VOCAÇÃO E DÚVIDAS: Frei Petrônio
- Detalhes
Ex-núncio nos EUA, Viganò: ''O papa deve renunciar''
- Detalhes
O diplomata vaticano publicou um documento sobre o caso do cardeal homossexual McCarrick com acusações contra a cúpula vaticana dos últimos 20 anos. A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada em Vatican Insider, 26-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As autoridades da Santa Sé tinham conhecimento, desde o ano 2000, da existência de acusações contra o arcebispo Theodore McCarrik, promovido no fim daquele ano a arcebispo de Washington e criado cardeal por João Paulo II no ano seguinte: era sabido que o prelado convidava seus seminaristas para dormir com ele na casa de praia. É o que afirma um documento de 11 páginas assinado por Carlo Maria Viganò, ex-secretário do Governatorato e ex-núncio apostólico nos Estados Unidos, que foi afastado do Vaticano e enviado para a sede diplomática de Washington em 2011.
O texto do Viganò está repleto de datas e de circunstâncias, e é claramente dirigido contra o Papa Francisco, do qual o ex-núncio pede a renúncia, porque, na sua opinião, teria removido as sanções existentes contra McCarrick após o conclave de 2013.
O documento repropõe, detalhando-os, boatos e informações que já circularam pelo menos nos últimos dois meses na galáxia midiática antipapal e tradicionalista norte-americana e europeia, tentando descarregar toda a responsabilidade sobre os ombros do atual pontífice.
Viganò afirma que as denúncias do ano 2000, com testemunhos escritos contra McCarrick – acusado de molestar seminaristas e jovens padres adultos – foram regularmente transmitidas pelos núncios apostólicos que se sucederam na sede de Washington, Dom Gabriel Montalvo, antes, e Dom Pietro Sambi, depois. No entanto, esses relatórios ficaram sem resposta.
Viganò culpa por tudo isso o então secretário de Estado, Angelo Sodano – mas também o substituto, Leonardo Sandri, hoje cardeal prefeito para as Igrejas Orientais – que, na sua opinião, teriam acobertado McCarrick. E João Paulo II, que, no ano 2000, aprovou a nomeação para Washington e, no ano seguinte, a inclusão do discutido arcebispo no Colégio Cardinalício.
Viganò escreve: “A nomeação a Washington e a cardeal de McCarrick foi obra de Sodano, quando João Paulo II já estava muito doente? Não nos é dado saber disso. Porém, é lícito pensar isso, mas não acho que ele tenha sido o único responsável. McCarrick ia com muita frequência a Roma e havia feito amigos por toda a parte, em todos os níveis da Cúria.”
Uma segunda rodada de acusações contra McCarrick é datada de 2006. O próprio Viganò escreveu que tinha preparado duas notas detalhadas contra o cardeal, encaminhando-as aos seus superiores – naquele momento, o cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone (acusado de ter promovido muitos homossexuais para postos de responsabilidade na Cúria e na Igreja). O resultado dessas notas também tardou a chegar, embora Viganò afirme que, em 2009 ou 2010, Bento XVI decidiu impor sanções ao já renunciante McCarrick, impondo-lhe que não vivesse no seminário, não aparecesse ou celebrasse mais em público, não viajasse. McCarrick, no entanto, não levou a sério essas sanções que permaneceram secretas. Basta navegar na web por alguns minutos para perceber que, mesmo após as supostas sanções do Papa Ratzinger, o cardeal estadunidense continuou celebrando em público e proferindo conferências.
Por fim, o último capítulo: em junho de 2013, durante uma audiência privada, a uma pergunta de Francisco sobre McCarrick, Viganò teria respondido ao papa que, contra o cardeal, havia um dossiê cheio de acusações depositado na Congregação para os Bispos. Viganò não afirma ter transmitido naquele dia ou posteriormente documentos ou denúncias contra McCarrick ao novo papa. Mas aquelas poucas palavras trocadas foram suficientes para que ele afirmasse que Francisco não teria se comportado corretamente, mas, de algum modo, teria ajudado o cardeal idoso, que também teria se tornado – afirma ainda o ex-núncio, neste caso sem detalhar nada, nem relatar qualquer fato específico – um conselheiro muito ouvido pelo novo papa para as nomeações episcopais estadunidenses. Não se deve esquecer que, desde 2006, McCarrick não estava mais no cargo, mas era um cardeal arcebispo emérito, sem atribuições.
Para além dos detalhes de um texto que evidentemente se insere nas batalhas pessoais eclesiais de um prelado que nunca digeriu o fato de ter sido afastado do Vaticano por decisão de Bento XVI, e do uso instrumental que foi feito disso na batalha travada pela ala anti-Francisco e dos seus laços na Igreja, na política internacional e na mídia, alguns fatos ainda precisam ser esclarecidos.
O primeiro diz respeito à nomeação de McCarrick a Washington e, principalmente, à sua posterior inclusão no Colégio Cardinalício. No ano 2000, o Papa João Paulo II certamente não estava no fim dos seus dias (ele morreria cinco anos depois), e retratá-lo como cansado, doente e incapaz de tomar decisões parece bastante inapropriado. Deve-se supor que o cardeal Sodano escondia informações decisivas do pontífice. Notícias que chegavam do núncio apostólico em Washington, que, aliás, também podia ter acesso direto ao papa. O cardeal Giovanni Battista Re – que segundo Viganò, como neoprefeito da Congregação para os Bispos, se opôs por escrito à nomeação de McCarrick – era uma pessoa próxima do papa e próxima do poderoso secretário do Papa Wojtyla, Dom Stanislaw Dziwisz. Por que ninguém disse ao pontífice sobre as acusações contra o candidato ao arcebispado de Washington e por que ninguém impediu a sua posterior nomeação cardinalícia?
O segundo fato está relacionado ao período de 2006 a 2013. Viganò assegura que existem sanções secretas contra McCarrick por parte do Papa Bento XVI e ataca o sucessor de McCarrick em Washington, Donald Wuerl, por ter fingido não saber. Essas sanções obrigavam o cardeal molestador de seminaristas adultos e de jovens padres a viver retirado em oração e penitência, sem aparecer ou celebrar em público. Por que McCarrick não obedeceu a essas sanções e continuou fazendo o que fazia antes como cardeal aposentado, celebrando missas e proferindo conferências? Por que ninguém pediu respeito pelas ordens papais e por que ninguém avisou o pontífice sobre essa grave desobediência? E, ainda, por que o Papa Ratzinger optou por manter em segredo essas sanções – obviamente admitindo-se que cada afirmação de Viganò corresponda à verdade – sem nunca torná-las públicas?
