda repulsa e ao mesmo tempo tornar-nos mais sensíveis para também reconhecer formas atuais de exploração humana, violência e morte. Por exemplo, a propósito do passado vergonhoso, recolhamos uma narração dos sofrimentos dos indígenas da época da borracha na Amazónia venezuelana: «Os nativos não recebiam dinheiro, mas apenas mercadorias, e caras, que nunca acabavam de pagar. (...) Pagava, mas diziam ao indígena: “Ainda estás a dever tanto” e o indígena tinha que voltar a trabalhar (...). Mais de vinte aldeias ye’kuana foram completamente arrasadas. As mulheres ye’kuana foram violadas e seus seios cortados; as grávidas desventradas. Aos homens, cortavam-lhes os dedos das mãos ou os pulsos, para não poderem navegar (...), juntamente com outras cenas do sadismo mais absurdo»[12].
- 16. Esta história de sofrimento e desprezo não se cura facilmente. E a colonização não para; embora em muitos lugares se transforme, disfarce e dissimule[13], todavia não perde a sua prepotência contra a vida dos pobres e a fragilidade do meio ambiente. Os bispos da Amazónia brasileira recordaram que «a história da Amazónia revela que foi sempre uma minoria que lucrava à custa da pobreza da maioria e da depredação sem escrúpulos das riquezas naturais da região, dádiva divina para os povos que aqui vivem há milénios e os migrantes que chegaram ao longo dos séculos passados»[14].
- 17. Ao mesmo tempo que nos deixamos tomar por uma sã indignação, lembremo-nos de que sempre é possível superar as diferentes mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e desenvolvimento: «o desafio é assegurar uma globalização na solidariedade, uma globalização sem marginalização»[15]. Podem-se encontrar alternativas de pecuária e agricultura sustentáveis, de energias que não poluem, de fontes dignas de trabalho que não impliquem a destruição do meio ambiente e das culturas. Simultaneamente é preciso garantir, para os indígenas e os mais pobres, uma educação adequada que desenvolva as suas capacidades e empoderamento. É precisamente nestes objetivos que se mede a verdadeira solércia e a genuína capacidade dos políticos. Não servirá para devolver aos mortos a vida que lhes foi negada, nem para compensar os sobreviventes daqueles massacres, mas ao menos para hoje sermos todos realmente humanos.
- 18. Anima-nos recordar que, no meio dos graves excessos da colonização da Amazônia, cheia de «contradições e lacerações»[16], muitos missionários chegaram lá com o Evangelho, deixando os seus países e aceitando uma vida austera e desafiadora junto dos mais desprotegidos. Sabemos que nem todos foram exemplares, mas o trabalho de quantos se mantiveram fiéis ao Evangelho também inspirou «uma legislação, como as Leis das Índias, que protegiam a dignidade dos indígenas contra as violações de seus povos e territórios»[17]. E dado que frequentemente eram os sacerdotes que protegiam os indígenas de ladrões e abusadores, aqueles «pediam-nos insistentemente – contam os missionários – que não os abandonássemos e faziam-nos prometer que voltaríamos novamente»[18].
- 19. E, nos dias de hoje, a Igreja não pode estar menos comprometida, chamada como está a ouvir os clamores dos povos amazônicos, «para poder exercer com transparência o seu papel profético».[19]Entretanto como não podemos negar que o joio se misturou com o trigo, pois os missionários nem sempre estiveram do lado dos oprimidos, deploro-o e mais uma vez «peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América»[20]e pelos crimes atrozes que se seguiram ao longo de toda a história da Amazónia. Aos membros dos povos nativos, agradeço e digo novamente que, «com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência (…). Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum».[21]
Sentido comunitário
- 20. A luta social implica capacidade de fraternidade, um espírito de comunhão humana. Então, sem diminuir a importância da liberdade pessoal, ressalta-se que os povos nativos da Amazónia possuem um forte sentido comunitário. Vivem assim «o trabalho, o descanso, os relacionamentos humanos, os ritos e as celebrações. Tudo é compartilhado, os espaços particulares – típicos da modernidade – são mínimos. A vida é um caminho comunitário onde as tarefas e as responsabilidades se dividem e compartilham em função do bem comum. Não há espaço para a ideia de indivíduo separado da comunidade ou de seu território»[22]. Estas relações humanas estão impregnadas pela natureza circundante, porque a sentem e percebem como uma realidade que integra a sua sociedade e cultura, como um prolongamento do seu corpo pessoal, familiar e de grupo:
«Aquele luzeiro se aproxima
revolteiam os beija-flores
mais do que a cascata troa meu coração
com esses teus lábios regarei a terra
possa o vento jogar em nós»[23].
- 21. Isto multiplica o efeito desintegrador do desenraizamento que vivem os indígenas forçados a emigrar para a cidade, procurando sobreviver, por vezes de forma não digna, no meio dos costumes urbanos mais individualistas e dum ambiente hostil. Como sanar um dano tão grave? Como reconstruir estas vidas desenraizadas? À vista desta realidade, é preciso valorizar e acompanhar todos os esforços que fazem muitos destes grupos para preservar os seus valores e estilo de vida e integrar-se nos contextos novos sem os perder, antes pelo contrário oferecendo-os como uma própria contribuição para o bem comum.
- 22. Cristo redimiu o ser humano inteiro e deseja recompor em cada um a sua capacidade de se relacionar com os outros. O Evangelho propõe a caridade divina que brota do Coração de Cristo e gera uma busca da justiça que é inseparavelmente um canto de fraternidade e solidariedade, um estímulo à cultura do encontro. A sabedoria do estilo de vida dos povos nativos – mesmo com todos os limites que possa ter – estimula-nos a aprofundar tal anseio. Por esta razão, os bispos do Equador solicitaram «um novo sistema social e cultural que privilegie as relações fraternas, num quadro de reconhecimento e valorização das diferentes culturas e dos ecossistemas, capaz de se opor a todas as formas de discriminação e domínio entre os seres humanos»[24].
Instituições degradadas
- 23. Na Encíclica Laudato si’, lembramos que, «se tudo está relacionado, também o estado de saúde das instituições duma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana (…). Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as instituições que regulam as relações humanas. Tudo o que as danifica comporta efeitos nocivos, como a perda da liberdade, a injustiça e a violência. Vários países são governados por um sistema institucional precário, à custa do sofrimento do povo»[25].
- 24. Como estão as instituições da sociedade civil na Amazónia? O Instrumentum laborisdo Sínodo, que reúne muitas contribuições de pessoas e grupos da Amazónia, refere-se a «uma cultura que envenena o Estado e suas instituições, permeando todos os estratos sociais, inclusive as comunidades indígenas. Trata-se de um verdadeiro flagelo moral; como resultado, perde-se a confiança nas instituições e em seus representantes, o que desacredita totalmente a política e as organizações sociais. Os povos amazónicos não são alheios à corrupção e tornam-se suas principais vítimas»[26].
- 25. Não podemos excluir que membros da Igreja tenham feito parte das redes de corrupção, por vezes chegando ao ponto de aceitar manter silêncio em troca de ajudas económicas para as obras eclesiais. Por isso mesmo, chegaram ao Sínodo propostas que convidavam a «prestar uma atenção especial à procedência de doações ou outro tipo de benefícios, assim como aos investimentos realizados pelas instituições eclesiásticas ou pelos cristãos»[27].
Diálogo social
- 26. A Amazónia deveria ser também um local de diálogo social, especialmente entre os diferentes povos nativos, para encontrar formas de comunhão e luta conjunta. Os demais, somos chamados a participar como «convidados», procurando com o máximo respeito encontrar vias de encontro que enriqueçam a Amazónia. Mas, se queremos dialogar, devemos começar pelos últimos. Estes não são apenas um interlocutor que é preciso convencer, nem mais um que está sentado a uma mesa de iguais. Mas são os principais interlocutores, dos quais primeiro devemos aprender, a quem temos de escutar por um dever de justiça e a quem devemos pedir autorização para poder apresentar as nossas propostas. A sua palavra, as suas esperanças, os seus receios deveriam ser a voz mais forte em qualquer mesa de diálogo sobre a Amazónia. E a grande questão é: Como imaginam eles o «bem viver» para si e seus descendentes?
- 27. O diálogo não se deve limitar a privilegiar a opção preferencial pela defesa dos pobres, marginalizados e excluídos, mas há de também respeitá-los como protagonistas. Trata-se de reconhecer o outro e apreciá-lo «como outro», com a sua sensibilidade, as suas opções mais íntimas, o seu modo de viver e trabalhar. Caso contrário, o resultado será, como sempre, «um projeto de poucos para poucos»[28], quando não «um consenso de escritório ou uma paz efémera para uma minoria feliz»[29]. Se tal acontecer, «é necessária uma voz profética»[30]e, como cristãos, somos chamados a fazê-la ouvir.
Daqui nasce o sonho sucessivo...
Capítulo II
UM SONHO CULTURAL
- 28. O objetivo é promover a Amazónia; isto, porém, não implica colonizá-la culturalmente, mas fazer de modo que ela própria tire fora o melhor de si mesma. Tal é o sentido da melhor obra educativa: cultivar sem desenraizar, fazer crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir. Assim como há potencialidades na natureza que se poderiam perder para sempre, o mesmo pode acontecer com culturas portadoras duma mensagem ainda não escutada e que estão ameaçadas hoje mais do que nunca.
O poliedro amazónico
- 29. Na Amazónia, vivem muitos povos e nacionalidades, sendo mais de cento e dez os povos indígenas em isolamento voluntário (PIAV)[31]. A sua situação é fragilíssima; e muitos sentem que são os últimos depositários dum tesouro destinado a desaparecer, como se lhes fosse permitido sobreviver apenas sem perturbar, enquanto avança a colonização pós-moderna. Temos que evitar de os considerar como «selvagens não-civilizados»; simplesmente criaram culturas diferentes e outras formas de civilização, que antigamente registaram um nível notável de desenvolvimento[32].
- 30. Antes da colonização, os centros habitados concentravam-se nas margens dos rios e lagos, mas o avanço da colonização expulsou os antigos habitantes para o interior da floresta. Hoje, a crescente desertificação obriga a novas deslocações muitos, que acabam por ocupar as periferias ou as calçadas das cidades por vezes numa situação de miséria extrema, mas também de dilaceração interior devido à perda dos valores que os sustentavam. Neste contexto, habitualmente perdem os pontos de referência e as raízes culturais que lhes conferiam uma identidade e um sentido de dignidade e vão alongar a fila dos descartados. Assim interrompe-se a transmissão cultural duma sabedoria que, durante séculos, foi passando de geração em geração. As cidades, que deveriam ser lugares de encontro, enriquecimento mútuo e fecundação entre diferentes culturas, tornam-se palco dum doloroso descarte.
- 31. Cada povo, que conseguiu sobreviver na Amazónia, possui a sua própria identidade cultural e uma riqueza única num universo multicultural, em virtude da estreita relação que os habitantes estabelecem com o meio circundante, numa simbiose – de tipo não determinista – difícil de entender com esquemas mentais alheios:
«Havia outrora uma paisagem que despontava com seu rio,
seus animais, suas nuvens e suas árvores.
Às vezes, porém, quando não se via em lado nenhum
a paisagem com seu rio e suas árvores,
competia a tais coisas assomar à mente dum
garotinho»[33].
«Do rio, fazes o teu sangue (…).
Depois planta-te,
germina e cresce
que tua raiz
se agarre à terra
mais e mais para sempre
e, por último,
sê canoa,
barco, jangada,
solo, jarra,
estábulo e homem»[34].
- 32. Os grupos humanos, seus estilos de vida e cosmovisões são tão variados como o território, pois tiveram que se adaptar à geografia e aos seus recursos. Não são iguais as aldeias de pescadores às de caçadores, nem as aldeias de agricultores do interior às dos cultivadores de terras sujeitas a inundações. Além disso, na Amazónia, encontram-se milhares de comunidades de indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos e habitantes das cidades que, por sua vez, são muito diferentes entre si e abrigam uma grande diversidade humana. Deus manifesta-Se, reflete algo da sua beleza inesgotável através dum território e das suas caraterísticas, pelo que os diferentes grupos, numa síntese vital com o ambiente circundante, desenvolvem uma forma peculiar de sabedoria. Quantos de nós observamos de fora deveríamos evitar generalizações injustas, discursos simplistas ou conclusões elaboradas apenas a partir das nossas próprias estruturas mentais e experiências.
Cuidar das raízes
- 33. Quero lembrar agora que «a visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada atual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade»[35]. Isto afeta muito os jovens, quando se tende a «dissolver as diferenças próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos manipuláveis feitos em série»[36]. Para evitar esta dinâmica de empobrecimento humano, é preciso amar as raízes e cuidar delas, porque são «um ponto de enraizamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios»[37]. Convido os jovens da Amazónia, especialmente os indígenas, a «assumir as raízes, pois das raízes provém a força que [os] fará crescer, florescer e frutificar»[38]. Para quantos deles são batizados, incluem-se nestas raízes a história do povo de Israel e da Igreja até ao dia de hoje. Conhecê-las é uma fonte de alegria e sobretudo de esperança que inspira ações válidas e corajosas.
- 34. Durante séculos, os povos amazónicos transmitiram a sua sabedoria cultural, oralmente, através de mitos, lendas, narrações, como sucedia com «aqueles primitivos jograis que percorriam as florestas contando histórias de aldeia em aldeia, mantendo assim viva uma comunidade que, sem o cordão umbilical destas histórias, a distância e a falta de comunicação teriam fragmentado e dissolvido»[39]. Por isso, é importante «deixar que os idosos contem longas histórias»[40]e que os jovens se detenham a beber desta fonte.
- 35. Enquanto o risco de perder esta riqueza cultural é cada vez maior, nos últimos anos – graças a Deus – alguns povos começaram a escrever para contar as suas histórias e descrever o significado dos seus costumes. Assim, eles próprios podem reconhecer explicitamente que há algo mais do que uma identidade étnica e que são depositários de preciosas memórias pessoais, familiares e coletivas. Alegra-me ver aqueles que perderam o contacto com as suas raízes tentarem recuperar a memória danificada. Por outro lado, nos próprios setores profissionais, começou a desenvolver-se uma maior perceção da identidade amazónica, tornando-se a Amazónia – mesmo para eles, muitas vezes descendentes de imigrantes – fonte de inspiração artística, literária, musical, cultural. As várias expressões artísticas, particularmente a poesia, deixaram-se inspirar pela água, a floresta, a vida que se agita, bem como pela diversidade cultural e os desafios ecológicos e sociais.
Encontro intercultural
- 36. As culturas da Amazónia profunda, como aliás toda a realidade cultural, têm as suas limitações; as culturas urbanas do Ocidente também as têm. Fatores, como o consumismo, o individualismo, a discriminação, a desigualdade e muitos outros, constituem aspetos frágeis das culturas aparentemente mais evoluídas. As etnias que desenvolveram um tesouro cultural em conexão com a natureza, com forte sentido comunitário, apercebem-se facilmente das nossas sombras, que não reconhecemos no meio do suposto progresso. Assim, far-nos-á bem recolher a sua experiência da vida.
- 37. É a partir das nossas raízes que nos sentamos à mesa comum, lugar de diálogo e de esperanças compartilhadas. Deste modo a diferença, que pode ser uma bandeira ou uma fronteira, transforma-se numa ponte. A identidade e o diálogo não são inimigos. A própria identidade cultural aprofunda-se e enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece. Por isso, não é minha intenção propor um indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem. Uma cultura pode tornar-se estéril, quando «se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem»[41]. Isto poderia parecer pouco realista, já que não é fácil proteger-se da invasão cultural. Por isso, cuidar dos valores culturais dos grupos indígenas deveria ser interesse de todos, porque a sua riqueza é também a nossa. Se não progredirmos nesta direção de corresponsabilidade pela diversidade que embeleza a nossa humanidade, não se pode pretender que os grupos do interior da floresta se abram ingenuamente à «civilização».
- 38. Na Amazónia, mesmo entre os distintos povos nativos, é possível desenvolver «relações interculturais onde a diversidade não significa ameaça, não justifica hierarquias de um poder sobre os outros, mas sim diálogo a partir de visões culturais diferentes, de celebração, de inter-relacionamento e de reavivamento da esperança»[42].
Culturas ameaçadas, povos em risco
- 39. A economia globalizada danifica despudoradamente a riqueza humana, social e cultural. A desintegração das famílias, que resulta das migrações forçadas, afeta a transmissão dos valores, porque «a família é, e sempre foi, a instituição social que mais contribuiu para manter vivas as nossas culturas»[43]. Além disso, «diante duma invasão colonizadora maciça dos meios de comunicação», é necessário promover para os povos nativos «comunicações alternativas, a partir das suas próprias línguas e culturas», e que «os próprios indígenas se façam protagonistas presentes nos meios de comunicação já existentes»[44].
- 40. Em qualquer projeto para a Amazónia, «é preciso assumir a perspetiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum grupo social (...) requer constantemente o protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura. Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano»[45]. E se as culturas ancestrais dos povos nativos nasceram e se desenvolveram em estreito contacto com o ambiente natural circundante, dificilmente podem ficar ilesas quando se deteriora este ambiente.
Isto abre passagem ao sonho sucessivo...