Um terceiro fato: neste ano, quando se teve a notícia de uma denúncia concreta de abuso contra um menor por parte de McCarrick – episódio que remonta a quando ele era padre em Nova York – o Papa Francisco obrigou-o a viver retirado e removeu a sua púrpura cardinalícia: a primeira, verdadeira e radical sanção contra o ex-arcebispo, que não tem precedentes na história mais recente da Igreja. Até 2018, ou seja, até a abertura formal da investigação canônica contra McCarrick, as acusações diziam respeito a relações homossexuais com pessoas adultas. Depois, resta saber por que Dom Viganò não divulgou essas informações até hoje, se estava tão convencido de que se tratava de algo da maior importância para a Igreja. E por que, como núncio apostólico nos Estados Unidos, não as colocou por escrito, convidando o novo papa a tomar medidas contra McCarrick, para fazer com que as sanções secretas de Bento fossem finalmente aplicadas, o que, evidentemente, não tinha ocorrido antes.
Nota de IHU On-Line: Na viagem de retorno de Dublin, o Papa Francisco se referiu ao testemunho de Viganò, afirmando:
"Li na manhã de hoje esse comunicado de Viganò. Digo sinceramente isto: leiam-no atentamente e tirem suas conclusões pessoais. Não direi nenhuma palavra sobre isto. Creio que o documento fala por si mesmo. Vocês têm a capacidade jornalística suficiente, com sua maturidade profissional, para tirar suas conclusões". Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
SANTO AGOSTINHO: “Tarde Te amei!” De Santo Agostinho, uma das mais arrebatadoras orações de todos os tempos
- Detalhes
"Et ecce intus eras et ego foris et ibi te quaerebam, et in ista formosa quae fecisti deformis irruebam..."
1- Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova… Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio.
2- Tu estavas dentro de mim e eu fora… “Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior”. Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava… Eis que estavas dentro e eu fora! Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo…
3- Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu a minha surdez… “Fizeste-me entrar em mim mesmo… Para não olhar para dentro de mim, eu tinha me escondido. Mas Tu me arrancaste do meu esconderijo e me puseste diante de mim mesmo, a fim de que eu enxergasse o indigno que era, o quão deformado, manchado e sujo eu estava”. Em meio à luta, recorri a meu grande amigo Alípio e lhe disse: “Os ignorantes nos arrebatam o céu e nós, com toda a nossa ciência, nos debatemos em nossa carne”. Assim me encontrava, chorando desconsolado, enquanto perguntava a mim mesmo quando deixaria de dizer “Amanhã, amanhã”… Foi então que escutei uma voz que vinha da casa vizinha… Uma voz que dizia: “Pega e lê. Pega e lê!”.
4- Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste a minha cegueira. Então corri à Bíblia, abri-a e li o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar. Pertencia à carta de São Paulo aos Romanos e dizia assim: “Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,13s). Aquelas Palavras ressoaram dentro de mim. Pareciam escritas por uma pessoa que me conhecia, que sabia da minha vida.
5- Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti! Deus… de Quem separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é ressuscitar, com Quem habitar é viver. Deus… de Quem fugir é cair, a Quem voltar é levantar-se, em Quem apoiar-se é estar seguro. Deus… a Quem esquecer é perecer, a Quem buscar é renascer, a Quem conhecer é possuir. Foi assim que descobri a Deus e me dei conta de que, no fundo, era a Ele, mesmo sem saber, a Quem buscava ardentemente o meu coração.
6- Provei-Te, e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz. “Deus começa a habitar em ti quando tu começas a amá-Lo”. Vi dentro de mim a Luz Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci. E mostraste-me então Quem eras. E irradiaste sobre mim a Tua Força dando-me o Teu Amor!
7- E agora, Senhor, só amo a Ti! Só sigo a Ti! Só busco a Ti! Só ardo por Ti!…
8- Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava Contigo… Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste, e a Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste o Teu Perfume e, respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora ardo em desejos por Tua Paz!
*Santo Agostinho, Confissões 10, 27-29. Fonte: https://pt.aleteia.org
VOCAÇÃO E ALEGRIA: Frei Petrônio
- Detalhes
VOCAÇÃO E LIBERDADE: Frei Petrônio
- Detalhes
"Medellín 50 anos": migração, refugiados e tráfico de pessoas
- Detalhes
O presidente dos bispos peruanos, Dom Cabrejos Vidarte, abordou o tema da migração, a situação dos refugiados e o tráfico de pessoas, referindo-se concretamente ao êxodo de venezuelanos que chegam ao Peru com a esperança de encontrar melhores condições de vida para si e suas famílias.
Cidade do Vaticano
Devemos por em prática a dinâmica da cultura do encontro, que o Papa Francisco propõe em relação aos migrantes, e que considera quatro ações precisas: “Acolher, proteger, promover e integrar os migrantes e refugiados”.
Esperança de encontrar melhores condições de vida
Foi o que disse o arcebispo de Trujillo e presidente da Conferência Episcopal Peruana, Dom Héctor Miguel Cabrejos Vidarte, OFM, no Congresso eclesial “Medellín 50 anos”, realizado na cidade colombiana de 23 a 26 de agosto para celebrar o 50º aniversário da segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (1968).
Migração, situação dos refugiados e tráfico de pessoas
No contexto das dificuldades vividas atualmente por alguns povos da América Latina, como é o caso da Venezuela e Nicarágua, o presidente dos bispos peruanos participou do Congresso abordando o tema da migração, a situação dos refugiados e o tráfico de pessoas, referindo-se concretamente ao êxodo de venezuelanos que chegam ao Peru com a esperança de encontrar melhores condições de vida para si e suas famílias.