Capítulo III
UM SONHO ECOLÓGICO
- 41. Numa realidade cultural como a Amazónia, onde existe uma relação tão estreita do ser humano com a natureza, a vida diária é sempre cósmica. Libertar os outros das suas escravidões implica certamente cuidar do seu meio ambiente e defendê-lo[46]e – mais importante ainda – ajudar o coração do homem a abrir-se confiadamente àquele Deus que não só criou tudo o que existe, mas também Se nos deu a Si mesmo em Jesus Cristo. O Senhor, que primeiro cuida de nós, ensina-nos a cuidar dos nossos irmãos e irmãs e do ambiente que Ele nos dá de prenda cada dia. Esta é a primeira ecologia que precisamos. Na Amazónia, compreendem-se melhor as palavras de Bento XVI, quando dizia que, «ao lado da ecologia da natureza, existe uma ecologia que podemos designar “humana”, a qual, por sua vez, requer uma “ecologia social”. E isto requer que a humanidade (…) tome consciência cada vez mais das ligações existentes entre a ecologia natural, ou seja, o respeito pela natureza, e a ecologia humana»[47]. Esta insistência em que «tudo está interligado»[48]vale especialmente para um território como a Amazónia.
- 42. Se o cuidado das pessoas e o cuidado dos ecossistemas são inseparáveis, isto torna-se particularmente significativo lá onde «a floresta não é um recurso para explorar, é um ser ou vários seres com os quais se relacionar»[49]. A sabedoria dos povos nativos da Amazónia «inspira o cuidado e o respeito pela criação, com clara consciência dos seus limites, proibindo o seu abuso. Abusar da natureza significa abusar dos antepassados, dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o futuro»[50]. Os indígenas, «quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuidam»,[51]desde que não se deixem enredar pelos cantos das sereias e pelas ofertas interesseiras de grupos de poder. Os danos à natureza preocupam-nos, de maneira muito direta e palpável, porque – dizem eles – «somos água, ar, terra e vida do meio ambiente criado por Deus. Por conseguinte, pedimos que cessem os maus-tratos e o extermínio da “Mãe Terra”. A terra tem sangue e está sangrando, as multinacionais cortaram as veias da nossa “Mãe Terra”»[52].
Esse sonho feito de água
- 43. Na Amazónia, a água é a rainha; rios e córregos lembram veias, e toda a forma de vida brota dela: «Ali, no pleno dos estios quentes, quando se diluem, mortas nos ares parados, as últimas lufadas de leste, o termómetro é substituído pelo higrómetro na definição do clima. As existências derivam numa alternativa dolorosa de vazantes e enchentes dos grandes rios. Estas alteiam-se sempre de um modo assombrador. O Amazonas referto salta fora do leito, levanta em poucos dias o nível das águas. A enchente é uma paragem na vida. Preso nas malhas dos igarapés, o homem aguarda, então, com estoicismo raro ante a fatalidade incoercível, o termo daquele inverno paradoxal, de temperaturas altas. A vazante é o verão. É a revivescência da atividade rudimentar dos que ali se agitam, do único modo compatível com uma natureza que se excede em manifestações dispares tornando impossível a continuidade de quaisquer esforços»[53].
- 44. A água encanta no grande Amazonas, que abraça e vivifica tudo ao seu redor:
«Amazonas,
capital das sílabas d'água,
pai patriarca, és
a eternidade secreta
das fecundações,
chegam-te rios como pássaros»[54].
- 45. Além disso é a coluna vertebral que harmoniza e une: «O rio não nos separa; mas une-nos, ajudando-nos a conviver entre diferentes culturas e línguas»[55]. Embora seja verdade que, neste território, há muitas «Amazônias», o seu eixo principal é o grande rio, filho de muitos rios: «Da altura extrema da cordilheira, onde as neves são eternas, a água se desprende, e traça trémula um risco na pele antiga da pedra: o Amazonas acaba de nascer. A cada instante ele nasce. Desce devagar, para crescer no chão. Varando verdes, faz o seu caminho e se acrescenta. Aguas subterrâneas afloram para abraçar-se com a água que desceu dos Andes. De mais alto ainda, desce a água celeste. Reunidas elas avançam, multiplicadas em infinitos caminhos, banhando a imensa planície (...). É a Grande Amazónia, toda ela no trópico húmido, com a sua floresta compacta e atordoante, onde ainda palpita, intocada pelo homem, a vida que se foi urdindo nas intimidades da água (...). Desde que o homem a habita, ergue-se das funduras das suas águas e dos altos centros de sua floresta um terrível temor: a de que essa vida esteja, devagarinho, tomando o rumo do fim»[56].
- 46. Os poetas populares, enamorados da sua imensa beleza, procuraram expressar o que este rio lhes fazia sentir e a vida que ele oferece à sua passagem, com uma dança de delfins, anacondas, árvores e canoas. Mas lamentam também os perigos que a ameaçam. Estes poetas, contemplativos e proféticos, ajudam a libertar-nos do paradigma tecnocrático e consumista que sufoca a natureza e nos deixa sem uma existência verdadeiramente digna: «Sofre o mundo da transformação dos pés em borracha, das pernas em couro, do corpo em pano e da cabeça em aço (...). Sofre o mundo da transformação da pá em fuzil, do arado em tanque de guerra, da imagem do semeador que semeia na do autómato com seu lança-chamas, de cuja sementeira brotam solidões. A esse mundo, só a poesia poderá salvar, e a humildade diante da sua voz»[57].
O grito da Amazónia
- 47. A poesia ajuda a expressar uma dolorosa sensação que muitos compartilhamos hoje. A verdade ineludível é que, nas condições atuais, com este modo de tratar a Amazónia, tanta riqueza de vida e de tão grande beleza estão «tomando o rumo do fim», embora muitos pretendam continuar a crer que tudo vai bem, como se nada acontecesse:
«Aqueles que pensavam que o rio fosse uma corda para jogar, enganavam-se.
O rio é uma veia muito subtil sobre a face da terra. (…)
O rio é uma corda onde se agarram os animais e as árvores.
Se o puxarem demais, o rio poderia rebentar.
Poderia explodir e lavar-nos a cara com a água e com o sangue»[58].
- 48. O equilíbrio da terra depende também da saúde da Amazónia. Juntamente com os biomas do Congo e do Bornéu, deslumbra pela diversidade das suas florestas, das quais dependem também os ciclos das chuvas, o equilíbrio do clima e uma grande variedade de seres vivos. Funciona como um grande filtro do dióxido de carbono, que ajuda a evitar o aquecimento da terra. Em grande parte, o solo é pobre em húmus, de modo que a floresta «cresce realmente sobre o solo e não do solo»[59]. Quando se elimina a floresta, esta não é substituída, ficando um terreno com poucos nutrientes que se transforma num território desértico ou pobre em vegetação. Isto é grave, porque, nas entranhas da floresta amazónica, subsistem inúmeros recursos que poderiam ser indispensáveis para a cura de doenças. Os seus peixes, frutos e outros dons sobreabundantes enriquecem a alimentação humana. Além disso, num ecossistema como o amazónico, é incontestável a importância de cada parte para a conservação do todo. As próprias terras costeiras e a vegetação marinha precisam de ser fertilizadas por aquilo que o rio Amazonas arrasta. O grito da Amazónia chega a todos, porque a «conquista e exploração de recursos (...) hoje chega a ameaçar a própria capacidade acolhedora do ambiente: o ambiente como “recurso” corre o perigo de ameaçar o ambiente como “casa”»[60]. O interesse de algumas empresas poderosas não deveria ser colocado acima do bem da Amazónia e da humanidade inteira.
- 49. Não basta prestar atenção à preservação das espécies mais visíveis em risco de extinção. É crucial ter em conta que, «para o bom funcionamento dos ecossistemas, também são necessários os fungos, as algas, os vermes, os pequenos insetos, os répteis e a variedade inumerável de micro-organismos. Algumas espécies pouco numerosas, que habitualmente nos passam despercebidas, desempenham uma função censória fundamental para estabelecer o equilíbrio dum lugar»[61]. E isto facilmente se ignora na avaliação do impacto ambiental dos projetos económicos de indústrias extrativas, energéticas, madeireiras e outras que destroem e poluem. Além disso a água, que abunda na Amazónia, é um bem essencial para a sobrevivência humana, mas as fontes de poluição vão aumentando cada vez mais[62].
- 50. Com efeito, além dos interesses económicos de empresários e políticos locais, existem também «os enormes interesses económicos internacionais»[63]. Por isso, a solução não está numa «internacionalização» da Amazónia[64], mas a responsabilidade dos governos nacionais torna-se mais grave. Pela mesma razão, «é louvável a tarefa de organismos internacionais e organizações da sociedade civil que sensibilizam as populações e colaboram de forma crítica, inclusive utilizando legítimos sistemas de pressão, para que cada governo cumpra o dever próprio e não-delegável de preservar o meio ambiente e os recursos naturais do seu país, sem se vender a espúrios interesses locais ou internacionais»[65].
- 51. Para cuidar da Amazónia, é bom conjugar a sabedoria ancestral com os conhecimentos técnicos contemporâneos, mas procurando sempre intervir no território de forma sustentável, preservando ao mesmo tempo o estilo de vida e os sistemas de valores dos habitantes[66]. A estes, especialmente aos povos nativos, cabe receber, para além da formação básica, a informação completa e transparente dos projetos, com a sua amplitude, os seus efeitos e riscos, para poderem confrontar esta informação com os seus interesses e com o próprio conhecimento do local e, assim, dar ou negar o seu consentimento ou então propor alternativas[67].
- 52. Os mais poderosos nunca ficam satisfeitos com os lucros que obtêm, e os recursos do poder económico têm aumentado muito com o desenvolvimento científico e tecnológico. Por isso, todos deveríamos insistir na urgência de «criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecno-económico acabem por arrasá-los não só com a política, mas também com a liberdade e a justiça»[68]. Se a chamada por Deus exige uma escuta atenta do grito dos pobres e ao mesmo tempo da terra[69], para nós «o grito da Amazónia ao Criador é semelhante ao grito do Povo de Deus no Egito (cf. Ex3, 7). É um grito desde a escravidão e o abandono, que clama por liberdade»[70].
A profecia da contemplação
- 53. Muitas vezes deixamos que a consciência se torne insensível, porque «a constante distração nos tira a coragem de advertir a realidade dum mundo limitado e finito»[71]. Se nos detivermos na superfície, pode parecer «que as coisas não estejam assim tão graves e que o planeta poderia subsistir ainda por muito tempo nas condições atuais. Este comportamento evasivo serve-nos para mantermos os nossos estilos de vida, de produção e consumo. É a forma como o ser humano se organiza para alimentar todos os vícios autodestrutivos: tenta não os ver, luta para não os reconhecer, adia as decisões importantes, age como se nada tivesse acontecido»[72]-
- 54. Além de tudo isso, quero lembrar que cada uma das diferentes espécies tem valor em si mesma. Ora, «anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais, que já não poderemos conhecer, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre. A grande maioria delas extingue-se por razões que têm a ver com alguma atividade humana. Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem. Não temos direito de o fazer»[73].
- 55. Aprendendo com os povos nativos, podemos contemplara Amazónia, e não apenas analisá-la, para reconhecer esse precioso mistério que nos supera; podemos amá-la, e não apenas usá-la, para que o amor desperte um interesse profundo e sincero; mais ainda, podemos sentir-nos intimamente unidos a ela, e não só defendê-la: e então a Amazónia tornar-se-á nossa como uma mãe. Porque se «contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres»[74].
- 56. Despertemos o sentido estético e contemplativo que Deus colocou em nós e que, às vezes, deixamos atrofiar. Lembremo-nos de que, «quando não se aprende a parar a fim de admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objeto de uso e abuso sem escrúpulos»[75]. Pelo contrário, se entrarmos em comunhão com a floresta, facilmente a nossa voz se unirá à dela e transformar-se-á em oração: «Deitados à sombra dum velho eucalipto, a nossa oração de luz mergulha no canto da folhagem eterna»[76]. Tal conversão interior é que nos permitirá chorar pela Amazónia e gritar com ela diante do Senhor.
- 57. Jesus disse: «Não se vendem cinco passarinhos por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus» (Lc12, 6). Deus Pai, que criou com infinito amor cada ser do universo, chama-nos a ser seus instrumentos para escutar o grito da Amazónia. Se acudirmos a este clamor angustiado, tornar-se-á manifesto que as criaturas da Amazónia não foram esquecidas pelo Pai do céu. Segundo os cristãos, o próprio Jesus nos chama a partir delas, «porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que Ele, admirado, contemplou com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua presença luminosa»[77]. Por todas estas razões, nós, os crentes, encontramos na Amazónia um lugar teológico, um espaço onde o próprio Deus Se manifesta e chama os seus filhos.
Educação e hábitos ecológicos
- 58. Assim, podemos dar mais um passo e lembrar que uma ecologia integral não se dá por satisfeita com ajustar questões técnicas ou com decisões políticas, jurídicas e sociais. A grande ecologia sempre inclui um aspeto educativo, que provoca o desenvolvimento de novos hábitos nas pessoas e nos grupos humanos. Infelizmente, muitos habitantes da Amazónia adquiriram costumes próprios das grandes cidades, onde já estão muito enraizados o consumismo e a cultura do descarte. Não haverá uma ecologia sã e sustentável, capaz de transformar seja o que for, se não mudarem as pessoas, se não forem incentivadas a adotar outro estilo de vida, menos voraz, mais sereno, mais respeitador, menos ansioso, mais fraterno.
- 59. De facto, «quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objetos para comprar, possuir e consumir. Em tal contexto, parece não ser possível, para uma pessoa, aceitar que a realidade lhe assinale limites; (…) não pensemos só na possibilidade de terríveis fenómenos climáticos ou de grandes desastres naturais, mas também nas catástrofes resultantes de crises sociais, porque a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e destruição recíproca».[78]
- 60. A Igreja, com a sua longa experiência espiritual, a sua consciência renovada sobre o valor da criação, a sua preocupação com a justiça, a sua opção pelos últimos, a sua tradição educativa e a sua história de encarnação em culturas tão diferentes de todo o mundo, deseja, por sua vez, prestar a sua contribuição para o cuidado e o crescimento da Amazónia.
Isso dá lugar ao novo sonho, que pretendo partilhar mais diretamente com os pastores e os fiéis católicos.
Capítulo IV
UM SONHO ECLESIAL
- 61. A Igreja é chamada a caminhar com os povos da Amazónia. Na América Latina, esta caminhada teve expressões privilegiadas, como a Conferência dos Bispos em Medellín (1968) e a sua aplicação à Amazónia em Santarém (1972)[79]; e, depois, em Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007). O caminho continua e o trabalho missionário, se quiser desenvolver uma Igreja com rosto amazónico, precisa de crescer numa cultura do encontro rumo a uma «harmonia pluriforme»[80]. Mas, para tornar possível esta encarnação da Igreja e do Evangelho, deve ressoar incessantemente o grande anúncio missionário.
O anúncio indispensável na Amazónia
- 62. Perante tantas necessidades e angústias que clamam do coração da Amazónia, é possível responder a partir de organizações sociais, recursos técnicos, espaços de debate, programas políticos… e tudo isso pode fazer parte da solução. Mas, como cristãos, não renunciamos à proposta de fé que recebemos do Evangelho. Embora queiramos empenhar-nos lado a lado com todos, não nos envergonhamos de Jesus Cristo. Para quantos O encontraram, vivem na sua amizade e se identificam com a sua mensagem, é inevitável falar d’Ele e levar aos outros a sua proposta de vida nova: «Ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor9, 16).
- 63. A autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao mesmo tempo que nos impele a libertá-los da miséria material e defender os seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica. Seria triste se recebessem de nós um código de doutrinas ou um imperativo moral, mas não o grande anúncio salvífico, aquele grito missionário que visa o coração e dá sentido a todo o resto. Nem podemos contentar-nos com uma mensagem social. Se dermos a vida por eles, pela justiça e a dignidade que merecem, não podemos ocultar-lhes que o fazemos porque reconhecemos Cristo neles e porque descobrimos a imensa dignidade a eles concedida por Deus Pai que os ama infinitamente.
- 64. Eles têm direito ao anúncio do Evangelho, sobretudo àquele primeiro anúncio que se chama querigma e «é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar duma forma ou doutra»[81]. É o anúncio de um Deus que ama infinitamente cada ser humano, que manifestou plenamente este amor em Cristo crucificado por nós e ressuscitado na nossa vida. Proponho voltar a ler um breve resumo deste conteúdo no capítulo IV da Exortação Christus vivit. Este anúncio deve ressoar constantemente na Amazónia, expresso em muitas modalidades distintas. Sem este anúncio apaixonado, cada estrutura eclesial transformar-se-á em mais uma ONG e, assim, não responderemos ao pedido de Jesus Cristo: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc16, 15).
- 65. Qualquer proposta de amadurecimento na vida cristã precisa de ter este anúncio como eixo permanente, porque «toda a formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne»[82]. A reação fundamental a este anúncio, quando o mesmo consegue provocar um encontro pessoal com o Senhor, é a caridade fraterna, aquele «mandamento novo que é o primeiro, o maior, o que melhor nos identifica como discípulos»[83]. Deste modo, o querigma e o amor fraterno constituem a grande síntese de todo o conteúdo do Evangelho, que não se pode deixar de propor na Amazónia. É o que viveram grandes evangelizadores da América Latina como São Toríbio de Mogrovejo ou São José de Anchieta.
A inculturação
- 66. Ao mesmo tempo que anuncia sem cessar o querigma, a Igreja deve crescer na Amazónia. Para isso, não para de moldar a sua própria identidade na escuta e diálogo com as pessoas, realidades e histórias do território. Desta forma, ir-se-á desenvolvendo cada vez mais um processo necessário de inculturação, que nada despreza do bem que já existe nas culturas amazónicas, mas recebe-o e leva-o à plenitude à luz do Evangelho[84]. E também não despreza a riqueza de sabedoria cristã transmitida ao longo dos séculos, como se pretendesse ignorar a história na qual Deus operou de várias maneiras, porque a Igreja possui um rosto pluriforme, vista «não só da perspetiva espacial (…), mas também da sua realidade temporal»[85]. Trata-se da Tradição autêntica da Igreja, que não é um depósito estático nem uma peça de museu, mas a raiz duma árvore que cresce[86]. É a Tradição milenar que testemunha a ação divina no seu povo e cuja «missão é mais a de manter vivo o fogo, do que conservar as suas cinzas»[87].
- 67. São João Paulo IIensinou que a Igreja, ao apresentar a sua proposta evangélica, «não pretende negar a autonomia da cultura. Antes pelo contrário, nutre por ela o maior respeito», porque a cultura «não é só sujeito de redenção e de elevação; mas pode ter também um papel de mediação e de colaboração»[88]. E, dirigindo-se aos indígenas do Continente Americano, lembrou que «uma fé que não se torna cultura é uma fé não de modo pleno acolhida, não inteiramente pensada, nem com fidelidade vivida»[89]. Os desafios das culturas convidam a Igreja a uma «atitude de prudente sentido crítico, mas também de atenção e confiança»[90].
- 68. Vale a pena lembrar aqui o que afirmei na Exortação Evangelii gaudiuma propósito da inculturação: esta baseia-se na convicção de que «a graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe»[91]. Notemos que isto implica um duplo movimento: por um lado, uma dinâmica de fecundação que permite expressar o Evangelho num lugar concreto, pois «quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua cultura com a força transformadora do Evangelho»[92]; por outro, a própria Igreja vive um caminho de receção, que a enriquece com aquilo que o Espírito já tinha misteriosamente semeado naquela cultura. Assim, «o Espírito Santo embeleza a Igreja, mostrando-lhe novos aspetos da Revelação e presenteando-a com um novo rosto»[93]. Trata-se, em última instância, de permitir e incentivar a que o anúncio do Evangelho inexaurível, comunicado «com categorias próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura»[94].
- Por isso, «como podemos ver na história da Igreja, o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural»[95]e «não faria justiça à lógica da encarnação pensar num cristianismo monocultural e monocórdico»[96]. Entretanto, o risco dos evangelizadores que chegam a um lugar é julgar que devem não só comunicar o Evangelho, mas também a cultura em que cresceram, esquecendo que não se trata de «impor uma determinada forma cultural, por mais bela e antiga que seja»[97]. É necessário aceitar corajosamente a novidade do Espírito capaz de criar sempre algo de novo com o tesouro inesgotável de Jesus Cristo, porque «a inculturação empenha a Igreja num caminho difícil mas necessário»[98]. É verdade que, «embora estes processos sejam sempre lentos, às vezes o medo paralisa-nos demasiado» e acabamos como «espectadores duma estagnação estéril da Igreja»[99]. Não tenhamos medo, não cortemos as asas ao Espírito Santo.
Caminhos de inculturação na Amazónia
- 70. Para conseguir uma renovada inculturação do Evangelho na Amazónia, a Igreja precisa de escutar a sua sabedoria ancestral, voltar a dar voz aos idosos, reconhecer os valores presentes no estilo de vida das comunidades nativas, recuperar a tempo as preciosas narrações dos povos. Na Amazónia, já recebemos riquezas que provêm das culturas pré-colombianas, tais «como a abertura à ação de Deus, o sentido da gratidão pelos frutos da terra, o caráter sagrado da vida humana e a valorização da família, o sentido de solidariedade e a corresponsabilidade no trabalho comum, a importância do cultual, a crença em uma vida para além da terrena e tantos outros valores»[100].
- 71. Neste contexto, os povos indígenas da Amazónia expressam a autêntica qualidade de vida como um «bem viver», que implica uma harmonia pessoal, familiar, comunitária e cósmica e manifesta-se no seu modo comunitário de conceber a existência, na capacidade de encontrar alegria e plenitude numa vida austera e simples, bem como no cuidado responsável da natureza que preserva os recursos para as gerações futuras. Os povos aborígenes podem ajudar-nos a descobrir o que é uma sobriedade feliz e, nesta linha, «têm muito para nos ensinar»[101]. Sabem ser felizes com pouco, gozam dos pequenos dons de Deus sem acumular tantas coisas, não destroem sem necessidade, preservam os ecossistemas e reconhecem que a terra, ao mesmo tempo que se oferece para sustentar a sua vida, como uma fonte generosa, tem um sentido materno que suscita respeitosa ternura. Tudo isto deve ser valorizado e recebido na evangelização[102].
- 72. Enquanto lutamos por eles e com eles, somos chamados «a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles»[103]. Os habitantes das cidades precisam de apreciar esta sabedoria e deixar-se «reeducar» quanto ao consumismo ansioso e ao isolamento urbano. A própria Igreja pode ser um veículo capaz de ajudar esta recuperação cultural numa válida síntese com o anúncio do Evangelho. Além disso, torna-se instrumento de caridade, na medida em que as comunidades urbanas forem não apenas missionárias no seu ambiente, mas também acolhedoras dos pobres que chegam do interior acossados pela miséria. É-o, igualmente, na medida em que as comunidades estiverem próximas dos jovens migrantes para os ajudarem a integrar-se na cidade sem cair nas suas redes de degradação. Tais ações eclesiais, que brotam do amor, são caminhos valiosos dentro dum processo de inculturação.
- 73. Mas, a inculturação eleva e dá plenitude. Sem dúvida, há que apreciar esta espiritualidade indígena da interconexão e interdependência de todo o criado, espiritualidade de gratuidade que ama a vida como dom, espiritualidade de sacra admiração perante a natureza que nos cumula com tanta vida. Apesar disso, trata-se também de conseguir que esta relação com Deus presente no cosmos se torne cada vez mais uma relação pessoal com um «Tu», que sustenta a própria realidade e lhe quer dar um sentido, um «Tu» que nos conhece e ama:
«Flutuam sombras de mim, madeiras mortas.
Mas a estrela nasce sem censura
sobre as mãos deste menino, especialistas
que conquistam as águas e a noite.
Bastar-me-á saber
que Tu me conheces
inteiramente, ainda antes dos meus dias»[104].
- 74. De igual modo, a relação com Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, libertador e redentor, não é inimiga desta visão do mundo marcadamente cósmica que carateriza estes povos, porque Ele é também o Ressuscitado que penetra todas as coisas[105]. Segundo a experiência cristã, «todas as criaturas do universo material encontram o seu verdadeiro sentido no Verbo encarnado, porque o Filho de Deus incorporou na sua pessoa parte do universo material, onde introduziu um gérmen de transformação definitiva»[106]. Ele está, gloriosa e misteriosamente, presente no rio, nas árvores, nos peixes, no vento, enquanto é o Senhor que reina sobre a criação sem perder as suas chagas transfiguradas e, na Eucaristia, assume os elementos do mundo dando a cada um o sentido do dom pascal.
Inculturação social e espiritual
- 75. Esta inculturação, atendendo à situação de pobreza e abandono de tantos habitantes da Amazónia, deverá necessariamente ter um timbre marcadamente social e caraterizar-se por uma defesa firme dos direitos humanos, fazendo resplandecer o rosto de Cristo que «quis, com ternura especial, identificar-Se com os mais frágeis e pobres»[107]. Pois, «a partir do coração do Evangelho, reconhecemos a conexão íntima que existe entre evangelização e promoção humana»[108], e isto exige das comunidades cristãs um claro empenho com o Reino de justiça na promoção dos descartados. Para isso, é sumamente importante uma adequada formação dos agentes pastorais na doutrina social da Igreja.
- 76. Ao mesmo tempo, a inculturação do Evangelho na Amazónia deve integrar melhor a dimensão social com a espiritual, para que os mais pobres não tenham necessidade de ir buscar fora da Igreja uma espiritualidade que dê resposta aos anseios da sua dimensão transcendente. Naturalmente, não se trata duma religiosidade alienante ou individualista que faça calar as exigências sociais duma vida mais digna, mas também não se trata de mutilar a dimensão transcendente e espiritual como se bastasse ao ser humano o desenvolvimento material. Isto convida-nos não só a combinar as duas coisas, mas também a ligá-las intimamente. Deste modo resplandecerá a verdadeira beleza do Evangelho, que é plenamente humanizadora, dá plena dignidade às pessoas e aos povos, cumula o coração e a vida inteira.
Pontos de partida para uma santidade amazónica
- 77. Assim poderão nascer testemunhos de santidade com rosto amazónico, que não sejam cópias de modelos doutros lugares, santidade feita de encontro e dedicação, de contemplação e serviço, de solidão acolhedora e vida comum, de jubilosa sobriedade e luta pela justiça. Chega-se a esta santidade «cada um por seu caminho»[109], e isto aplica-se também aos povos, onde a graça se encarna e brilha com traços distintivos. Imaginemos uma santidade com traços amazónicos, chamada a interpelar a Igreja universal.
- 78. Um processo de inculturação, que implica caminhos não só individuais, mas também comunitários, exige um amor ao povo cheio de respeito e compreensão. Em boa parte da Amazónia, este processo já começou. Há mais de quarenta anos, os bispos da Amazónia do Perú assinalavam que, em muitos dos grupos presentes naquela região, «o sujeito de evangelização, modelado por uma cultura própria, multiforme e mutável, está inicialmente evangelizado», pois possui «certos traços de catolicismo popular que, embora num primeiro tempo talvez tenham sido promovidos por agentes pastorais, atualmente são uma realidade que o povo assumiu e até mudou o seu significado transmitindo-os de geração em geração»[110]. Não nos apressemos a qualificar como superstição ou paganismo certas expressões religiosas que nascem, espontaneamente, da vida do povo. Antes, é necessário saber reconhecer o trigo que cresce no meio do joio, porque, «na piedade popular, pode-se captar a modalidade em que a fé recebida se encarnou numa cultura e continua a transmitir-se»[111].
- 79. É possível receber, de alguma forma, um símbolo indígena sem o qualificar necessariamente como idolátrico. Um mito denso de sentido espiritual pode ser valorizado, sem continuar a considerá-lo um extravio pagão. Algumas festas religiosas contêm um significado sagrado e são espaços de reunião e fraternidade, embora se exija um lento processo de purificação e maturação. Um verdadeiro missionário procura descobrir as aspirações legítimas que passam através das manifestações religiosas, às vezes imperfeitas, parciais ou equivocadas, e tenta dar-lhes resposta a partir duma espiritualidade inculturada.
- 80. Será, sem dúvida, uma espiritualidade centrada no único Deus e Senhor, mas ao mesmo tempo capaz de entrar em contacto com as necessidades diárias das pessoas que procuram uma vida digna, querem gozar as coisas belas da existência, encontrar a paz e a harmonia, resolver as crises familiares, curar as suas doenças, ver os seus filhos crescerem felizes. O pior perigo seria afastá-los do encontro com Cristo, apresentando-O como um inimigo da alegria ou como alguém que é indiferente às aspirações e angústias humanas[112]. Hoje é indispensável mostrar que a santidade não priva as pessoas de «forças, vida e alegria»[113].
A inculturação da liturgia
- 81. A inculturação da espiritualidade cristã nas culturas dos povos nativos encontra, nos Sacramentos, um caminho particularmente valioso, porque neles se unem o divino e o cósmico, a graça e a criação. Na Amazónia, os Sacramentos não deveriam ser vistos como separação da criação, pois «constituem um modo privilegiado em que a natureza é assumida por Deus e transformada em mediação da vida sobrenatural»[114]. São uma plenificação da criação, na qual a natureza é elevada para ser lugar e instrumento da graça, para «abraçar o mundo num plano diferente»[115].
- 82. Na Eucaristia vemos que, «no apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria. (…) [Ela] une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação»[116]. Por isso, a Eucaristia pode ser «fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos a ser guardiões da criação inteira»[117]. Assim, «não fugimos do mundo, nem negamos a natureza, quando queremos encontrar-nos com Deus».[118]Isto permite-nos receber na liturgia muitos elementos próprios da experiência dos indígenas no seu contacto íntimo com a natureza e estimular expressões autóctones em cantos, danças, ritos, gestos e símbolos. O Concílio Vaticano II solicitara este esforço de inculturação da liturgia nos povos indígenas[119], mas passaram-se já mais de cinquenta anos e pouco avançamos nesta linha[120].
- 83. No domingo, «a espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da festa. O ser humano tende a reduzir o descanso contemplativo ao âmbito do estéril ou do inútil, esquecendo que deste modo se tira à obra realizada o mais importante: o seu significado. Na nossa atividade, somos chamados a incluir uma dimensão recetiva e gratuita»[121]. Os povos nativos conhecem esta gratuidade e este sadio lazer contemplativo. As nossas celebrações deveriam ajudá-los a viver esta experiência na liturgia dominical e encontrar a luz da Palavra e da Eucaristia que ilumina as nossas vidas concretas.
- 84. Os Sacramentos mostram e comunicam o Deus próximo que vem, com misericórdia, curar e fortalecer os seus filhos. Por isso, devem ser acessíveis, sobretudo aos pobres, e nunca devem ser negados por razões de dinheiro. Nem é admissível, face aos pobres e abandonados da Amazónia, uma disciplina que exclua e afaste, porque assim acabam descartados por uma Igreja transformada numa alfândega. Pelo contrário, «nas situações difíceis em que vivem as pessoas mais necessitadas, a Igreja deve pôr um cuidado especial em compreender, consolar e integrar, evitando impor-lhes um conjunto de normas como se fossem uma rocha, tendo como resultado fazê-las sentir-se julgadas e abandonadas precisamente por aquela Mãe que é chamada a levar-lhes a misericórdia de Deus»[122]. Segundo a Igreja, a misericórdia pode tornar-se uma mera expressão romântica, se não se manifestar concretamente no serviço pastoral[123].
A inculturação do ministério
- 85. A inculturação deve desenvolver-se e espelhar-se também numa forma encarnada de realizar a organização eclesial e o ministério. Se se incultura a espiritualidade, se se incultura a santidade, se se incultura o próprio Evangelho, será possível evitar de pensar numa inculturação do modo como se estruturam e vivem os ministérios eclesiais? A pastoral da Igreja tem uma presença precária na Amazónia, devido em parte à imensa extensão territorial, com muitos lugares de difícil acesso, grande diversidade cultural, graves problemas sociais e a própria opção de alguns povos se isolarem. Isto não pode deixar-nos indiferentes, exigindo uma resposta específica e corajosa da Igreja.
- 86. É necessário conseguir que o ministério se configure de tal maneira que esteja ao serviço duma maior frequência da celebração da Eucaristia, mesmo nas comunidades mais remotas e escondidas. Em Aparecida, convidou-se a ouvir o lamento de tantas comunidades na Amazónia «privadas da Eucaristia dominical por longos períodos de tempo»[124.]Mas, ao mesmo tempo, há necessidade de ministros que possam compreender a partir de dentro a sensibilidade e as culturas amazónicas.
- 87. O modo de configurar a vida e o exercício do ministério dos sacerdotes não é monolítico, adquirindo matizes diferentes nos vários lugares da terra. Por isso, é importante determinar o que é mais específico do sacerdote, aquilo que não se pode delegar. A resposta está no sacramento da Ordem sacra, que o configura a Cristo sacerdote. E a primeira conclusão é que este caráter exclusivo recebido na Ordem deixa só ele habilitado para presidir à Eucaristia[125].Esta é a sua função específica, principal e não delegável. Alguns pensam que aquilo que distingue o sacerdote seja o poder, o fato de ser a máxima autoridade da comunidade; mas São João Paulo II explicou que, embora o sacerdócio seja considerado «hierárquico», esta função não equivale a estar acima dos outros, mas «ordena-se integralmente à santidade dos membros do corpo místico de Cristo»[126]. Quando se afirma que o sacerdote é sinal de «Cristo cabeça», o significado principal é que Cristo constitui a fonte da graça: Ele é cabeça da Igreja «porque tem o poder de comunicar a graça a todos os membros da Igreja»[127].
- 88. O sacerdote é sinal desta Cabeça que derrama a graça, antes de tudo, quando celebra a Eucaristia, fonte e cume de toda a vida cristã[128]. Este é o seu grande poder, que só pode ser recebido no sacramento da Ordem. Por isso, apenas ele pode dizer: «Isto é o meucorpo». Há outras palavras que só ele pode pronunciar: «Eu te absolvo dos teus pecados»; pois o perdão sacramental está ao serviço duma celebração eucarística digna. Nestes dois sacramentos, está o coração da sua identidade exclusiva[129].