Ação solidária da Igreja peruana aos irmãos venezuelanos
Em seu pronunciamento, Dom Cabrejos Vidarte precisou as ações solidárias que a Igreja peruana vem realizando para apoiar os irmãos venezuelanos, mediante várias congregações e paróquias. Entre estas, mencionou:
A coleta em prol dos venezuelanos de 3 de junho passado; a criação no mês de julho, na sede da Conferência Episcopal Peruana, do Centro de Informação e Orientação ao Migrante Venezuelano; a realização da Campanha Partilhar 2018 (dias 24 a 26 de agosto); e a abertura da Casa do Migrante, na capital Lima, em coordenação com a Congregação Scalabriniana.
Mais de 400 mil venezuelanos imigrados no Peru
Conhecendo os problemas enfrentados pelos venezuelanos no Peru, os quais, de acordo com cifras da Superintendência Nacional de Migrações, passam de 400 mil pessoas, a Igreja peruana vem trabalhando como uma Igreja universal que acolhe todas as pessoas, oferecendo-lhes um acompanhamento pastoral que é fundamental nestes momentos de dificuldades.
Mulheres e meninas “traficadas” dentro e fora do país
O presidente do episcopado peruano afirmou que o tráfico de pessoas e o tráfico de migrantes vem crescendo no país, de norte a sul, leste a oeste, por rotas específicas. Disse ainda que esta problemática afeta milhares de vidas, especialmente mulheres e meninas, que são “traficadas” dentro e fora do Peru.
Reforçar laços entre Igrejas de origem, trânsito e destino
Nesse sentido, Dom Cabrejos Vidarte instou a reforçar os laços entre as Igrejas de origem, trânsito e destino, e a denunciar os entraves que as pessoas sofrem para que a sociedade civil e os governo alcancem uma política migratória que priorize sobretudo os direitos humanos das pessoas em mobilidade.
Também participaram do Congresso concluído este domingo (26/08) em Medellín, na Colômbia, o arcebispo de Huancayo, no Peru, cardeal Pedro Ricardo Barreto Jimeno, e o bispo de Chuquibamba e presidente da Comissão Episcopal de Ação Social peruana, Dom Jorge Enrique Izaguirre Rafael. Fonte: https://www.vaticannews.va
VOCAÇÃO E CAMINHO: Frei Petrônio
- Detalhes
TRECHO DO DOCUMENTO DE APARECIDA: Vocação Leiga
- Detalhes
Os fiéis leigos são “os cristãos que estão incorporados a Cristo pelo batismo, que formam o povo de Deus e participam das funções de Cristo: sacerdote, profeta e rei. Realizam, segundo sua condição, a missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo”. São “homens da Igreja no coração do mundo, e homens do mundo no coração da Igreja”. Sua missão própria e específica se realiza de tal modo que, com seu testemunho e sua atividade, contribuam para a transformação das realidades e para a criação de estruturas justas segundo os critérios do Evangelho.
Os leigos também são chamados a participar na ação pastoral da Igreja, primeiro com o testemunho de vida e, em segundo lugar, com ações no campo da evangelização, da vida litúrgica e outras formas de apostolado, segundo as necessidades locais sob a guia de seus pastores. Para cumprir sua missão com responsabilidade pessoal, os leigos necessitam de sólida formação doutrinal, pastoral, espiritual e adequado acompanhamento para darem testemunho de Cristo e dos valores do Reino no âmbito da vida social, econômica, política e cultural.
21º Domingo do Tempo Comum. ''Vocês também querem ir embora?'' (Domingo, 26 de agosto-2018)
- Detalhes
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 21º Domingo do Tempo Comum, 26 de agosto (Jo 6, 60-69). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Chegamos ao final do sexto capítulo do Evangelho segundo João, e, nestes últimos versículos, é posto diante de nós todo o choque, o escândalo que as palavras de Jesus causaram não só nas multidões dos judeus, mas também entre os seus discípulos.
Essa crise nas relações entre Jesus e a sua comunidade é testemunhada por todos os quatro Evangelhos no momento de uma palavra decisiva de Pedro que confessava a identidade de Jesus como Messias (cf. Mc 8, 29 e par.) e como enviado do Pai como Filho.
Por que essa crise? Porque as palavras de Jesus, às vezes, eram duras e chocavam também os ouvidos de discípulos que o seguiam com afeto e atenção, mas não conseguiam aceitar, considerando-a como uma pretensão, que Jesus tinha “descido do céu” e que na carne (basar/sárx) de um corpo humano frágil e mortal ele narrava o Deus vivo e verdadeiro.
No seu discurso, Jesus tinha dito muitas vezes: “Eu sou o pão vivo descido do céu” (Jo 6, 51; cf. 6, 33.38.41-42.58), mas justamente aqueles que o tinham aclamado como “o grande profeta que devia vir ao mundo” (Jo 6, 14) e que até tinham querido proclamá-lo rei (cf. Jo 6, 15), diante dessas palavras, sentem-se escandalizados na sua fé.
Profeta, sim; Messias, sim; Enviado de Deus sim, mas descido do céu e feito carne, corpo entregado (verbo paradídomi) e doado até a morte violenta, carne para comer e sangue para beber (cf. Jo 6, 51-56), isso realmente não: são palavras que soam como uma pretensão insuportável, impossível de escutar!
Jesus, que conhece essas murmurações dos discípulos, neste ponto, não tem medo de dizer toda a verdade, às custos de causar uma divisão entre os seus e um abandono do seu discipulado. Poderíamos dizer que ele “ataca” os murmuradores: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes?”. Isto é, “quando vocês estiverem diante da realidade do Filho do homem que, através da elevação na cruz, da morte ignominiosa, subirá a Deus, de quem veio (cf. Jo 3, 14; 8, 28; 12, 32)? Quando se manifestar a plena identidade daquele que desceu de Deus e que a Deus subiu novamente na sua humanidade assumida como condição carnal, mortal, ‘semelhante à carne do pecado’ (Rm 8, 3), então o escândalo será maior”!
Jesus faz esse ataque sofrendo todo o peso da incredulidade, da incompreensão por parte daqueles que, durante anos, estavam envolvidos com ele e eram assíduos à sua palavra. Como esse comportamento deles é possível?
É por isso que ele não pode deixar de constatar que, na realidade, ninguém pode vir até ele se o Pai não o atrair, se não o conceder. É preciso esse dom que não é dado arbitrariamente por Deus, mas deve ser buscado, deve ser acolhido como dom que não requer nenhum mérito por parte de quem o recebe. Mas isso também escandaliza as pessoas religiosas, que sempre pretendem que Deus dê dons não só de acordo com os seus desejos, mas também de acordo com aquilo que mereceram e alcançaram.