- 89. Nas circunstâncias específicas da Amazónia, especialmente nas suas florestas e lugares mais remotos, é preciso encontrar um modo para assegurar este ministério sacerdotal. Os leigos poderão anunciar a Palavra, ensinar, organizar as suas comunidades, celebrar alguns Sacramentos, buscar várias expressões para a piedade popular e desenvolver os múltiplos dons que o Espírito derrama neles. Mas precisam da celebração da Eucaristia, porque ela «faz a Igreja»[130], e chegamos a dizer que «nenhuma comunidade cristã se edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da Santíssima Eucaristia»[131]. Se acreditamos verdadeiramente que as coisas estão assim, é urgente fazer com que os povos amazónicos não estejam privados do Alimento de vida nova e do sacramento do perdão.
- 90. Esta premente necessidade leva-me a exortar todos os bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações sacerdotais e também a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazónia[132]. Ao mesmo tempo, é oportuno rever a fundo a estrutura e o conteúdo tanto da formação inicial como da formação permanente dos presbíteros, de modo que adquiram as atitudes e capacidades necessárias para dialogar com as culturas amazónicas. Esta formação deve ser eminentemente pastoral e favorecer o crescimento da misericórdia sacerdotal[133].
Comunidades cheias de vida
- 91. A Eucaristia é também o grande sacramento que significa e realiza a unidadeda Igreja[134], celebrando-se «para que, de estranhos, dispersos e indiferentes uns aos outros, nos tornemos unidos, iguais e amigos»[135]. Quem preside à Eucaristia deve ter a peito a comunhão, que, longe de ser uma unidade empobrecida, acolhe a múltipla riqueza de dons e carismas que o Espírito derrama na comunidade.
- 92. Ora a Eucaristia, como fonte e cume, exige que se desenvolva esta riqueza multiforme. São necessários sacerdotes, mas isto não exclui que ordinariamente os diáconos permanentes – deveriam ser muitos mais na Amazónia –, as religiosas e os próprios leigos assumam responsabilidades importantes em ordem ao crescimento das comunidades e maturem no exercício de tais funções, graças a um adequado acompanhamento.
- 93. Portanto não se trata apenas de facilitar uma presença maior de ministros ordenados que possam celebrar a Eucaristia. Isto seria um objetivo muito limitado, se não procurássemos também suscitar uma nova vida nas comunidades. Precisamos de promover o encontro com a Palavra e o amadurecimento na santidade por meio de vários serviços laicais, que supõem um processo de maturação – bíblica, doutrinal, espiritual e prática – e distintos percursos de formação permanente.
- 94. Uma Igreja de rostos amazónicos requer a presença estável de responsáveis leigos, maduros e dotados de autoridade[136], que conheçam as línguas, as culturas, a experiência espiritual e o modo de viver em comunidade de cada lugar, ao mesmo tempo que deixem espaço à multiplicidade dos dons que o Espírito Santo semeia em todos. Com efeito, onde houver uma necessidade peculiar, Ele já infundiu carismas que permitam dar-lhe resposta. Isto requer na Igreja capacidade para abrir estradas à audácia do Espírito, confiar e concretamente permitir o desenvolvimento duma cultura eclesial própria, marcadamente laical. Os desafios da Amazónia exigem da Igreja um esforço especial para conseguir uma presença capilar que só é possível com um incisivo protagonismo dos leigos.
- 95. Muitas pessoas consagradas gastaram as suas energias e grande parte da sua vida pelo Reino de Deus na Amazónia. A vida consagrada, capaz de diálogo, síntese, encarnação e profecia, ocupa um lugar especial nesta configuração plural e harmoniosa da Igreja amazónica. Mas faz-lhes falta um novo esforço de inculturação, que ponha em jogo a criatividade, a audácia missionária, a sensibilidade e a força peculiar da vida comunitária.
- 96. As comunidades de base, sempre que souberam integrar a defesa dos direitos sociais com o anúncio missionário e a espiritualidade, foram verdadeiras experiências de sinodalidade no caminho evangelizador da Igreja na Amazónia. Muitas vezes «têm ajudado a formar cristãos comprometidos com a sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como o testemunha a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos dos seus membros»[137].
- 97. Encorajo o aprofundamento do serviço conjunto que se realiza através da REPAM e outras associações com o objetivo de consolidar aquilo que solicitava Aparecida: «estabelecer, entre as Igrejas locais de diversos países sul-americanos que estão na bacia amazónica, uma pastoral de conjunto com prioridades diferenciadas»[138]. Isto vale especialmente para a relação entre as Igrejas confinantes.
- 98. Por fim, quero lembrar que nem sempre podemos pensar em projetos para comunidades estáveis, porque na Amazónia há uma grande mobilidade interna, uma migração constante, muitas vezes pendular, e «a região transformou-se efetivamente num corredor migratório»[139]. A «transumância amazónica não foi bem compreendida nem suficientemente elaborada do ponto de vista pastoral»[140]. Por isso devemos pensar em grupos missionários itinerantes e «apoiar a inserção e a itinerância dos consagrados e consagradas ao lado dos mais desfavorecidos e excluídos»[141]. Por outro lado, isto desafia as nossas comunidades urbanas, que deveriam cultivar com inteligência e generosidade, especialmente nas periferias, várias formas de proximidade e receção às famílias e jovens que chegam ao território.
A força e o dom das mulheres
- 99. Na Amazónia, há comunidades que se mantiveram e transmitiram a fé durante longo tempo, mesmo decênios, sem que algum sacerdote passasse por lá. Isto foi possível graças à presença de mulheres fortes e generosas, que batizaram, catequizaram, ensinaram a rezar, foram missionárias, certamente chamadas e impelidas pelo Espírito Santo. Durante séculos, as mulheres mantiveram a Igreja de pé nesses lugares com admirável dedicação e fé ardente. No Sínodo, elas mesmas nos comoveram a todos com o seu testemunho.
- 100. Isto convida-nos a alargar o horizonte para evitar reduzir a nossa compreensão da Igreja a meras estruturas funcionais. Este reducionismo levar-nos-ia a pensar que só se daria às mulheres um statuse uma participação maior na Igreja se lhes fosse concedido acesso à Ordem sacra. Mas, na realidade, este horizonte limitaria as perspectivas, levar-nos-ia a clericalizar as mulheres, diminuiria o grande valor do que elas já deram e subtilmente causaria um empobrecimento da sua contribuição indispensável.
- 101. Jesus Cristo apresenta-Se como Esposo da comunidade que celebra a Eucaristia, através da figura de um varão que a ela preside como sinal do único Sacerdote. Este diálogo entre o Esposo e a esposa que se eleva na adoração e santifica a comunidade não deveria fechar-nos em conceções parciais sobre o poder na Igreja. Porque o Senhor quis manifestar o seu poder e o seu amor através de dois rostos humanos: o de seu divino Filho feito homem e o de uma criatura que é mulher, Maria. As mulheres prestam à Igreja a sua contribuição segundo o modo que lhes é próprio e prolongando a força e a ternura de Maria, a Mãe. Deste modo não nos limitamos a uma impostação funcional, mas entramos na estrutura íntima da Igreja. Assim compreendemos radicalmente por que, sem as mulheres, ela se desmorona, como teriam caído aos pedaços muitas comunidades da Amazónia se não estivessem lá as mulheres, sustentando-as, conservando-as e cuidando delas. Isto mostra qual é o seu poder caraterístico.
- 102. Não podemos deixar de incentivar os talentos populares que deram às mulheres tanto protagonismo na Amazónia, embora hoje as comunidades estejam sujeitas a novos riscos que outrora não existiam. A situação atual exige que estimulemos o aparecimento doutros serviços e carismas femininos que deem resposta às necessidades específicas dos povos amazónicos neste momento histórico.
- 103. Numa Igreja sinodal, as mulheres, que de facto realizam um papel central nas comunidades amazónicas, deveriam poder ter acesso a funções e inclusive serviços eclesiais que não requeiram a Ordem sacra e permitam expressar melhor o seu lugar próprio. Convém recordar que tais serviços implicam uma estabilidade, um reconhecimento público e um envio por parte do bispo. Daqui resulta também que as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na guia das comunidades, mas sem deixar de o fazer no estilo próprio do seu perfil feminino.
Ampliar horizontes para além dos conflitos
- 104. Frequentemente sucede que, num determinado lugar, os agentes pastorais vislumbram soluções muito diferentes para os problemas que enfrentam e, por isso, propõem formas aparentemente opostas de organização eclesial. Quando isto acontece, é provável que a verdadeira resposta aos desafios da evangelização esteja na superação de tais propostas, procurando outros caminhos melhores, talvez ainda não imaginados. O conflito supera-se num nível superior, onde cada uma das partes, sem deixar de ser fiel a si mesma, se integra com a outra numa nova realidade. Tudo se resolve «num plano superior que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste»[142]. Caso contrário, o conflito fecha-nos, «perdemos a perspetiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada»[143].
- 105. Isto não significa de maneira alguma relativizar os problemas, fugir deles ou deixar as coisas como estão. As verdadeiras soluções nunca se alcançam amortecendo a audácia, subtraindo-se às exigências concretas ou buscando culpas externas. Pelo contrário, a via de saída encontra-se por «transbordamento», transcendendo a dialética que limita a visão para poder assim reconhecer um dom maior que Deus está a oferecer. Deste novo dom recebido com coragem e generosidade, deste dom inesperado que desperta uma nova e maior criatividade, brotarão, como que duma fonte generosa, as respostas que a dialética não nos deixava ver. Nos seus primórdios, a fé cristã difundiu-se admiravelmente seguindo esta lógica que lhe permitiu, a partir duma matriz judaica, encarnar-se nas culturas grega e romana e adquirir na sua passagem fisionomias diferentes. De forma análoga, neste momento histórico, a Amazónia desafia-nos a superar perspetivas limitadas, soluções pragmáticas que permanecem enclausuradas em aspetos parciais das grandes questões, para buscar caminhos mais amplos e ousados de inculturação.
A convivência ecuménica e inter-religiosa
- 106. Numa Amazónia plurirreligiosa, os crentes precisam de encontrar espaços para dialogar e atuar juntos pelo bem comum e a promoção dos mais pobres. Não se trata de nos tornarmos todos mais volúveis nem de escondermos as convicções próprias que nos apaixonam, para podermos encontrar-nos com outros que pensam de maneira diferente. Se uma pessoa acredita que o Espírito Santo pode agir no diverso, então procurará deixar-se enriquecer com essa luz, mas acolhê-la-á a partir de dentro das suas próprias convicções e da sua própria identidade. Com efeito, quanto mais profunda, sólida e rica for uma identidade, mais enriquecerá os outros com a sua contribuição específica.
- 107. Nós, católicos, possuímos um tesouro nas Escrituras Sagradas que outras religiões não aceitam, embora às vezes sejam capazes de as ler com interesse e inclusive apreciar alguns dos seus conteúdos. Algo semelhante, procuramos nós fazer face aos textos sagrados doutras religiões e comunidades religiosas, onde se encontram «preceitos e doutrinas que (…) refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens»[144]. Temos também uma grande riqueza nos sete Sacramentos, que algumas comunidades cristãs não aceitam na sua totalidade ou com idêntico sentido. Ao mesmo tempo que acreditamos firmemente em Jesus como único Redentor do mundo, cultivamos uma profunda devoção à sua Mãe. Embora saibamos que isto não se verifica em todas as confissões cristãs, sentimos o dever de comunicar à Amazónia a riqueza deste ardente amor materno, do qual nos sentimos depositários. De facto, terminarei esta Exortação com algumas palavras dirigidas a Maria.
- 108. Nada disto teria que nos tornar inimigos. Num verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos pelo bem da Amazónia. A força do que une a todos os cristãos tem um valor imenso. Prestamos tanta atenção ao que nos divide que, às vezes, já não apreciamos nem valorizamos o que nos une. E isto que nos une é o que nos permite estar no mundo sem sermos devorados pela imanência terrena, o vazio espiritual, o cómodo egocentrismo, o individualismo consumista e autodestrutivo.
- 109. Como cristãos, a todos nos une a fé em Deus, o Pai que nos dá a vida e tanto nos ama. Une-nos a fé em Jesus Cristo, o único Redentor, que nos libertou com o seu bendito sangue e a sua ressurreição gloriosa. Une-nos o desejo da sua Palavra, que guia os nossos passos. Une-nos o fogo do Espírito que nos impele para a missão. Une-nos o mandamento novo que Jesus nos deixou, a busca duma civilização do amor, a paixão pelo Reino que o Senhor nos chama a construir com Ele. Une-nos a luta pela paz e a justiça. Une-nos a convicção de que nem tudo acaba nesta vida, mas estamos chamados para a festa celeste, onde Deus enxugará as nossas lágrimas e recolherá o que tivermos feito pelos que sofrem.
- 110. Tudo isto nos une. Como não lutar juntos? Como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazónia, mostrar o rosto santo do Senhor e cuidar da sua obra criadora?
Conclusão
A MÃE DA AMAZÓNIA
- 111. Depois de partilhar alguns sonhos, exorto todos a avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazónia e libertá-la dos males que a afligem. Agora levantemos o olhar para Maria, a Mãe que Cristo nos deixou. E, embora seja a única Mãe de todos, manifesta-Se de distintas maneiras na Amazónia. Sabemos que «os indígenas se encontram vitalmente com Jesus Cristo por muitos caminhos; mas o caminho mariano contribuiu mais que tudo para este encontro»[145]. Perante a beleza da Amazónia, que fomos descobrindo cada vez melhor durante a preparação e o desenrolar do Sínodo, penso que o melhor será concluir esta Exortação dirigindo-nos a Ela:
Mãe da vida,
no vosso seio materno formou-Se Jesus,
que é o Senhor de tudo o que existe.
Ressuscitado, Ele transformou-Vos com a sua luz
e fez-Vos Rainha de toda a criação.
Por isso Vos pedimos que reineis, Maria,
no coração palpitante da Amazónia.
Mostrai-Vos como mãe de todas as criaturas,
na beleza das flores, dos rios,
do grande rio que a atravessa
e de tudo o que vibra nas suas florestas.
Protegei, com o vosso carinho, aquela explosão de beleza.
Pedi a Jesus que derrame todo o seu amor
nos homens e mulheres que moram lá,
para que saibam admirá-la e cuidar dela.
Fazei nascer vosso Filho nos seus corações
para que Ele brilhe na Amazónia,
nos seus povos e nas suas culturas,
com a luz da sua Palavra, com o conforto do seu amor,
com a sua mensagem de fraternidade e justiça.
Que, em cada Eucaristia,
se eleve também tanta maravilha
para a glória do Pai.
Mãe, olhai para os pobres da Amazónia,
porque o seu lar está a ser destruído
por interesses mesquinhos.
Quanta dor e quanta miséria,
quanto abandono e quanto atropelo
nesta terra bendita,
transbordante de vida!
Tocai a sensibilidade dos poderosos
porque, apesar de sentirmos que já é tarde,
Vós nos chamais a salvar
o que ainda vive.
Mãe do coração trespassado,
que sofreis nos vossos filhos ultrajados
e na natureza ferida,
reinai Vós na Amazónia
juntamente com vosso Filho.
Reinai, de modo que ninguém mais se sinta dono
da obra de Deus.
Em Vós confiamos, Mãe da vida!
Não nos abandoneis
nesta hora escura.
Amen.
Dado em Roma, na Basílica de São João de Latrão, a 2 de fevereiro – Festa da Apresentação do Senhor – do ano 2020, sétimo do pontificado.
Franciscus
[1] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 49: AAS 107 (2015), 866.
[2] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 45.
[3] Ana Varela Tafur, «Timareo», in: Lo que no veo en visiones (Lima 1992).
[4] Jorge Vega Márquez, «Amazónia solitária», in: Poesía obrera (Cobija-Pando: Bolívia 2009), 39.
[5] Rede Eclesial Pan-Amazónica (REPAM), Brasil, Síntese da contribuição para o Sínodo, 120; cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 45.
[6] Discurso no encontro com os jovens (São Paulo, Brasil 10/V/2007), 2: Insegnamenti III/1 (2007), 808.
[7] Cf. Alberto C. Araújo, «Imaginário amazónico», in: Amazónia real. Ver amazoniareal.com.br (29/I/2014).
[8] São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26/III/1967), 57: AAS 59 (1967), 285.
[9] São João Paulo II, Discurso à Academia Pontifícia das Ciências Sociais (27/IV/2001), 4: AAS 93 (2001), 600.
[10] Cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 41.
[11] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 473.
[12] Ramón Iribertegui, Amazonas: El hombre y el caucho, ed. Vicariato Apostólico de Puerto Ayacucho – Venezuela, Monografia n.º 4 (Caracas 1987), 307ss.
[13] Cf. Amarílis Tupiassú, «Amazônia, das travessias lusitanas à literatura de até agora», in Estudos Avançados, vol. 19, n. 53 (São Paulo, janeiro/abril 2005): «De fato, depois de findar a primeira colonização, a Amazônia continuou seu trajeto de região açulada pela antiquíssima ganância, agora sob novas impostações retóricas (…) por agentes civilizatórios que nem precisam de corporificação para gerar e multiplicar as novas facetas da antiga dizimação, agora por via da morte devagar».
[14] Bispos da Amazónia do Brasil, Carta ao Povo de Deus (Santarém – Brasil 6/VII/2012).
[15] São João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da Paz em 1998 (8/XII/1997), 3: AAS 90 (1998), 150.
[16] III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Puebla (23/III/1979), 6.
[17] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 6. O Papa Paulo III, com o Breve Veritas ipsa (2/VI/1537), condenou as teses racistas, reconhecendo aos índios, cristãos ou não, a dignidade de pessoa humana, reconheceu-lhes o direito aos seus bens e proibiu que fossem reduzidos à escravidão. Afirmava: «Sendo homens como os outros, (...) não podem de modo algum ser privados da sua liberdade e da posse dos seus bens, nem mesmo aqueles que estão fora da fé de Jesus Cristo». Este ensinamento foi reiterado pelos Papas Gregório XIV, com a Bula Cum Sicuti (28/IV/1591), Urbano VIII, com a Bula Commissum Nobis (22/IV/1639), Bento XIV, com a Bula Immensa Pastorum Principis, dirigida aos bispos do Brasil (20/XII/1741), Gregório XVI, com o Breve In Supremo (3/XII/1839), Leão XIII, na Epístola aos Bispos do Brasil sobre a escravatura (5/V/1888), São João Paulo II, na Mensagem aos indígenas da América (Santo Domingo 12/X/1992), 2: Insegnamenti XV/2 (1992), 341-347.
[18] Frederico Benício de Sousa Costa, Carta Pastoral (1909), ed. Imprensa do governo do Estado de Amazonas (Manaus 1994), 83.
[19] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 7.
[20] Francisco, Discurso por ocasião do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares (Santa Cruz da Serra – Bolívia 09/VII/2015): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 16/VII/2015), 13.
[21] Francisco, Discurso no Encontro com os Povos da Amazónia (Puerto Maldonado – Perú 19/I/2018): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25/I/2018), 8.
[22] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 24.
[23] Yana Lucila Lema, Tamyahuan Shamakupani (Com a chuva estou vivendo), 1. Ver http://siwarmayu.com/es/yana-lucila-lema-6-poemas-de-tamyawan-shamu-ku-pa-ni-con-la-lluvia-estoy-viviendo/
[24] Conferência Episcopal Equatoriana, Cuidemos nuestro planeta (20/IV/2012), 3.
[25] N. 142: AAS 107 (2015), 904-905.
[27] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 83.
[28] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 239: AAS 105 (2013), 1116.
[31] Cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 57.
[32] Cf. Evaristo Eduardo de Miranda, Quando o Amazonas corria para o Pacífico (Petrópolis 2007), 83-93.
[33] Juan Carlos Galeano, «Paisajes», in: Amazonia y otros poemas (ed. Universidade Externato de Colômbia - Bogotá 2011), 31.
[34] Javier Yglesias, «Llamado», in: Revista peruana de Literatura, 6 (junho 2007), 31.
[35] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 144: AAS 107 (2015), 905.
[36] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25/III/2019), 186.
[38] Francisco, Mensagem em vídeo para o Encontro Mundial da Juventude Indígena, (Soloy – Panamá 17-21/I/2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/I/2019), 4.
[39] Mario Vargas Llosa, Prólogo de El Hablador (Madrid 08/X/2007).
[40] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25/III/2019), 195.
[41]São João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1/V/1991), 50: AAS 83 (1991), 856.
[42] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 97.
[43] Francisco, Discurso no Encontro com os Povos da Amazónia (Puerto Maldonado – Perú 19/I/2018): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25/I/2018), 9.
[44] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 123-e.
[45] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 144: AAS 107 (2015), 906.
[46] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29/VI/2009), 51 [AAS 101 (2009), 687]: «A natureza, especialmente no nosso tempo, está tão integrada nas dinâmicas sociais e culturais que quase já não constitui uma variável independente. A desertificação e a penúria produtiva de algumas áreas agrícolas são fruto também do empobrecimento das populações que as habitam e do seu atraso».
[47] Mensagem para o Dia Mundial da Paz em 2007 (8/XII/2006), 8: Insegnamenti, II/2 (2006), 776.
[48] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 16.91.117.138.240: AAS 107 (2015), 854.884.894.903.941.
[49] Documento Bolívia: Relatório do País. Consulta pré-sinodal (2019), 36; cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 23.
[50] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 26.
[51] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 146: AAS 107 (2015), 906.
[52] Documento com contribuições para o Sínodo da Diocese de San José del Guaviare e da Arquidiocese de Villavicencio y Granada (Colombia); cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 17.
[53] Euclides da Cunha, Os Sertões (São Paulo 2003), 110.
[54] Pablo Neruda, «Amazonas», in: Canto General (1938), I, IV.
[55] Rede Eclesial Pan-Amazónica (REPAM), Brasil, Documento Eixo da Fronteira. Preparação para o Sínodo da Amazónia (Tabatinga – Brasil 13/II/2019), 3; cf. Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 8.
[56] Amadeu Thiago de Mello, Amazonas, pátria da água.
[57] Vinícius de Moraes, «A transformação pela poesia», in: jornal A Manhã (Rio de Janeiro 1946).
[58] Juan Carlos Galeano, «Los que creyeron», in: Amazonia y otros poemas (ed. Universidade Externato de Colombia - Bogotá 2011), 44.
[59] Harald Sioli, A Amazônia (Petrópolis 1985), 60.
[60] São João Paulo II, Discurso aos participantes num Congresso Internacional sobre «Ambiente e saúde» (24/III/1997), 2: Insegnamenti XX/1 (1997), 521.
[61] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 34: AAS 107 (2015), 860.
[62] Cf. ibid., 28-31: o. c., 858-859.
[64] Cf. V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 86.
[65] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 38: AAS 107 (2015), 862.
[66] Cf. ibid., 144.187: o. c., 905-906.921.
[67] Cf. ibid., 183: o. c., 920.
[69] Cf. ibid., 49: o. c., 866.
[70] Documento preparatório do Sínodo dos Bispos para a Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, 8.
[71] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 56: AAS 107 (2015), 869.
[76] Sui Yun, Cantos para o mendigo e o rei (Wiesbaden 2000).
[77] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 100: AAS 107 (2015), 887.
[79] Cf. Documentos de Santarém (1972) e Manaus (1997), in: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Desafio missionário. Documentos da Igreja na Amazônia (Brasília 2014), 9-28.67-84.
[80] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 220: AAS 105 (2013), 1110.
[81] Ibid., 164: o. c., 1088-1089.
[84] Assim o refere o Concílio Vaticano II, no n. 44 da Constituição Gaudium et spes, quando diz: «[A Igreja] aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização. Deste modo, com efeito, suscita-se em cada nação a possibilidade de exprimir a mensagem de Cristo segundo a sua maneira própria, ao mesmo tempo que se fomenta um intercâmbio vivo entre a Igreja e as diversas culturas dos diferentes povos».
[85] Francisco, Carta ao Povo de Deus que peregrina na Alemanha (29/VI/2019), 9.
[86] Cf. São Vicente de Lerins, Commonitorium primum, cap. 23: PL 50, 668: «Ut annis scilicet consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate – fortalece-se com o decorrer dos anos, desenvolve-se com o andar dos tempos, cresce através das idades».
[87] Francisco, Carta ao Povo de Deus que peregrina na Alemanha (29/VI/2019), 9; cf. a expressão atribuída a Gustav Mahler: «A tradição é a salvaguarda do futuro, não a conservação das cinzas».
[88] Discurso no encontro com os professores universitários e os homens de cultura (Coimbra 15/V/1982), 5: Insegnamenti V/2 (1982), 1702-1703.
[89] Mensagem aos indígenas do Continente Americano (Santo Domingo 12/X/1992), 6: Insegnamenti, XV/2 (1982), 346; cf. Discurso aos participantes no I Congresso Nacional do Movimento Eclesial de Empenho Cultural (16/I/1982), 2: Insegnamenti, V/1 (1982), 131.
[90] São João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25/III/1996), 98: AAS 88 (1996), 474-475.
[91] N. 115: AAS 105 (2013), 1068.
[98] São João Paulo II, Discurso à Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para a Cultura (17/I/1987), 5: Insegnamenti X/1 (1987), 125.
[99] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 129: AAS 105 (2013), 1074.
[100] IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Santo Domingo (12-28/X/1992), 17.
[101] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 198: AAS 105 (2013), 1103.
[102] Cf. Joseph Ratzinger, Diálogos sobre a Fé, apresentados por Vittorio Messori (Ed. Verbo – Lisboa 2005), 159-165.
[103] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 198: AAS 105 (2013), 1103.
[104] Pedro Casaldáliga, «Carta de navegar (pelo Tocantins amazónico)», in: El tiempo y la espera (Santander 1986).
[105] Como explica São Tomás de Aquino, «a maneira como Deus está nas coisas é tríplice: uma é comum, por essência, presença e poder; outra, pela graça nos seus santos; a terceira, singular de Cristo, pela união» (Ad Colossenses, c. II, lectio 2).
[106] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 235: AAS 107 (2015), 939.
[107] III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Puebla (23/III/1979), 196.
[108] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 178: AAS 105 (2013), 1094.
[109] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 11; cf. Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19/III/2018), 10-11.
[110] Vicariatos Apostólicos da Amazónia Peruana, «Segunda asamblea episcopal regional de la selva» (San Ramón – Perú 05/X/1973), in: Éxodo de la Iglesia en la Amazonia. Documentos pastorales de la Iglesia en la Amazonia peruana (Iquitos 1976), 121.
[111] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 123: AAS 105 (2013), 1071.
[112] Cf. Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19/III/2018), 126-127.
[113] Ibid., 32.
[114] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 235: AAS 107 (2015), 939.
[119] Cf. Const. sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, 37-40.65.77.81.
[120] No Sínodo, surgiu a proposta de se elaborar um «rito amazónico».
[121] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24/V/2015), 237: AAS 107 (2015), 940.
[122] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19/III/2016), 49: AAS 108 (2016), 331; cf. ibid., 305: o. c., 436-437.
[123] Cf. ibid., 296.308: o. c., 430-431.438.
[124] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 100-e.
[125] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre algumas questões concernentes ao Ministro da Eucaristia Sacerdotium ministeriale (6/VIII/1983): AAS 75 (1983), 1001-1009.
[126] Carta ap. Mulieris dignitatem (15/VIII/1988), 27: AAS 80 (1988), 1718.
[127] São Tomás de Aquino, Summa Theologiae III, q. 8, a. 1, resp.
[128] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a vida dos sacerdotes Presbyterorum ordinis, 5; São João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17/IV/2003), 22: AAS 95 (2003), 448.
[129] Também é próprio do sacerdote administrar a Unção dos Enfermos, por estar intimamente ligada ao perdão dos pecados: «E, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados» (Tg 5, 15).
[130] Catecismo da Igreja Católica, 1396; cf. São João Paulo II, Carta enc. Ecclesia de Eucharistia (17/IV/2003), 26: AAS 95 (2003), 451; Henry de Lubac, Meditation sur l’Église (Paris 1968), 101.
[131] Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre o ministério e a vida dos sacerdotes Presbyterorum ordinis, 6.
[132] Impressiona o facto de haver, em alguns países da bacia amazónica, mais missionários para a Europa ou os Estados Unidos do que para ajudar nos próprios Vicariatos da Amazónia.
[133] No Sínodo, falou-se também da falta de Seminários para a formação sacerdotal de pessoas indígenas.
[134] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 3.
[135] São Paulo VI, Homilia na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (17/VI/1965): Insegnamenti III (1965), 358.
[136] É possível, por escassez de sacerdotes, que o Bispo confie uma «participação no exercício do serviço pastoral da paróquia (…) a um diácono ou a outra pessoa que não possua o caráter sacerdotal, ou a uma comunidade» (Código de Direito Canónico, 517-§ 2.
[137] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 178.
[138] Ibid., 475.
[139] Sínodo dos Bispos – Assembleia Especial para a Região Pan-Amazónica, Instrumentum laboris, 65.
[140] Ibid., 63.
[141] Ibid., 129-d 2.
[142] Francisco,Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 228: AAS 105 (2013), 1113.
[143] Ibid., 226: o. c., 1112.
[144] Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs Nostra aetate, 2.
[145] CELAM, III Simposio latinoamericano sobre Teología india (Cidade de Guatemala 23-27/X/2006).
© Copyright - Libreria Editrice Vaticana
Fonte: http://w2.vatican.va
5ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Quarta-feira, 12 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Velai, ó Deus, sobre a vossa família, com incansável amor; e, como só confiamos na vossa graça, guardai-nos sob a vossa proteção. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 7, 14-33)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos - Naquele tempo, 14Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: Ouvi-me todos, e entendei. 15Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa manchar; mas o que sai do homem, isso é que mancha o homem. 16[bom entendedor meia palavra basta.] 17Quando deixou o povo e entrou em casa, os seus discípulos perguntaram-lhe acerca da parábola. 18Respondeu-lhes: Sois também vós assim ignorantes? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode tornar impuro, 19porque não lhe entra no coração, mas vai ao ventre e dali segue sua lei natural? Assim ele declarava puros todos os alimentos. E acrescentava: 20Ora, o que sai do homem, isso é que mancha o homem. 21Porque é do interior do coração dos homens que procedem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, 22adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. 23Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem. - Palavra da salvação.
3) Reflexão
O Evangelho de hoje é a continuação do assunto que meditamos ontem. Jesus ajuda o povo e os discípulos a entender melhor o significado da pureza diante de Deus. Desde séculos, os judeus, para não contrair impureza, observavam muitas normas e costumes relacionados com comida, bebida, roupa, higiene do corpo, lavagem de copos, contato com pessoas de outra religião e raça, etc (Mc 7,3-4) Eles eram proibidos de entrar em contato com os pagãos e de comer com eles. Nos anos 70, época de Marcos, alguns judeus convertidos diziam: “Agora que somos cristãos temos que abandonar estes costumes antigos que nos separam dos pagãos convertidos!” Mas outros achavam que deviam continuar na observância destas leis da pureza (cf Col 2,16.20-22). A atitude de Jesus, descrita no evangelho de hoje, ajudava-os a superar o problema.
Marcos 7,14-16: Jesus abre um novo caminho para o povo se aproximar de Deus
Ele diz para a multidão: “Não há nada no exterior do ser humano que, entrando nele, possa torná-lo impuro!” (Mc 7,15). Jesus inverte as coisas: o impuro não vem de fora para dentro, como ensinavam os doutores da lei, mas sim de dentro para fora. Deste modo, ninguém mais precisa se perguntar se esta ou aquela comida ou a bebida é pura ou impura. Jesus coloca o puro e o impuro num outro nível, no nível do comportamento ético. Ele abre um novo caminho para chegar até Deus e, assim, realiza o desejo mais profundo do povo.
Marcos 7,17-23: Em casa, os discípulos pedem explicação
Os discípulos não entenderam bem o que Jesus queria dizer com aquela afirmação. Quando chegaram em casa pediram uma explicação. Jesus estranhou a pergunta dos discípulos. Pensava que eles tivessem entendido a parábola. Na explicação aos discípulos ele vai até ao fundo da questão da pureza. Declara puros todos os alimentos! Ou seja, nenhum alimento que de fora entra no ser humano pode torná-lo impuro, pois não vai até o coração, mas vai para o estômago e acaba na fossa. Mas o que torna impuro, diz Jesus, é aquilo que de dentro do coração sai para envenenar o relacionamento humano. E ele enumera: prostituição, roubo, assassinato, adultério, ambição, etc. Assim, de muitas maneiras, pela palavra, pelo toque e pela convivência, Jesus foi ajudando as pessoas a ver e obter a pureza de outra maneira. Pela palavra, purificava os leprosos (Mc 1,40-44), expulsava os espírito impuros (Mc 1,26.39; 3,15.22 etc), e vencia a morte que era a fonte de toda a impureza. Pelo toque em Jesus, a mulher excluída como impura ficou curada (Mc 5,25-34). Sem medo de contaminação, Jesus comia junto com as pessoas consideradas impuras (Mc 2,15-17).
As leis da pureza no tempo de Jesus
O povo daquela época tinha uma grande preocupação com a pureza. A lei e as normas da pureza indicavam as condições necessárias para alguém poder comparecer diante de Deus e se sentir bem na presença dele. Não se podia comparecer diante de Deus de qualquer jeito. Pois Deus é Santo. A Lei dizia: “Sede santos, porque eu sou santo!” (Lv 19,2). Quem não era puro não podia chegar perto de Deus para receber dele a bênção prometida a Abraão. A lei do puro e do impuro (Lv 11 a 16) foi escrita depois do cativeiro da Babilônia, cerca de 800 anos depois do Êxodo, mas tinha suas raízes na mentalidade e nos costumes antigos do povo da Bíblia. Uma visão religiosa e mítica do mundo levava o povo a apreciar as coisas, as pessoas e os animais, a partir da categoria da pureza (Gn 7,2; Dt 14,13-21; Nm 12,10-15; Dt 24,8-9).
No contexto da dominação persa, séculos V e IV antes de Cristo, diante da dificuldade para reconstruir o templo de Jerusalém e para a própria sobrevivência do clero, os sacerdotes que estavam no governo do povo da Bíblia ampliaram as leis da pureza e a obrigação de oferecer sacrifícios de purificação pelo pecado. Assim, depois do parto (Lv 12,1-8), da menstruação (Lv 15,19-24) ou da cura de uma hemorragia (Lv 15,25-30), as mulheres tinham que oferecer sacrifícios para recuperar a pureza. Pessoas leprosas (Lv 13) ou que entravam em contato com coisas e animais impuros (Lv 5,1-13) também deviam oferecer sacrifícios. Uma parte destas oferendas ficava para os sacerdotes (Lv 5,13).