O que é escandaloso em relação a Jesus é a sua condição humaníssima, o fato de se entregar em uma carne frágil e em um corpo mortal a carnes frágeis e corpos mortais, isto é, as pessoas. Como é possível que Deus se entregue em um homem, “o filho de José” (Jo 6, 42), uma criatura humana que pode ser entregue, traída, dada nas mãos dos pecadores, como acontecerá justamente por causa de um dos Doze, Judas, um servo do diabo (cf. Jo 6, 70)?
Aqui, a fé tropeça no fato de ter que acolher a imagem de um “Deus ao contrário”, de um “enviado divino, um Messias ao contrário”, que é frágil, pobre, fraco e do qual os homens podem fazer o que quiserem... É o escândalo da encarnação de Deus, sofrido ao longo dos séculos por muitos cristãos, por muitas Igrejas, pelo próprio Islã e ainda hoje pelos homens religiosos que acusam de não crerem em Deus aqueles que acolhem do Evangelho a mensagem escandalosa de um Deus que realmente, verdadeiramente se fez homem, carne mortal, em Jesus de Nazaré.
A fé cristã torna-se facilmente docetismo, porque prefere, como todas as religiões, um Deus sempre e somente onipotente, um Deus que não pode se tornar humano, como nós, em tudo, exceto no pecado.
Por isso, Jesus insiste: “Vós também vos quereis ir embora?”, dirigindo-se àqueles que permaneceram, na realidade, poucos. Jesus não teme, embora sofra, permanecer sozinho, porque tem fé na palavra que o Pai lhe dirigiu, na promessa de Deus que não falhará. Os outros podem ir embora, mas Deus permanece fiel! E, assim, o evangelho registra que alguns discípulos, escandalizados pelas palavras e pelos gestos de Jesus, vão embora: por medo? Por convicções religiosas? Em todo o caso, por falta de fé. Eles havia acolhido a vocação, haviam seguido Jesus talvez com entusiasmo, mas depois, não crescendo na sua adesão a ele, tropeçaram na incompreensão das suas palavras.
Consequentemente, tomaram um caminho de de-vocação, desmentindo a estrada feita, até darem meia-volta e irem embora. Entre eles, está também Judas, um dos Doze, escolhido pessoalmente como discípulo por Jesus. Como isso é possível? Sim, é possível que, na comunidade de Jesus e assim na comunidade cristã, haja aqueles que se tornem um ministro do diabo, um discípulo do diabo, que, portanto, não pode deixar de trair. E, quando a relação de amor conhece a traição, para aqueles que traem, torna-se imperativo apagar o amado, até entregá-lo para que seja tirado do meio do caminho. Aquilo que os outros evangelhos colocam na última ceia, João significativamente põe aqui, no anúncio da eucaristia, dom da vida de Jesus para todos.
Às vezes, eu me pergunto por que, na Igreja, não se tem a coragem de fazer ressoar ainda hoje essa pergunta de Jesus: “Vocês também querem ir embora?”; por que sempre se ensina o sucesso, sempre se olha para o número dos fiéis, sempre se fazem esforços visando à grandeza da comunidade cristã e não à qualidade da fé. Somos verdadeiramente gente de pouca fé!
A crise, por sua vez, que sempre é fracasso, nós a afastamos o máximo possível, dissimulamo-la, calamo-la, para que não pareça que às vezes perdemos, caímos, fracassamos até mesmo nas nossas obras eclesiais e comunitárias, embora em conformidade com a vontade do Senhor.
Por outro lado, Jesus usará a imagem da poda da vinha para dizer que há ramos que devem ser podados (cf. Jo 15, 2): mas é determinante que a poda seja feita pelo Pai, e não por nós, nem mesmo por aqueles que, na comunidade cristã, presidem ou trabalham nela como operários. Por si só, o Evangelho tem a força de atrair e de deixar cair: basta que ele seja anunciado na sua verdade e com franqueza, sem ser adocicado.
Sim, o Evangelho é a Palavra de vida eterna, como Pedro responde a Jesus, confessando que a fé da Igreja é fé no “Santo de Deus”, isto é, fé que, em Jesus, está a Shekinah, a presença de Deus. Onde Deus está agora neste mundo? Não no Santo do templo de Jerusalém, mas sim na humanidade feita carne e sangue de Jesus, o Filho de Deus.
Ao perguntar a Jesus: “A quem iremos, Senhor?”, Pedro expressa toda a fé dos discípulos em relação a ele, toda a sua unicidade de Rabi, Profeta e Messias; ao mesmo tempo, chega ao verdadeiro vértice da sua profissão de fé: “Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.
Pedro manifesta uma experiência, um conhecimento devido ao fato de estar com Jesus durante anos: ele é o Santo, como o anjo o tinha definido a Maria no anúncio (“O Santo que vai nascer de você será chamado Filho de Deus”, Lc 1,35); Jesus é partícipe da santidade do próprio Deus, portanto, é o Senhor (JHWH), que, nas Sagradas Escrituras, é chamado e invocado como Santo. Na tradição joanina, que confluiu no Apocalipse, Santo também é o título de Jesus ressuscitado (cf. Ap 3, 7).
Assim termina o longo e nada fácil discurso de Jesus sobre o pão da vida. No fim, provavelmente, há mais coisas que não conseguimos entender, realidades que não podemos sustentar, em relação àquilo que compreendemos e acolhemos. Nós também ficamos chocados com essas palavras, talvez não intelectualmente, mas ao acolhê-las para vive-las existencial, concreta e cotidianamente. Mas se, como os Doze, não vamos embora, mas permanecemos junto de Jesus com as nossas fraquezas, que também dizem respeito à fé, e se tentamos perseverar no seu seguimento, isso é suficiente para acolher o dom gratuito e não rejeitá-lo ou não percebê-lo: Jesus, homem como nós, no qual “habita corporalmente toda a plenitude da vida de Deus” (Col 2, 9), Deus mesmo, é a palavra que nos alimenta, é o pão de vida que recebemos na eucaristia, no nosso caminho rumo ao Reino.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
Medellín 50 anos: liberdade para ousar
- Detalhes
Medellín 50 anos: liberdade para ousar
*Por Agenor Brighenti
Há exatamente 50 anos, de 24 de agosto a 06 de setembro de 1968, realizava-se em Medellín a Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, no contexto do Concílio Vaticano II. Medellín, mais que um Documento, é um espírito, um ponto de partida, uma perspectiva, o desencadeamento de uma tradição autóctone. Ele continua fazendo caminho, sobretudo, através de uma rede capilar de comunidades eclesiais inseridas nos meios populares, sem alarde, em grande medida brasas sob cinzas nestes tempos de inverno eclesial, mas na fidelidade ao evangelho da justiça, do amor e da paz.