No tempo de Jesus, tocar em leproso, comer com publicano, comer sem lavar as mãos, e tantas outras atividades, etc.: tudo isso tornava a pessoa impura, e qualquer contato com esta pessoa contaminava os outros. Por isso, as pessoas “impuras” deviam ser evitadas. O povo vivia acuado, sempre ameaçado pelas tantas coisas impuras que ameaçavam sua vida. Era obrigado a viver desconfiado de tudo e de todos. Agora, de repente, tudo mudou! Através da fé em Jesus, era possível conseguir a pureza e sentir-se bem diante de Deus sem que fosse necessário observar todas aquelas leis e normas da “Tradição dos Antigos”. Foi uma libertação! A Boa Nova anunciada por Jesus tirou o povo da defensiva, do medo, e lhe devolveu a vontade de viver, a alegria de ser filho e filha de Deus, sem medo de ser feliz!
4) Para um confronto pessoal
1-Na sua vida há costumes que você considera sagrados e outros que considera não sagrados? Quais? Por que?
2-Em nome da Tradição dos Antigos os fariseus esqueciam o Mandamento de Deus. Isto acontece hoje? Onde e quando? Também na minha vida?
5) Oração final
Vem do Senhor a salvação dos justos, que é seu refúgio no tempo da provocação. O Senhor os ajuda e liberta; arranca-os dos ímpios e os salva, porque se refugiam nele. (Sl 36)
5ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Terça-feira, 11 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Velai, ó Deus, sobre a vossa família, com incansável amor; e, como só confiamos na vossa graça, guardai-nos sob a vossa proteção. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 7, 1-13)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos - Naquele tempo, 1Os fariseus e alguns dos escribas vindos de Jerusalém tinham se reunido em torno dele. 2E perceberam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as lavar. 3(Com efeito, os fariseus e todos os judeus, apegando-se à tradição dos antigos, não comem sem lavar cuidadosamente as mãos; 4e, quando voltam do mercado, não comem sem ter feito abluções. E há muitos outros costumes que observam por tradição, como lavar os copos, os jarros e os pratos de metal.) 5Os fariseus e os escribas perguntaram-lhe: Por que não andam os teus discípulos conforme a tradição dos antigos, mas comem o pão com as mãos impuras? 6Jesus disse-lhes: Isaías com muita razão profetizou de vós, hipócritas, quando escreveu: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 7Em vão, pois, me cultuam, porque ensinam doutrinas e preceitos humanos (29,13). 8Deixando o mandamento de Deus, vos apegais à tradição dos homens. 9E Jesus acrescentou: Na realidade, invalidais o mandamento de Deus para estabelecer a vossa tradição. 10Pois Moisés disse: Honra teu pai e tua mãe; Todo aquele que amaldiçoar pai ou mãe seja morto. 11Vós, porém, dizeis: Se alguém disser ao pai ou à mãe: Qualquer coisa que de minha parte te pudesse ser útil é corban, isto é, oferta, 12e já não lhe deixais fazer coisa alguma a favor de seu pai ou de sua mãe, 13anulando a palavra de Deus por vossa tradição que vós vos transmitistes. E fazeis ainda muitas coisas semelhantes. - Palavra da salvação.
3) Reflexão
O Evangelho de hoje fala dos costumes religiosos daquele tempo e dos fariseus que ensinavam tais costumes ao povo. Por exemplo, comer sem lavar as mãos ou, como eles diziam, comer com mãos impuras. Muitos destes costumes estavam desligados da vida e tinham perdido o seu sentido. Mesmo assim, estes costumes eram conservados e ensinados, ou por medo, ou por superstição. O Evangelho traz algumas instruções de Jesus a respeito destes costumes.
Marcos 7,1-2: Controle dos fariseus e liberdade dos discípulos.
Os fariseus e alguns escribas, vindos de Jerusalém, observavam como os discípulos de Jesus comiam pão com mãos impuras. Aqui há três pontos que merecem ser assinalados: 1) Os escribas eram de Jerusalém, da capital! Significa que tinham vindo para observar e controlar os passos de Jesus. 2) Os discípulos não lavavam as mãos para comer! Significa que a convivência com Jesus os levou a criar coragem para transgredir normas que a tradição impunha ao povo, mas que já não tinham sentido para a vida. 3) O costume de lavar as mãos, que, até hoje, continua sendo uma norma importante de higiene, tinha tomado para eles um significado religioso que servia para controlar e discriminar as pessoas.
Marcos 7,3-4: A Tradição dos Antigos
“A Tradição dos Antigos” transmitia as normas que deviam ser observadas pelo povo para conseguir a pureza exigida pela lei. A observância da pureza era um assunto muito sério para o povo daquele tempo. Eles achavam que uma pessoa impura não podia receber a bênção prometida por Deus a Abraão. As normas de pureza eram ensinadas para abrir o caminho até Deus, fonte da paz. Na realidade, porém, em vez de serem uma fonte de paz, as normas eram uma prisão, um cativeiro. Para os pobres, era praticamente impossível observar as centenas de normas, costumes e leis. Por isso, eles eram desprezados como gente ignorante e maldita que não conhece a lei (Jo 7,49).
Marcos 7,5: Escribas e fariseus criticam o comportamento dos discípulos de Jesus
Os escribas e fariseus perguntam a Jesus: Por que os teus discípulos não se comportam conforme a tradição dos antigos e comem o pão com as mãos impuras? Eles fingem estar interessados em conhecer o porquê do comportamento dos discípulos. Na realidade, criticam Jesus por ele permitir que os discípulos transgridam as normas da pureza. Os fariseus formavam uma espécie de irmandade, cuja principal preocupação era observar todas as leis da pureza. Os escribas eram os responsáveis pela doutrina. Ensinavam as leis referentes à observância da pureza.
Marcos 7,6-13 Jesus critica a incoerência dos fariseus
Jesus responde citando Isaías: Este povo me honra só com os lábios, mas o seu coração está longe de mim (cf. Is 29,13). Insistindo nas normas da pureza, os fariseus esvaziavam os mandamentos da lei de Deus. Jesus cita um exemplo concreto. Eles diziam: a pessoa que oferecer ao Templo os seus bens, não pode usar esses bens para ajudar os pais necessitados. Assim, em nome da tradição esvaziavam o quarto mandamento que manda amar pai e mãe. Tais pessoas pareciam muito observantes, mas era só por fora. Por dentro, o coração delas fica longe de Deus! Como diz o canto: “Seu nome é Jesus Cristo e passa fome, e vive à beira das calçadas. E a gente quando vê passa adiante, às vezes, para chegar depressa à igreja!”. No tempo de Jesus, o povo, na sua sabedoria, não concordava com tudo que se ensinava. Esperava que, um dia, o Messias viesse indicar um outro caminho para alcançar a pureza. Em Jesus se realiza esta esperança.
4) Para um confronto pessoal
1-Conhece algum costume religioso de hoje que já não tem muito sentido, mas que continua sendo ensinado?
2-Os fariseus eram judeus praticantes mas sua fé estava desligada da vida da vida do povo. Por isso, Jesus os criticou. E hoje, Jesus nos criticaria? Em que?
5) Oração final
Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso vosso nome em toda a terra! Vossa majestade se estende, triunfante, por cima de todos os céus. Que é o homem, digo-me então, para pensardes nele? (Sl 8, 2.5a)
Segunda-feira 10: A Mãe da Vida Monástica
- Detalhes
Na Palavra do Frei Petrônio- direto da Lapa/RJ- O Frei Petrônio de Miranda, Padre Carmelita e Jornalista, fala sobre a Santa do Dia- Santa Escolástica, irmã de São Bento. Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro. 10 de fevereiro-2020. www.instagram.com/freipetronio
5ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Segunda-feira, 10 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Velai, ó Deus, sobre a vossa família, com incansável amor; e, como só confiamos na vossa graça, guardai-nos sob a vossa proteção. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 6, 53-56)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos - Naquele tempo, 53Navegaram para o outro lado e chegaram à região de Genesaré, onde aportaram. 54Assim que saíram da barca, o povo o reconheceu. 55Percorrendo toda aquela região, começaram a levar, em leitos, os que padeciam de algum mal, para o lugar onde ouviam dizer que ele se encontrava. 56Onde quer que ele entrasse, fosse nas aldeias ou nos povoados, ou nas cidades, punham os enfermos nas ruas e pediam-lhe que os deixassem tocar ao menos na orla de suas vestes. E todos os que tocavam em Jesus ficavam sãos. - Palavra da salvação.
3) Reflexão
O texto do Evangelho de hoje é a parte final do conjunto mais amplo de Marcos 6,45-56 que compreende três assuntos diferentes: 1) Jesus sobe sozinho a montanha para rezar (Mc 6,45-46). 2) Em seguida, andando sobre as águas, ele vai ao encontro dos discípulos que lutam contra as ondas do mar (Mc 6,47-52). 3) Agora, no evangelho de hoje, estando já em terra Jesus é procurado pelo povo que a cura das suas enfermidades (Mc 6,53-56).
Marcos 6,53-56. A busca do povo.
“Acabando de atravessar, chegaram à terra, em Genesaré, e amarraram a barca. Logo que desceram da barca, as pessoas imediatamente reconheceram Jesus”. O povo vai em massa atrás de Jesus. Eles vêm de todos os lados, carregando seus doentes. O que chama a atenção é o entusiasmo do povo que reconheceu Jesus e vai atrás dele. O que o move nesta busca de Jesus não é só o desejo de encontrar-se com ele, de estar com ele, mas também o desejo de obter a cura das suas doenças. “Iam de toda a região, levando os doentes deitados em suas camas para o lugar onde ouviam falar que Jesus estava. E onde ele chegava, tanto nos povoados como nas cidades ou nos campos, colocavam os doentes nas praças e pediam que pudessem ao menos tocar a barra da roupa de Jesus. E todos os que tocaram, ficaram curados”. O evangelho de Mateus comenta e ilumina este fato citando a figura do Servo de Javé, do qual Isaías diz: “Carregou sobre si as nossas enfermidades” (Is 53,4 e Mt 8,16-17)
Ensinar e curar, curar e ensinar. Desde o começo da sua atividade apostólica, Jesus anda por todos os povoados da Galileia para falar ao povo sobre o Reino de Deus que estava chegando (Mc 1,14-15). Onde encontra gente para escutá-lo, ele fala e transmite a Boa Nova de Deus, acolhe e cura os doentes, em qualquer lugar: nas sinagogas durante a celebração da Palavra nos sábados (Mc 1,21; 3,1; 6,2); em reuniões informais nas casas de amigos (Mc 2,1.15; 7,17; 9,28; 10,10); andando pelo caminho com os discípulos (Mc 2,23); ao longo do mar na praia, sentado num barco (Mc 4,1); no deserto para onde se refugiou e onde o povo o procurava (Mc 1,45; 6,32-34); na montanha, de onde proclamou as bem-aventuranças (Mt 5,1); nas praças das aldeias e cidades, onde povo carregava seus doentes (Mc 6,55-56); no Templo de Jerusalém, por ocasião das romarias, diariamente, sem medo (Mc 14,49)! Curar e ensinar, ensinar e curar era o que Jesus mais fazia (Mc 2,13; 4,1-2; 6,34). Era o costume dele (Mc 10,1). O povo ficava admirado (Mc 12,37; 1,22.27; 11,18) e o procurava em massa.
Na raiz deste grande entusiasmo do povo estava, de um lado, a pessoa de Jesus que chamava e atraía, e, de outro lado, o abandono do povo que era como ovelha sem pastor (cf. Mc 6,34). Em Jesus, tudo era revelação daquilo que o animava por dentro! Ele não só falava sobre Deus, mas também o revelava. Comunicava algo do que ele mesmo vivia e experimentava. Ele não só anunciava a Boa Nova do Reino. Ele mesmo era uma amostra, um testemunho vivo do Reino. Nele aparecia aquilo que acontece quando um ser humano deixa Deus reinar, tomar conta de sua vida. O que vale não são só as palavras, mas também e sobretudo o testemunho, o gesto concreto. Esta é a Boa Nova do Reino que atrai!
4) Para um confronto pessoal
1-O entusiasmo do povo em busca de Jesus, em busca de um sentido para a vida e uma solução para os seus males. Onde existe isto hoje? Existe em você, existe em mim?
2-O que chama a atenção é a atitude carinhosa de Jesus para com os pobres e abandonados. E eu, como me comporto com as pessoas excluídas da sociedade?
5) Oração final
Ó Senhor, quão variadas são as vossas obras! Feitas, todas, com sabedoria, a terra está cheia das coisas que criastes. Bendize, ó minha alma, ao Senhor! (Sl 103, 24.35c)
5º Domingo do Tempo Comum: Homilia
- Detalhes
AO VIVO- HOMILIA. Santa Missa neste domingo, 9 de fevereiro-2020 com Frei Petrônio de Miranda, Padre Carmelita da Ordem do Carmo- direto da Igreja de Nossa Senhora do Carmo do Desterro da Lapa/ RJ. www.facebook.com/FreiPetroniopetros
Contatos para críticas ou sugestões para o programa A Palavra do Frei Petrônio. E-mail: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar. Convento do Carmo da Lapa, Rio de Janeiro.
Dia 9 de fevereiro. 5º Domingo do Tempo Comum - Ano A: Um Olhar.
- Detalhes
Tema do 5º Domingo do Tempo Comum
A Palavra de Deus deste 5º Domingo do Tempo Comum convida-nos a refletir sobre o compromisso cristão. Aqueles que foram interpelados pelo desafio do "Reino" não podem remeter-se a uma vida cômoda e instalada, nem refugiar-se numa religião ritual e feita de gestos vazios; mas têm de viver de tal forma comprometidos com a transformação do mundo que se tornem uma luz que brilha na noite do mundo e que aponta no sentido desse mundo de plenitude que Deus prometeu aos homens - o mundo do "Reino".
No Evangelho, Jesus exorta os seus discípulos a não se instalarem na mediocridade, no comodismo, no "deixa andar"; e pede-lhes que sejam o sal que dá sabor ao mundo e que testemunha a perenidade e a eternidade do projeto salvador de Deus; também os exorta a serem uma luz que aponta no sentido das realidades eternas, que vence a escuridão do sofrimento, do egoísmo, do medo e que conduz ao encontro de um "Reino" de liberdade e de esperança.
A primeira leitura apresenta as condições necessárias para "ser luz": é uma "luz" que ilumina o mundo, não quem cumpre ritos religiosos estéreis e vazios, mas quem se compromete verdadeiramente com a justiça, com a paz, com a partilha, com a fraternidade. A verdadeira religião não se fundamenta numa relação "platônica" com Deus, mas num compromisso concreto que leva o homem a ser um sinal vivo do amor de Deus no meio dos seus irmãos.
A segunda leitura avisa que ser "luz" não é colocar a sua esperança de salvação em esquemas humanos de sabedoria, mas é identificar-se com Cristo e interiorizar a "loucura da cruz" que é dom da vida. Pode-se esperar uma revelação da salvação no escândalo de um Deus que morre na cruz? Sim. É na fragilidade e na debilidade que Deus Se manifesta: o exemplo de Paulo - um homem frágil e pouco brilhante - demonstra-o.
ATUALIZAÇÃO (Mt 5, 13-16)
A questão essencial que este trecho do Evangelho nos apresenta é esta: Deus propôs-nos um projeto de libertação e de salvação que conduzirá à inauguração de um mundo novo, de felicidade e de paz sem fim; e aqueles que aderiram a essa proposta têm de testemunhá-la diante do mundo e dos homens com palavras e com gestos concretos, a fim de que o "Reino" se torne uma realidade. Como é que me situo face a isto? Para mim, ser cristão é um compromisso sério, profético, exigente, que me obriga a testemunhar o "Reino", mesmo em ambientes adversos, ou é um caminho "morno", instalado, cômodo, de quem se sente em regra com Deus porque vai à missa ao domingo e cumpre alguns ritos que a Igreja sugere?
Eu sou, dia a dia, o sal que dá o sabor, que traz uma mais valia de amor e de esperança à vida daqueles que caminham ao meu lado? Para aqueles com quem lido todos os dias, sou uma personagem insípida, incaracterística, instalada numa mediocridade cinzenta, ou sou uma nota de alegria, de entusiasmo, de optimismo, de esperança numa vida nova vivida ao jeito do Evangelho, ao jeito do "Reino"? No meio do egoísmo, do desespero, do sem sentido que caracteriza a vida de tantos dos meus irmãos, eu dou um testemunho de um mundo novo de amor e de esperança?
Ser cristão é também ser uma luz acesa na noite do mundo, apontando os caminhos da vida, da liberdade, do amor, da fraternidade... Eu sou essa luz que aponta no sentido das coisas importantes, impedindo que a vida dos meus irmãos se gaste em frivolidades e bagatelas? Para os que vivem no sofrimento, na dúvida, no erro, para os que vivem de olhos no chão, eu sou a luz que aponta para o mais além e para a realidade libertadora do "Reino"?
Atenção: eu não sou "a luz", mas apenas um reflexo da "luz"... Quer dizer: as coisas bonitas que possam acontecer à minha volta não são o resultado do exercício das minhas brilhantes qualidades, mas o resultado da ação de Deus em mim. É Deus que é "a luz" e que, através da minha fragilidade, apresenta a sua proposta de libertação e de vida nova ao mundo. O discípulo não deve, pois, preocupar-se em atrair sobre si o olhar dos homens; mas deve preocupar-se em conduzir o olhar e o coração dos homens para Deus e para o "Reino".