Uma recepção criativa do Vaticano II
A força e a atualidade de Medellín estão em sua ousadia de fazer uma “recepção criativa” do Concílio Vaticano II, no contexto particular da Igreja na América Latina. Seu episcopado, é verdade, até então acostumado a uma postura mimética de decisões de além-mar, pouco havia contribuído com o evento. Entretanto, a participação ativa no mesmo, além de possibilitar uma maior integração entre seus membros, propiciou-lhe voltar para casa, imbuído de seu espírito. Tanto que os Bispos da América Latina foram os primeiros no mundo, a dar um rosto próprio a suas Igrejas Locais. Para eles, terminado o evento, não se tratava de simplesmente implementar o Concílio, mas de recebê-lo de forma contextualizada, buscando situar “A Igreja na atual transformação da América Latina à luz do Concílio”, conforme atesta o título do Documento de Medellín.
O início de uma tradição latino-americana
O tempo se encarregaria de mostrar de que se tratava de uma aventura permeada de riscos e conflitos, mas, sobretudo de resultados alvissareiros, tanto que suas intuições fundamentais foram resgatadas e re-impulsionadas por Aparecida. Em outras palavras, na fidelidade aos eixos fundamentais do Concílio, com Medellín houve “encarnação” e “desdobramentos”, diríamos hoje “inculturação”, fazendo do Vaticano II não só um ponto de chegada, mas especialmente um ponto de partida para uma evangelização contextualizada, na perspectiva dos pobres. Com Medellín, a Igreja na América Latina deixa de ser uma “Igreja reflexo”, para desencadear um processo de tecitura de um rosto e de uma palavra própria, que redundou na “tradição latino-americana”.
Liberdade para ousar
Diferente destes tempos de involução eclesial e de entrincheiramento identitário, o Papa João XXIII, desde o início de seu pontificado, insistia na necessidade de uma ação eclesial de conjunto na América Latina, que desembocasse num plano de ação. Entretanto, as disparidades entre os Bispos impediam sua concretização. Seria preciso esperar a maior integração do episcopado propiciada pela participação nos trabalhos do Concílio e, sobretudo, a sintonia com seu espírito, para que, ao final do mesmo, se expressasse ao Papa o desejo de convocação de uma Conferência para pôr em prática o
Vaticano II no Subcontinente.
Medellín, diferente das demais Conferências, teve um excelente processo de preparação, na perspectiva do Concílio, com diversos encontros promovidos pelos Departamentos do Celam: em 1966, em Baños (Equador), se refletiu sobre a pastoral de conjunto, educação, ação social e leigos; no mesmo ano, em Mar del Plata (Argentina), se estudou a aplicação da Populorum Progressio na América Latina e, em Lima, o importante tema da educação; em 1967, em Buga (Colombia) se abordou a questão da universidade católica e a pastoral universitária; em 1968, em Melgar (Colômbia), estudou-se os novos desafios em torno à missão ad gentes, concretamente em relação aos povos indígenas e afro-americanos.
Para a realização da Assembléia, como metodologia de trabalho, adotou-se o método ver-julgar-agir da Ação Católica, recentemente assumido pelo Concílio, mais concretamente na Gaudium et Spes. Como ótica de fundo, adota-se também a perspectiva libertadora, que rompe com a postura desenvolvimentista reinante, colocando-se as bases da futura teologia da libertação. Participaram da Assembléia de Medellín 249 pessoas: 145 bispos, 70 presbíteros, 10 religiosos, 19 leigos e 9 observadores. Diferente da Conferência do Rio de Janeiro (1955), houve participação de não-bispos e o Documento foi publicado imediatamente à Assembléia, sem passar por Roma. Eram outros tempos.
Desafios e respostas pastorais
Em Medellín, ecoou o grito do sofrimento dos pobres, que delatava o cinismo dos satisfeitos. Sob a ótica dos pobres, em Medellín, os Bispos se propõem a ajudar a responder a quatro desafios principais do Subcontinente: primeiro, a fé cristã confrontada com o grave fenômeno da pobreza, que ameaça a vida de grande parte da população; segundo, desenvolver uma ação evangelizadora que chegue aos setores populares e também às estruturas de poder; terceiro, promover uma libertação integral, que conjugue simultaneamente mudança pessoal e mudança das estruturas; e, quarto, promover um novo modelo de Igreja – autenticamente pobre, missionária e pascal, desligada de todo poder temporal.
Como respostas pastorais concretas a estes desafios, apoiado no Vaticano II, o Documento de Medellín, propõe, entre outros: a opção pelos pobres, contra a pobreza, como forma de testemunho do Evangelho de Jesus Cristo; a vivência da fé cristã em comunidades eclesiais de base, alicerçadas na leitura popular da Bíblia e inseridas no lugar social dos pobres; uma evangelização que promova a vida em todas as dimensões da pessoa; uma reflexão teológico-pastoral, ancorada nas práticas libertadoras; a presença profética no seio da sociedade, sem medo de ir até o fim, na defesa dos excluídos, etc.
Os pilares de uma tradição alicerçada no Vaticano II
Igreja Comunhão e CEBs. Superando o binômio clero-leigos, o Vaticano II concebeu a Igreja como a comunidade dos batizados, na comunhão da radical igualdade em dignidade de todos os ministérios. Tirando conseqüências desta nova postura, para Medellín, a comunhão eclesial, real e palpável, acontece nas comunidades eclesiais de base (Med 7,4) célula inicial da estruturação eclesial, foco de evangelização (Med 15,10).
Pastoral de conservação e evangelização. Para Medellín, com o Vaticano II, se a comunidade dos batizados, em todos os seus membros, é o sujeito eclesial, então, é também a comunidade, como um todo, o sujeito da ação evangelizadora (Med 6,13; 9,6). Por isso, é preciso passar de uma pastoral de conservação, alicerçada na sacramentalização, para uma ação com ênfase na evangelização (Med 6,1; 6,8). Passar da paróquia tradicional, uma estrutura centralizadora e clerical, a comunidades de serviço, no seio da sociedade, de forma propositiva e transformadora (Med 7,13).
Igreja dos pobres e Igreja pobre. O Vaticano II conclama sermos “uma Igreja dos pobres para ser a Igreja de todos”. Para Medellín, não basta uma Igreja dos pobres. A ação evangelizadora, enquanto testemunho de Jesus, “que sendo rico se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza”, passa pela visibilidade de uma Igreja pobre (Med 14,7).
Do pobre, objeto de caridade, a sujeito de sua libertação. O Vaticano II fala de Deus a partir do ser humano e busca servir a Deus, servindo o ser humano. Na ação evangelizadora, opta pelo ser humano. Para Medellín, dada nossa situação de exclusão tão escandalosa aos olhos da fé e a predileção de Deus pelos excluídos, é preciso optar pelos pobres (Med 14,9). Não fazendo deles um objeto de caridade, mas sujeito de sua própria libertação, ensinando-lhe a ajudar-se a si mesmo (Med 14,10).
Opção pelo sujeito social – o pobre – e pelo seu lugar social. O Vaticano II conclamou a Igreja inserir-se no mundo, dado que, embora não seja deste mundo, ela está no mundo e existe para o mundo. Medellín se perguntará: inserir-se dentro de que mundo? Do mundo da minoria dos incluídos ou da maioria dos excluídos? Em conseqüência, a opção pelo sujeito social – o pobre – implica igualmente a opção pelo seu lugar social. A evangelização, enquanto anúncio encarnado, precisa do suporte de uma Igreja sinal, compartilhando a vida dos pobres (Med 14,15) e sendo uma presença profética e transformadora (Med 7,13).
Evangelização, promoção humana e conversão das estruturas. O Vaticano II superou todo dualismo entre matéria-espírito, corpo-alma, sagrado-profano, história e meta-história. Em conseqüência, para Medellín, como não há duas histórias, mas uma única história de salvação que se dá na história profana, a obra da salvação é uma ação de libertação integral e de promoção humana (Med 2,14,a; 7,9; 7,13; 8,4; 8,6; 11,5). Toda libertação é já uma antecipação da plena redenção em Cristo (Med 4,9). A missão evangelizadora abarca também as estruturas: “não teremos Continente novo, sem novas e renovadas estruturas” (Med 1,3; 1,5).
Diakonía histórica, profetismo e martírio. Para o Vaticano II, a Igreja precisa exercer uma diakoníahistórica, ou seja, um serviço no mundo, que contribua com o progresso e o desenvolvimento humano e social. Medellín, em sua opção pelos pobres e seu lugar social, faz da diakonía um serviço profético. A missão evangelizadora se concretizará na denúncia da injustiça e da opressão, constituindo num sinal de contradição para os opressores. O serviço profético pode levar ao martírio, expressão da fidelidade à opção pelos pobres. (Med 14,10).
*Agenor Brighenti. Doutor em Ciências Teológicas e Religiosas pela Universidade de Louvain/Bélgica, professor de teologia na Pontifícia Universidade Católica de Curitiba, membro da Equipe de Reflexão Teológica do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM). Foi perito do CELAM na Conferência de Santo Domingo e, da Conferência dos Bispos do Brasil, em Aparecida.
Presidente da CNBB participa de celebração pelos 50 anos de Medellín
- Detalhes
O arcebispo de Brasília (DF) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Sergio da Rocha, está em Medellín (Colômbia), para participar da celebração do 50º aniversário da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, celebrado neste 24 agosto. O cinquentenário será celebrado até domingo (26).
“É muito importante valorizar a Conferência de Medellín. Como evangelizar acolhendo o Vaticano II? Isso trouxe muitos frutos para a Igreja. Medellín, naquele momento e ao longo dos anos, trouxe uma grande contribuição para evangelização na América Latina”, afirma o presidente da CNBB.
A Conferência Medellín colocou o tema da pobreza na teologia e na pastoral. “Chamou a atenção sobre a pobreza fruto da injustiça evidenciando-a como uma das situações mais explícitas da realidade latino-americana”, afirmou o arcebispo de Medellín, na Colômbia, dom Tobón Restrepo, em entrevista à agência italiana SIR.
A Conferência do Episcopado havia sido convocada pelo papa Paulo VI para aplicar os ensinamentos do Concílio Vaticano II às necessidades da Igreja presente na América Latina. Com o tema “A Igreja na presente transformação da América Latina à luz do Concílio Vaticano II”, o encontro foi realizado em Medellín de 26 de agosto a 6 de setembro de 1968.
Dom Restrepo ainda ressalta que Medellín é muito representativa no pontificado de Francisco, “principalmente, quando coloca os pobres no centro da Igreja, valoriza os movimentos sociais e pensa numa reforma da Igreja baseada na sinodalidade”.
O cardeal Sergio da Rocha ressalta que há vários métodos de Medellín que o papa Francisco testemunha de maneira exemplar em seu papado como a simplicidade da vida da Igreja.
“Há um dos documentos de Medellín que tem o tema da pobreza da Igreja. Este aspecto da simplicidade a ser cultivada por todos na Igreja, mas especificamente, pelo episcopado, pelo clero é algo que o próprio papa Francisco tem ressaltado frequentemente. De alguma maneira, aquilo que o papa propõe hoje já está presente lá em Medellin”.
Participaram da Conferência de Medellín 86 bispos, 45 arcebispos, 6 cardeais, 70 sacerdotes e religiosos, 6 religiosas, 19 leigos e 9 observadores não católicos, presididos por Antônio Cardeal Samoré, presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, e por dom Avelar Brandão Vilela, arcebispo de Teresina (PI) e presidente do Celam, naquela ocasião. No total, participaram 137 bispos com direito a voto e 112 delegados e observadores.
De acordo com o Celam, a Conferência ofereceu como fruto às Igrejas Particulares da América Latina 16 documentos, agrupados nos núcleos de promoção humana, evangelização e crescimento na fé e a Igreja visível e suas estruturas.