*Leia a reflexão na íntegra. Clique no link ao lado- EVANGELHO DO DIA.
4ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Sexta-feira, 7 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Concedei-nos, Senhor nosso Deus, adorar-vos de todo o coração, e amar todos os homens com verdadeira caridade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 6, 14-29)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos - Naquele tempo, 14O rei Herodes ouviu falar de Jesus, cujo nome se tornara célebre. Dizia-se: João Batista ressurgiu dos mortos e por isso o poder de fazer milagres opera nele. 15Uns afirmavam: É Elias! Diziam outros: É um profeta como qualquer outro. 16Ouvindo isto, Herodes repetia: É João, a quem mandei decapitar. Ele ressuscitou! 17Pois o próprio Herodes mandara prender João e acorrentá-lo no cárcere, por causa de Herodíades, mulher de seu irmão Filipe, com a qual ele se tinha casado. 18João tinha dito a Herodes: Não te é permitido ter a mulher de teu irmão. 19Por isso Herodíades o odiava e queria matá-lo, não o conseguindo, porém. 20Pois Herodes respeitava João, sabendo que era um homem justo e santo; protegia-o e, quando o ouvia, sentia-se embaraçado. Mas, mesmo assim, de boa mente o ouvia. 21Chegou, porém, um dia favorável em que Herodes, por ocasião do seu natalício, deu um banquete aos grandes de sua corte, aos seus oficiais e aos principais da Galiléia. 22A filha de Herodíades apresentou-se e pôs-se a dançar, com grande satisfação de Herodes e dos seus convivas. Disse o rei à moça: Pede-me o que quiseres, e eu to darei. 23E jurou-lhe: Tudo o que me pedires te darei, ainda que seja a metade do meu reino. 24Ela saiu e perguntou à sua mãe: Que hei de pedir? E a mãe respondeu: A cabeça de João Batista. 25Tornando logo a entrar apressadamente à presença do rei, exprimiu-lhe seu desejo: Quero que sem demora me dês a cabeça de João Batista. 26O rei entristeceu-se; todavia, por causa da sua promessa e dos convivas, não quis recusar. 27Sem tardar, enviou um carrasco com a ordem de trazer a cabeça de João. Ele foi, decapitou João no cárcere, 28trouxe a sua cabeça num prato e a deu à moça, e esta a entregou à sua mãe. 29Ouvindo isto, os seus discípulos foram tomar o seu corpo e o depositaram num sepulcro. - Palavra da salvação.
3) Reflexão Marcos 6,14-29
O evangelho de hoje descreve como João Batista foi vítima da corrupção e da prepotência do Governo de Herodes. Foi morto sem processo, durante um banquete de Herodes com os grandes do reino. O texto traz muitas informações sobre o tempo em que Jesus vivia e sobre a maneira como era exercido o poder pelos poderosos da época. Desde o começo do evangelho de Marcos ficou um suspense. Ele tinha dito: “Depois que João foi preso, Jesus voltou para a Galileia e começou a anunciar a Boa Nova de Deus!” (Mc 1,14). No evangelho de hoje, como que de repente, ficamos sabendo que Herodes já tinha matado João Batista. Assim, na cabeça do leitor e da leitora, vem logo a pergunta: ”E o que será que ele vai fazer com Jesus? Vai dar a ele o mesmo destino?” Além disso, ao fazer um balanço das opiniões do povo e de Herodes sobre Jesus, Marcos provoca uma outra pergunta: “Quem é Jesus?” Esta última pergunta vai crescendo ao longo do evangelho até receber a resposta definitiva pela boca do centurião ao pé da Cruz: "De fato, esse homem era mesmo Filho de Deus!" (Mc 15,39)
Marcos 6,14-16. Quem é Jesus?
O texto começa com um balanço das opiniões do povo e de Herodes sobre Jesus. Alguns associavam Jesus com João Batista e Elias. Outro o identificavam como um Profeta, isto é, como alguém que falava em nome de Deus, que tinha a coragem de denunciar as injustiças dos poderosos e que sabia animar a esperança dos pequenos. As pessoas procuravam compreender Jesus a partir das coisas que elas mesmas conheciam, acreditavam e esperavam. Tentavam enquadrá-lo dentro dos critérios familiares do Antigo Testamento com suas profecias e esperanças, e da Tradição dos Antigos com suas leis. Mas eram critérios insuficientes. Jesus não cabia lá dentro. Ele era maior!
Marcos 6,17-20. A causa do assassinato de João.
Galileia, terra de Jesus, era governada por Herodes Antipas, filho do rei Herodes, o Grande, desde 4 antes de Cristo até 39 depois de Cristo. Ao todo, 43 anos! Durante todo o tempo que Jesus viveu, não houve mudança de governo na Galileia! Herodes Antipas era dono absoluto de tudo, não prestava conta a ninguém, fazia o que bem entendia. Prepotência, falta de ética, poder absoluto, sem controle por parte do povo! Mas quem mandava mesmo na Palestina, desde 63 antes de Cristo, era o Império Romano. Herodes, para não ser deposto, procurava agradar a Roma em tudo. Insistia sobretudo numa administração eficiente que desse lucro ao Império. A preocupação dele era a sua própria promoção e segurança. Por isso, reprimia qualquer tipo de subversão. Flávio José, um escritor daquela época, informa que o motivo da prisão de João Batista era o medo que Herodes tinha de um levante popular. Herodes gostava de ser chamado de benfeitor do povo, mas na realidade era um tirano (cf. Lc 22,25). A denúncia de João contra ele (Mc 6,18), foi a gota que fez transbordar o copo, e João foi preso.
* Marcos 6,21-29: A trama do assassinato.
Aniversário e banquete de festa, com danças e orgias! Era o ambiente em que se costuravam as alianças. A festa contava com a presença “dos grandes da corte, dos oficiais e das pessoas importantes da Galileia”. É nesse ambiente que se trama o assassinato de João Batista. João, o profeta, era uma denúncia viva desse sistema corrupto. Por isso foi eliminado sob pretexto de um problema de vingança pessoal. Tudo isto revela a fraqueza moral de Herodes. Tanto poder acumulado na mão de um homem sem controle de si! No entusiasmo da festa e do vinho, Herodes fez um juramento leviano a uma jovem dançarina. Supersticioso como era, pensava que devia manter esse juramento. Para Herodes, a vida dos súditos não valia nada. Dispunha deles como dispunha da posição das cadeiras na sala. Marcos conta o fato tal qual e deixa às comunidades e a nós a tarefa de tirarmos as conclusões.
4) Para um confronto pessoal
1-Você conhece casos de pessoas que morreram vítimas da corrupção e da dominação dos poderosos? E na nossa comunidade e na igreja, há vítimas de desmando e de autoritarismo?
2-Herodes, o poderoso que pensava ser o dono da vida e da morte do povo, era um grande supersticioso com medo diante de João Batista. Era um covarde diante dos grandes. Um bajulador corrupto diante da moça. Superstição, covardia e corrupção marcavam o exercício do poder de Herodes. Compare com o exercício do poder religioso e civil hoje nos vários níveis da sociedade e da Igreja.
5) Oração final
Os caminhos de Deus são perfeitos, a palavra do Senhor é pura. Ele é o escudo de todos os que nele se refugiam. (Sl 17, 31)
4ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Quarta-feira, 5 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Concedei-nos, Senhor nosso Deus, adorar-vos de todo o coração, e amar todos os homens com verdadeira caridade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 6, 1-6)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos - Naquele tempo, 1Jesus foi a Nazaré, sua terra, seguido de seus discípulos. 2Quando chegou o dia de sábado, começou a ensinar na sinagoga. Muitos o ouviam e, tomados de admiração, diziam: Donde lhe vem isso? Que sabedoria é essa que lhe foi dada, e como se operam por suas mãos tão grandes milagres? 3Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, o irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós também suas irmãs? E ficaram perplexos a seu respeito. 4Mas Jesus disse-lhes: Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e na sua própria casa. 5Não pôde fazer ali milagre algum. Curou apenas alguns poucos enfermos, impondo-lhes as mãos. 6Admirava-se ele da desconfiança deles. E ensinando, percorria as aldeias circunvizinhas. - Palavra da salvação.
3) Reflexão Marcos 6,1-6
O evangelho de hoje fala da visita de Jesus a Nazaré e descreve como o povo de Nazaré se fechou e não quis aceita-lo (Mc 6,1-6). O evangelho de amanhã descreve como Jesus se abriu para o povo da Galiléia enviando seus discípulos em missão (Mc 6,7-13).
Marcos 6,1-2ª: Jesus volta para Nazaré
“Jesus foi para Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam. Quando chegou o sábado, Jesus começou a ensinar na sinagoga”. Sempre é bom voltar para a terra da gente e reencontrar as pessoas amigas. Após longa ausência, Jesus também voltou e, como de costume, no dia de sábado, foi na sinagoga participar da reunião da comunidade. Jesus não era coordenador da comunidade, mesmo assim ele tomou a palavra e começou a ensinar. Sinal de que as pessoas podiam participar e expressar sua opinião.
Marcos 6,2b-3: Reação do povo de Nazaré frente a Jesus.
O povo de Cafarnaum tinha aceitado o ensinamento de Jesus (Mc 1,22), mas o povo de Nazaré não gostou das palavras de Jesus e ficou escandalizado. Motivo? Jesus, o moço que eles conheciam desde criança, como é que ele agora ficou tão diferente? Eles não aceitaram o mistério de Deus presente em Jesus, um ser humano comum como eles, conhecido de todos! Para poder falar de Deus ele teria que ser diferente deles! Como se vê, nem tudo foi bem sucedido para Jesus. As pessoas que deveriam ser as primeiras a aceitar a Boa Nova, estas eram as que mais se recusavam a aceitá-la. O conflito não era só com os de fora de casa, mas também e sobretudo com os próprios parentes e o povo de Nazaré. Eles se recusaram a crer em Jesus, porque não conseguiam entender o mistério de Deus que envolvia a pessoa de Jesus: “De onde lhe vem tudo isso? Onde foi que arranjou tanta sabedoria? Ele não é o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? E suas irmãs não moram aqui conosco?” Não deram conta de crer em Jesus!
Os irmãos e as irmãs de Jesus A expressão “irmãos de Jesus” é causa de muita polêmica entre católicos e protestantes. Baseando-se neste e em outros textos, os protestantes dizem que Jesus teve mais irmãos e irmãs e que Maria teve mais filhos! Os católicos dizem que Maria não teve outros filhos. O que pensar disso? Em primeiro lugar, as duas posições, tanto dos católicos como dos protestantes, ambas têm argumentos tirados da Bíblia e da Tradição das suas respectivas Igrejas. Por isso, não convém brigar nem discutir esta questão com argumentos só de cabeça. Pois trata-se de convicções profundas, que têm a ver com a fé e com o sentimento de ambos. Argumento só de cabeça não consegue desfazer uma convicção do coração! Apenas irrita e afasta! Mesmo quando não concordo com a opinião do outro, devo sempre respeitá-la. Em segundo lugar, em vez de brigar em torno de textos, nós todos, católicos e protestantes, deveríamos unir-nos para lutar em defesa da vida, criada por Deus, vida tão desfigurada pela pobreza, pela injustiça, pela falta de fé. Deveríamos lembrar algumas outras frases de Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância”(Jo 10,10). “Que todos sejam um, para que o mundo creia que Tu, Pai, me enviaste”(Jo 17,21). “Quem não é contra nós é a favor”(Mc 10,39.40).
Marcos 6,4-6. Reação de Jesus diante da atitude do povo de Nazaré.
Jesus sabe muito bem que “santo de casa não faz milagre”. Ele diz: “Um profeta só não é estimado em sua própria pátria, entre seus parentes e em sua família!” De fato, onde não existe aceitação nem fé, a gente não pode fazer nada. O preconceito o impede. Jesus, mesmo querendo, não pôde fazer nada e ele ficou admirado da falta de fé deles. Por isso, diante da porta fechada da sua própria comunidade, ele “começou a percorrer as redondezas, ensinando nos povoados”. A experiência de rejeição levou Jesus a mudar sua prática. Ele se dirige aos outros povoados e, como veremos no evangelho de amanhã, ele envolve os discípulos na missão dando instruções de como devem dar continuidade à missão.
4) Para um confronto pessoal
1-Jesus teve problemas com seus parentes e com a sua comunidade. Desde que você começou a viver melhor o evangelho, alguma coisa mudou no seu relacionamento com a sua família e seus parentes?
2-Jesus não pôde fazer muitos milagres em Nazaré porque faltou a fé. E hoje, será que ele encontraria fé em nós, em mim?
5) Oração final
Feliz aquele cuja iniquidade foi perdoada, cujo pecado foi absolvido. 2 Feliz o homem a quem o Senhor não argúi de falta, e em cujo coração não há dolo. (Sl 31)
4ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Terça-feira, 4 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Concedei-nos, Senhor nosso Deus, adorar-vos de todo o coração, e amar todos os homens com verdadeira caridade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 5, 21-43)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos - Naquele tempo, 21Tendo Jesus navegado outra vez para a margem oposta, de novo afluiu a ele uma grande multidão. Ele se achava à beira do mar, quando 22um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo, se apresentou e, à sua vista, lançou-se-lhe aos pés, 23rogando-lhe com insistência: Minha filhinha está nas últimas. Vem, impõe-lhe as mãos para que se salve e viva. 24Jesus foi com ele e grande multidão o seguia, comprimindo-o. 25Ora, havia ali uma mulher que já por doze anos padecia de um fluxo de sangue. 26Sofrera muito nas mãos de vários médicos, gastando tudo o que possuía, sem achar nenhum alívio; pelo contrário, piorava cada vez mais. 27Tendo ela ouvido falar de Jesus, veio por detrás, entre a multidão, e tocou-lhe no manto. 28Dizia ela consigo: Se tocar, ainda que seja na orla do seu manto, estarei curada. 29Ora, no mesmo instante se lhe estancou a fonte de sangue, e ela teve a sensação de estar curada. 30Jesus percebeu imediatamente que saíra dele uma força e, voltando-se para o povo, perguntou: Quem tocou minhas vestes? 31Responderam-lhe os seus discípulos: Vês que a multidão te comprime e perguntas: Quem me tocou? 32E ele olhava em derredor para ver quem o fizera. 33Ora, a mulher, atemorizada e trêmula, sabendo o que nela se tinha passado, veio lançar-se-lhe aos pés e contou-lhe toda a verdade. 34Mas ele lhe disse: Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal. 35Enquanto ainda falava, chegou alguém da casa do chefe da sinagoga, anunciando: Tua filha morreu. Para que ainda incomodas o Mestre? 36Ouvindo Jesus a notícia que era transmitida, dirigiu-se ao chefe da sinagoga: Não temas; crê somente. 37E não permitiu que ninguém o acompanhasse, senão Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. 38Ao chegar à casa do chefe da sinagoga, viu o alvoroço e os que estavam chorando e fazendo grandes lamentações. 39Ele entrou e disse-lhes: Por que todo esse barulho e esses choros? A menina não morreu. Ela está dormindo. 40Mas riam-se dele. Contudo, tendo mandado sair todos, tomou o pai e a mãe da menina e os que levava consigo, e entrou onde a menina estava deitada. 41Segurou a mão da menina e disse-lhe: Talita cumi, que quer dizer: Menina, ordeno-te, levanta-te! 42E imediatamente a menina se levantou e se pôs a caminhar (pois contava doze anos). Eles ficaram assombrados. 43Ordenou-lhes severamente que ninguém o soubesse, e mandou que lhe dessem de comer. - Palavra da salvação.
3) Reflexão
No evangelho de hoje, vamos meditar sobre dois milagres de Jesus em favor de duas mulheres. O primeiro, em favor de uma senhora, considerada impura por causa de uma hemorragia que já durava doze anos. O outro, em favor de uma menina de doze anos, que acabava de falecer. Conforme a mentalidade da época, qualquer pessoa que tocasse em sangue ou em cadáver era considerada impura. Sangue e morte eram fatores de exclusão! Por isso, aquelas duas mulheres eram pessoas marginalizadas, excluídas da participação na comunidade.
O ponto de partida. Jesus chega de barco. O povo se junta. Jairo, o chefe da sinagoga, pede pela filha que está morrendo. Jesus vai com ele e o povo todo o acompanha, apertando-o de todos os lados. Este é o ponto de partida para as duas curas, que seguem: a cura da mulher e a ressurreição da menina de doze anos.
A situação da mulher. Doze anos de hemorragia! Por isso, ela vivia excluída, pois, naquele tempo, o sangue tornava a pessoa impura, e quem tocasse nela também ficava impura. Marcos informa que a mulher tinha gastado toda a sua economia com os médicos. Em vez de ficar melhor, ficou pior. Situação sem solução!
A atitude da mulher. Ela ouviu falar de Jesus. Nasceu uma nova esperança. Ela disse consigo: “Se ao menos tocar na roupa dele, eu ficarei curada”. O catecismo da época mandava dizer: “Se eu tocar na roupa dele, ele ficará impuro”. A mulher pensa exatamente o contrário! Sinal de que as mulheres não concordavam com tudo o que as autoridades religiosas ensinavam. A mulher meteu-se no meio da multidão e, de maneira desapercebida, tocou em Jesus, pois todo mundo o apertava e tocava nele. No mesmo instante ela sentiu no corpo que estava curada.