– Promoção Humana: a pessoa humana como centro, com abordagem de temas fundamentais para seu desenvolvimento como a Justiça, a Paz, a Família, a Educação e a Juventude.
– Evangelização e crescimento na fé: núcleo de natureza eclesiológica, destacou a imagem de uma Igreja evangelizadora que busca o amadurecimento na fé dos povos, sem descuidar de suas elites, através da catequese e da liturgia.
– A Igreja visível e suas estruturas: abordagem dos problemas relativos aos membros da Igreja, que exigem intensificar sua unidade e ação pastoral através de estruturas visíveis, também adaptadas às novas condições do continente. Em Medellín foram tratados os âmbitos: Movimentos de leigos, Sacerdotes, Religiosos, Formação do clero, Pobreza da Igreja, Pastoral de conjunto y Meios de comunicação social. Fonte: http://www.cnbb.org.br
SÃO BARTOLOMEU-O Santo do dia.
- Detalhes
Clericalismo: a cultura que permite o abuso e insiste em escondê-lo
- Detalhes
O Papa Francisco culpou o "clericalismo" da Igreja Católica por criar uma cultura em que o abuso criminoso foi difundido e foram feitos extraordinários esforços para ocular os crimes. A reportagem é de Cindy Wooden, publicada por America, 22-08-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Ao longo do pontificado, o Papa Francisco tem considerado o clericalismo uma doença na Igreja, que finge que "Igreja" significa "padres e bispos", ignora ou minimiza a graça divina e os talentos dos leigos e enfatiza a autoridade dos clérigos sobre sua obrigação de servir.
O clericalismo, disse, envolve a tentativa de "substituir, silenciar, ignorar ou reduzir o povo de Deus às pequenas elites", geralmente aos clérigos.
Kathleen Sprows Cummings, professora de história da Universidade de Notre Damee autora de um artigo de opinião sobre o escândalo de abusos publicado no dia 17 de agosto no New York Times, disse ao Catholic News Service que ficou "encantada" com o foco do Papa a respeito do fato de o clericalismo ser o problema, "porque é o que eu senti".
O que foi diferente com o relatório da Suprema Corte da Pensilvânia, ela disse, não foi apenas a dimensão esmagadora e a magnitude dos casos de abuso, "mas o fato de realmente ter acusado a cultura - do clericalismo - de ter permitido que este abuso continuasse e permitido que fosse encoberto".
"Dizer não ao abuso, é dizer um vigoroso não a qualquer forma de clericalismo”, declarou o Papa em uma carta a todos os católicos, divulgada no dia 20 de agosto. "Não são apenas 'algumas laranjas podres', como se diz, mas toda a cultura que possibilita isso", disse Cummings.
Natalia Imperatori-Lee, professora de teologia do Manhattan College, disse ao CNS: "Não há dúvidas de que o clericalismo está na raiz da crise de abuso. O clericalismo é isolacionista e insular - corta o 'ar' da solidariedade genuína e compartilhamento da vida com os leigos, criando uma classe separada, uma casta, dentro da Igreja".
Quando as pessoas criam "pequenas elites", como os chama o Papa Francisco, observou ela, "a tentação é de preservar 'a nós mesmos' e 'nossa visão/vida/privilégio' em detrimento da 'deles' - os leigos, 'os que não entendem', 'os que não estão sobrecarregados como nós'."
Por mais de duas décadas, o autor e escritor Russell Shaw tem alertado sobre o desastre que o clericalismo coloca para a Igreja. Seu livro, "To Hunt, To Shoot, To Entertain: Clericalism and the Catholic Laity", foi publicado em 1993.
"O clericalismo está ligado a um sentido de direito, superioridade, exclusão e abuso de poder" Tweet
Num artigo publicado no dia 6 de agosto no Angelus News, o sítio de notícias da arquidiocese de Los Angeles, Shaw analisou particularmente as acusações de abuso sexual e má conduta levantadas contra o atual arcebispo Theodore E. McCarrick.
"O clericalismo não é totalmente culpado pelo que aconteceu", escreveu. "Mas é parte importante da explicação. É essencial que nós entendamos como isso aconteceu", particularmente ao explicar como o arcebispo foi capaz de subir tanto na hierarquia da Igreja.
Conceder qualquer tipo de integridade a investigações do escândalo por parte da Igreja vai exigir a participação dos leigos, observou Shaw, porque "seria um erro grave investigar os danos causados pelo clericalismo usando o clericalismo".
A Comissão Real para Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantilemitiu um relatório em dezembro do ano passado, após cinco anos de investigações e audiências, e concluiu que o "clericalismo está no núcleo de um conjunto interconectado de fatores que contribuem" para o abuso dentro da Igreja Católica. "O clericalismo está ligado a um sentido de direito, superioridade, exclusão e abuso de poder", afirmou o relatório.
Além disso, "fez com que alguns bispos e superiores religiosos se identificassem com pessoas que cometeram abuso sexual, e não com vítimas e suas famílias".
Os bispos da Austrália planejam divulgar uma resposta formal ao relatório no final de agosto. Mas enquanto isso o arcebispo de Brisbane Mark Coleridge, que é presidente da conferência, disse ao CNS que, embora o relatório seja "essencialmente um olhar secular sobre a Igreja, (...) parece correto afirmar que 'o clericalismo está no núcleo de um conjunto interconectado de fatores que contribuem [para casos de abuso]'”.
"Para tentar combater o clericalismo", mencionou, "é preciso ter cuidado para não perder tudo porque uma coisa não serve. Claramente, é necessária uma revisão radical de como recrutar e preparar os candidatos à ordenação. Muita coisa mudou nos seminários, mas é preciso refletir se são o melhor lugar ou a melhor forma de treinar homens para o sacerdócio atualmente”.
"Também deve haver uma mudança na cultura associada com o sacerdócio católico, o que, é claro, é mais fácil falar do que fazer", acrescentou, respondendo a perguntas por e-mail. "Parte dessa mudança envolve supervisão profissional adequada em prol de uma maior responsabilidade, mas também uma maior partilha de responsabilidades com os leigos - o que, por sua vez, requer uma reconsideração das nossas estruturas de decisão."