A reação de Jesus e dos discípulos. Jesus também sentiu que uma força tinha saído dele e perguntou: “Quem foi que me tocou?” Os discípulos reagem: “O senhor está vendo essa multidão que o aperta de todos os lados e ainda pergunta ‘Quem foi que me tocou?’” Aqui aparece o desencontro entre Jesus e os discípulos. Jesus tinha uma sensibilidade que não era percebida pelos discípulos. Estes reagiram como todo mundo e não entenderam a reação diferente de Jesus. Mas Jesus nem liga, e continua indagando.
A cura pela fé. A mulher percebeu que tinha sido descoberta. Foi um momento difícil e perigoso. Pois, conforme a crença da época, uma pessoa impura que, como aquela senhora, se metia no meio de uma multidão, contaminava todo mundo através do toque. Fazia todos ficar impuro diante de Deus (Lv 15,19-30). Por isso, como castigo, ela poderia ser apedrejada. Mas a mulher teve a coragem de assumir o que fez. “Cheia de medo e tremendo” caiu aos pés de Jesus e contou toda a verdade. Jesus dá a palavra final: “Minha filha, sua fé curou você. Vai em paz e fique curada dessa doença!” (1) “Minha filha”, isto é, Jesus acolhe a mulher na nova família, na comunidade, que se formava ao seu redor. (2) Aquilo que ela acreditava aconteceu de fato. (3) Jesus reconhece que sem a fé daquela mulher ele não poderia ter feito o milagre.
A notícia da morte da menina. Neste momento o pessoal da casa de Jairo informa que a filha tinha morrido. Já não adiantava molestar Jesus. Para eles, a morte era a grande barreira. Jesus não conseguiria ir além da morte! Jesus escuta, olha para Jairo e aplica o que acabava de presenciar, a saber, que a fé é capaz de realizar o que a pessoa acredita. E ele diz: “Não tenha medo! Crê somente!”
Na casa de Jairo. Jesus só permite três discípulos com ele. Vendo o alvoroço dos que fazem luto pela morte da menina, ele diz: “A criança não morreu. Está dormindo!”. O pessoal deu risada. O povo sabe distinguir quando uma pessoa está dormindo ou quando está morta. É a risada de Abraão e de Sara, isto é, dos que não conseguem crer que para Deus nada é impossível (Gn 17,17; 18,12-14; Lc 1,37). Também para eles, a morte era uma barreira que ninguém poderia ultrapassar! As palavras de Jesus têm ainda um significado mais profundo. A situação das comunidades perseguidas do tempo de Marcos parecia uma situação de morte. Elas tinham que ouvir: “Não é morte! Vocês é que estão dormindo! Acordem!” Jesus não dá importância à risada e entra no quarto onde está a menina, só ele, os três discípulos e os pais da menina.
A ressurreição da menina. Jesus toma a criança pela mão e diz: “Talita kúmi!” Ela levantou-se. Grande alvoroço! Jesus conserva a calma e pede que lhe dêem de comer. Duas mulheres são curadas! Uma tem doze anos de vida, a outra tem doze anos de hemorragia, doze anos de exclusão! Aos doze anos começa a exclusão da menina, pois começa a menstruação, começa a morrer! Jesus tem poder maior e ressuscita: “Levante-se!”
4) Para um confronto pessoal
1) Qual o ponto deste texto de que você mais gostou ou que mais chamou a sua atenção? Por que?
2) Uma mulher foi curada e reintegrada na convivência da comunidade. Uma menina foi levantada do seu leito de morte. O que esta ação de Jesus nos ensina para nossa vida em família e na comunidade, hoje?
5) Oração final
De vós procede o meu louvor na grande assembleia, cumprirei meus votos na presença dos que vos temem. Os pobres comerão e serão saciados; louvarão o Senhor aqueles que o procuram: Vivam para sempre os nossos corações. (Sl 21, 26-27)
4ª SEMANA DO TEMPO COMUM. ANO LITÚRGICO- A. Segunda-feira, 3 de fevereiro-2020. Lectio Divina do Evangelho do dia, com Frei Carlos Mesters, O. Carm.
- Detalhes
1) Oração
Concedei-nos, Senhor nosso Deus, adorar-vos de todo o coração, e amar todos os homens com verdadeira caridade. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Marcos 5, 1-20)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Marcos - Naquele tempo, 1Jesus e os discípulos chegaram à outra margem do mar, na região dos gerasenos. 2Logo que Jesus desceu do barco, um homem que tinha um espírito impuro saiu do meio dos túmulos e foi a seu encontro. 3Ele morava nos túmulos, e ninguém conseguia amarrá-lo, nem mesmo com correntes. 4Muitas vezes tinha sido preso com grilhões e com correntes, mas ele arrebentava as correntes e quebrava os grilhões, e ninguém conseguia dominá-lo. 5Dia e noite andava entre os túmulos e pelos morros, gritando e ferindo-se com pedras. 6Ao ver Jesus, de longe, o homem correu, caiu de joelhos diante dele 7e gritou bem alto: “Que queres de mim, Jesus, Filho de Deus Altíssimo? Por Deus, não me atormentes!” 8Jesus, porém, disse-lhe: “Espírito impuro, sai deste homem!” 9E perguntou-lhe: “Qual é o teu nome?” Ele respondeu: “Legião é meu nome, pois somos muitos”. 10E suplicava-lhe para que não o expulsasse daquela região. 11Entretanto estava pastando, no morro, uma grande manada de porcos. 12Os espíritos impuros suplicaram então: “Manda-nos entrar nos porcos”. 13Jesus permitiu. Eles saíram do homem e entraram nos porcos. E os porcos, uns dois mil, se precipitaram pelo despenhadeiro no mar e foram se afogando. 14Os que cuidavam deles fugiram e espalharam a notícia na cidade e no campo. As pessoas saíram para ver o que tinha acontecido. 15Chegaram onde estava Jesus e viram o possesso sentado, vestido e no seu perfeito juízo – aquele que tivera o Legião. E ficaram com medo. 16Os que tinham presenciado o fato explicavam-lhes o que havia acontecido com o possesso e com os porcos. 17Então, suplicaram Jesus para que fosse embora do território deles. 18Enquanto Jesus entrava no barco, o homem que tinha sido possesso pediu para que o deixasse ir com ele. 19Jesus, porém, não permitiu, mas disse-lhe: “Vai para casa, para junto dos teus, e anuncia-lhes tudo o que o Senhor, em sua misericórdia, fez por ti”. 20O homem foi embora e começou a anunciar, na Decápole, tudo quanto Jesus tinha feito por ele. E todos ficavam admirados. - Palavra da salvação.
3) Reflexão
No Evangelho de hoje, vamos meditar um longo texto sobre a expulsão de um demônio que se chamava Legião e que oprimia e maltratava uma pessoa. Hoje há muita gente que usa os textos do evangelho sobre a expulsão dos demônios para meter medo nos outros. É pena! Marcos faz o contrário. Como veremos, ele associa a ação do poder do mal com quatro coisas: 1) Com o cemitério, o lugar dos mortos. A morte que mata a vida! 2) Com o porco, que era considerado um animal impuro. A impureza que separa de Deus! 3) Com o mar, que era visto como símbolo do caos de antes da criação. O caos que destrói a natureza. 4) Com a palavra Legião, nome dos exércitos do império romano. O império que oprime e explora os povos. Ora, Jesus vence o poder do mal nestes quatro pontos. A vitória de Jesus tinha um alcance enorme para as comunidades dos anos setenta, época em que Marcos escreve o seu evangelho. Elas viviam perseguidas pelas legiões romanas, cuja ideologia manipulava as crenças populares nos demônios para meter medo no povo e conseguir submissão!
O poder do mal oprime, maltrata e aliena as pessoas. Os versículos iniciais descrevem a situação do povo antes da chegada de Jesus. Na maneira de descrever o comportamento do endemoninhado, Marcos associa o poder do mal com cemitério e morte. É um poder sem rumo, ameaçador, descontrolado e destruidor, que mete medo em todos. Priva a pessoa da consciência, do autocontrole e da autonomia.
Diante da simples presença de Jesus o poder do mal desmorona e desintegra. Na maneira de descrever o primeiro contato entre Jesus e o homem possesso, Marcos acentua a desproporção total! O poder, que antes parecia tão forte, se derrete e se desmancha diante de Jesus. O homem cai de joelhos, pede para não ser expulso da região e entrega até o seu nome Legião. Através deste nome, Marcos associa o poder do mal com o poder político e militar do império romano que dominava o mundo através das suas Legiões.
O poder do mal é impuro e não tem autonomia nem consistência. O demônio não tem poder sobre os seus próprios movimentos. Só consegue ir para dentro dos porcos com a permissão de Jesus! Uma vez dentro dos porcos, estes se precipitam no mar. Eram 2000 porcos! Na opinião do povo, o porco era símbolo da impureza que impedia o ser humano de relacionar-se com Deus e sentir-se acolhido por Ele. O mar era símbolo do caos que existia antes da criação e que, conforme a crença da época, ameaçava a vida. Este episódio dos porcos que se precipitam no mar é estranho e difícil de ser entendido. Mas a mensagem é muito clara: diante de Jesus, o poder do mal não tem autonomia nem consistência. Quem crê em Jesus já venceu o poder do mal e já não precisa ter medo!
A reação do povo do lugar. Alertado pelos empregados que tomavam conta dos porcos, o povo do lugar veio e viu o homem liberto do poder do mal “em perfeito juízo”. Mas eles ficaram sem os porcos! Por isso, pedem a Jesus para ir embora. Para eles, os porcos eram mais importantes que o ser humano que acabava de ser devolvido a si mesmo. Assim é hoje: o sistema neoliberal pouco se importa com as pessoas. O que importa é o lucro!
Anunciar a Boa Nova é anunciar “o que o Senhor fez por você!” O homem liberto quer “seguir Jesus”, mas Jesus diz: “Vá para casa, para junto dos seus, e anuncia a eles o que o Senhor fez por você!”. Esta frase de Jesus, Marcos a dirige às comunidades e a todos nós. Para a maioria de nós “seguir Jesus” significa: “Vá para sua casa e anuncia aos seus o que o Senhor te fez!”
4) Para um confronto pessoal
1) Qual o ponto deste texto de que você mais gostou ou que mais chamou a sua atenção? Por que?
2) O homem curado quer seguir Jesus. Mas ele deve ficar em casa e contar a todo mundo o que Jesus fez por ele. O que Jesus fez por você que pode ser contado para os outros?
5) Oração final
Quão grande é, Senhor, vossa bondade, que reservastes para os que vos temem e com que tratais aos que se refugiam em vós, aos olhos de todos. (Sl 30, 20)
O Papa aos consagrados: saber ver a graça é o ponto de partida
- Detalhes
"Olhar para trás, reler a própria história e ver nela o dom fiel de Deus, não apenas nos grandes momentos da vida mas também nas fragilidades, fraquezas e misérias", disse Francisco.
Cidade do Vaticano
O Papa Francisco presidiu, na tarde deste sábado (1°/02), na Basílica de São Pedro, a missa para o XXIV Dia Mundial da Vida Consagrada celebrado neste domingo (02/02).
No início da missa, as luzes da Basílica Vaticana foram apagadas e por alguns instantes o templo foi iluminado pelas velas acesas que os consagrados seguravam em suas mãos. Uma pequena chama semelhante à luz do chamado que um dia Jesus acendeu em seus corações.
O pontífice iniciou sua homilia com a seguinte passagem bíblica: “«Meus olhos viram a Salvação»: são as palavras de Simeão, que o Evangelho apresenta como um homem simples, um homem «justo e piedoso». Mas, dentre todos os homens que estavam no templo naquele dia, só ele viu, em Jesus, o Salvador. Um menino; um pequenino, frágil e simples menino. Nele viu a Salvação, porque o Espírito Santo lhe fez reconhecer, naquele terno recém-nascido, «o Messias do Senhor»”.
Acolher de braços abertos o dom do Senhor
Também vós, queridos irmãos e irmãs consagrados, sois homens e mulheres simples que vistes o tesouro que vale mais do que todas as riquezas do mundo. Por ele, deixastes coisas preciosas, tais como bens, criar uma família própria. Por que o fizestes? Porque vos apaixonastes por Jesus, n’Ele vistes tudo e, fascinados pelo seu olhar, deixastes o resto. A vida consagrada é esta visão. É ver aquilo que conta na vida. É acolher de braços abertos o dom do Senhor, como fez Simeão. Isto é o que veem os olhos dos consagrados: a graça de Deus derramada em suas mãos. A pessoa consagrada é alguém que, ao olhar-se cada dia, diz: «Tudo é dom, tudo é graça». Queridos irmãos e irmãs, não é mérito nosso a vida religiosa, é um dom de amor que recebemos.
Segundo o Papa, “saber ver a graça é o ponto de partida. Olhar para trás, reler a própria história e ver nela o dom fiel de Deus, não apenas nos grandes momentos da vida mas também nas fragilidades, fraquezas e misérias. O tentador, o diabo insiste precisamente em nossas misérias, em nossas mãos vazias, e corremos o risco de perder a bússola, que é a gratuidade de Deus. Com efeito, Deus nos ama e sempre se oferece a nós, mesmo nas nossas misérias. Quando mantemos o olhar fixo n’Ele, abrimo-nos ao perdão que nos renova e somos confirmados pela sua fidelidade”.
"Com efeito, sobre a vida religiosa, paira esta tentação: ter um olhar mundano. É o olhar que já não vê a graça de Deus como protagonista da vida e vai à procura de qualquer substituto: um pouco de sucesso, uma consolação afetiva, fazer finalmente aquilo que quero", frisou o Papa.
“A vida consagrada, quando deixa de girar em torno da graça de Deus, retrai-se no próprio eu: perde impulso, acomoda-se, paralisa.”
E sabemos o que acontece depois! Reivindicam-se os espaços próprios e os direitos próprios, deixamo-nos cair em críticas e murmurações, indignamo-nos pela mais pequena coisa que não funcione e entoamos a ladainha da lamentação acerca dos irmãos, das irmãs, da comunidade, da Igreja e da sociedade. Já não se vê o Senhor em tudo, mas só o mundo com as suas dinâmicas; e o coração se restringe.
Castidade, caminho para amar sem se apoderar
A fim de ter um olhar justo sobre a vida, Francisco convidou os consagrados a pedirem para “saber ver, como Simeão, a graça de Deus que veio para nós. O Evangelho repete três vezes que Simeão tinha familiaridade com o Espírito Santo, que estava nele, o inspirava e impelia. Tinha familiaridade com o Espírito Santo, com o amor de Deus".
“A vida consagrada, se permanecer firme no amor do Senhor, vê a beleza. Vê que a pobreza não é um esforço titânico, mas uma liberdade superior, que nos presenteia como verdadeiras riquezas Deus e os outros. Vê que a castidade não é uma esterilidade austera, mas o caminho para amar sem se apoderar. Vê que a obediência não é disciplina, mas a vitória, no estilo de Jesus, sobre a nossa anarquia.”
A seguir, o Papa contou uma experiência vivida por algumas religiosas: "Numa das terras onde ocorreu o terremoto, falando de pobreza e vida comunitária, havia um mosteiro beneditino. Outro mosteiro convidou as religiosas para se mudar e viver nesse mosteiro. Elas ficaram ali pouco tempo mas não eram felizes, pensavam no lugar que tinham deixado, nas pessoas de lá. No final, decidiram voltar e fazer o mosteiro em dois trailers. Em vez de estarem num grande mosteiro, confortáveis, eram como pulgas, ali, todas juntas, mas felizes na pobreza. Isso aconteceu no ano passado. Uma coisa bonita!"
Olhar dos consagrados, olhar de esperança
"Quem mantém o olhar fixo em Jesus, aprende a viver para servir. Não espera que os outros comecem, mas vai à procura do próximo, como Simeão que procurava Jesus no templo", disse ainda Francisco. "E onde se encontra o próximo, na vida consagrada? Primeiramente, na própria comunidade. Devemos pedir a graça de saber procurar Jesus nos irmãos e irmãs que recebemos. É aqui que se começa a praticar a caridade: no lugar onde se vive, acolhendo os irmãos e irmãs com as suas pobrezas, como Simeão acolheu Jesus simples e pobre. Há muitos, hoje, que só veem nos outros obstáculos e complicações. Há necessidade de olhares que procurem o próximo, que aproximem de quem está distante. Como homens e mulheres que vivem para imitar Jesus, os religiosos e as religiosas são chamados a tornar presente no mundo o olhar d’Ele, o olhar da compaixão, o olhar que vai à procura dos distantes, que não condena, mas encoraja, liberta, consola."
“O olhar dos consagrados só pode ser um olhar de esperança”, disse ainda o Papa. “Saber esperar. Olhando ao redor, é fácil perder a esperança: as coisas que estão mal, a diminuição das vocações, etc. Paira ainda a tentação do olhar mundano, que aniquila a esperança”.
Francisco concluiu a sua homilia, dizendo que Simeão e Ana “eram idosos, viviam sozinhos e contudo não perderam a esperança, porque estavam em contato com o Senhor”. “Ana «não se afastava do templo, participando do culto noite e dia, com jejuns e orações». Aqui está o segredo: não se afastar do Senhor, fonte da esperança.” Fonte: https://www.vaticannews.va
Pág. 208 de 665