"Isso também envolve uma reflexão séria e prática do diagnóstico de clericalismo dado pelo Papa Francisco durante seus anos de pontificado - um diagnóstico que é ao mesmo tempo perturbador e consolador, assim como o Espírito Santo", escreveu o arcebispo Coleridge. "Aceitar e agir de acordo com esse diagnóstico não vai diminuir o sacerdócio de forma alguma - como temem alguns -, mas vai mostrar que o sacerdócio pode estar em circunstâncias muito diferentes das que enfrentamos agora".
O relatório da Comissão Real também tentou abordar um pouco de teologia católica, alegando que, "a noção teológica de que o padre passa por uma 'mudança ontológica' na ordenação, para que seja diferente dos seres humanos comuns e seja padre de forma permanente, é um perigoso componente da cultura do clericalismo. A noção de que o padre é uma pessoa sagrada contribuiu aos níveis exagerados de confiança e poder não regulamentado que os que cometeram abuso sexual foram capazes de explorar".
O arcebispo de Coleridge disse que sua aceitação da ideia do clericalismo como um fator que contribui para a crise de abuso obviamente não significa que ele aceita o entendimento da Comissão Real sobre a teologia das ordens sagradas.
A expressão "mudança ontológica" é o que a Igreja usa para descrever o que acontece na ordenação, relatou, afirmando que "Deus faz alguma coisa na ordenação, algo que atinge as profundezas do ser" e que "depois de ordenado, as relações do homem com as outras pessoas e com Deus são radicalmente e permanentemente alteradas".
Portanto, ainda que o ensinamento de que a ordenação traz uma mudança permanente possa contribuir para o clericalismo, não tem necessariamente de contribuir, disse o arcebispo.
"Há certos modos em que o clericalismo machuca a todos. Os leigos são vitimados e infantilizados; o clero é isolado e deve ser sobre-humano" Tweet
"Imperatori-Lee também mencionou isso ao comentar com o CNS como clericalismo pode infectar os leigos, bem como sacerdotes e os bispos".
"Os leigos, que ouvem reiteradamente que o sacerdote é especial e exclusivamente santo - 'mudança ontológica', 'marca indelével' - não é levado a acreditar que o clero pode pecar", afirmou, "e depois quando surgem essas alegações e elas são corroboradas, a quebra de confiança é irreparável".
"Há certos modos em que o clericalismo machuca a todos”, disse. “Os leigos são vitimados e infantilizados; o clero é isolado e deve ser sobre-humano."
Marie Collins, vítima de abuso e ex-membro da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, também parabenizou o Papa por abordar o clericalismo.
No dia 20 de agosto, no Twitter, ela disse: "é bom ver a condenação ao clericalismo na carta, pois tem um papel importante ao ignorar as vítimas, os leigos e os especialistas. Dá origem à facilidade com que os líderes da Igreja ficam confortáveis ao proteger outros clérigos apesar dos crimes cometidos contra crianças." Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
OLHAR CARMELITANO: A FORMAÇÃO CARMELITANA
- Detalhes
Frei Joseph Chalmers, O.Carm.
Ex- Prior Geral
O ano do Jubileu está sendo apresentado como uma oportunidade para a renovação da Igreja inteira. Consequentemente pode ser também uma oportunidade de renovação para nossa Ordem. Nós só poderemos esperar uma renovação da Igreja, da Ordem, da nossa Província e da nossa comunidade se estivermos dispostos a nos renovar também. Esta renovação em si mesma é uma parte importante do trabalho de formação, que é essencial para a vitalidade e a missão da Ordem. Está claro que o processo de formação dura toda a vida. Assim formação não deve ser apenas um assunto para as Províncias que têm uma abundância de estudantes no momento. Mas cabe a cada um de nós porque é o processo no qual cada um está envolvido. Se isto não estiver claro na mente de cada confrade, está claríssimo em nossas Constituições e na Ratio.
"A formação carmelita é um processo específico, através do qual a pessoa se indentifica com o projeto de vida carmelitana, que consiste em ser uma fraternidade contemplativa no meio do povo.
Assim, o Carmelita torna-se cada vez mais um discípulo autêntico de Jesus Cristo, participa da oferta que Ele fez de si mesmo ao Pai e partilha plenamente a Sua missão para o bem da humanidade, segundo o carisma específico do Carmelo." ( Const. 117).
Por isso pelo processo de formação, nós aprendemos a nos identificar completamente com o ideal Carmelita. Isto absolutamente não significa saber algumas orações de Nossa Senhora ou até mesmo poder recitar partes da Regra em latim. Identificar-se complemente com o ideal Carmelita significa fazer com que os valores fundamentais carmelitas se tornem os nossos valores. Acredito piamente que a vocação não é algo imposto de fora em nós, mas é um chamado de Deus para crescermos e para nos tornar o que Deus sabe que nós podemos ser. Se nossa vocação como carmelitas é autêntica, isto significa que nosso caminho para a maturidade humana e cristã é o caminho carmelita. Seremos então fiéis a Jesus Cristo e ao Evangelho quando o formos ao chamado que ele nos fez.
As nossas Constituições dizem que os Carmelitas são chamados à maturidade em Jesus Cristo e que por isso devem empenhar-se num processo ininterrupto de conversão do coração e de transformação espiritual (Const. 118). É muito difícil, se não impossível, definir o que seja a maturidade humana e espiritual. Mas acredito que tem algo a ver com o processo por meio do qual os valores exteriores são interiorizados e passam a fazer parte de nós. Por isso gostaria de questionar: os valores carmelitas fazem parte da nossa vida? Temos interiorizado estes valores? Eles realmente são os nossos valores?
É evidente que se não estiver claro para nós quais são os valores carmelitas fundamentais, que unem homens e mulheres em muitos países e culturas diferentes na chamada Família Carmelita, será muito difícil vivê-los verdadeiramente. Em primeiro lugar, respondendo ao chamado divino, devemos nos empenhar em viver submissos a Jesus Cristo e abraçar o Evangelho como a norma suprema de nossas vidas. Isto significa que Jesus Cristo deve ser a pessoa mais importante em nossas vidas e que busquemos cada dia conhecê-lo melhor para podermos viver a sua mensagem de uma maneira mais profunda. Não é suficiente só conhecer algumas coisas de Jesus Cristo, é necessário também deixar um espaço para ele em nossas vidas e nos "vestir com a mente de Cristo". Deixar espaço para uma outra pessoa em nossa vida significa abrir possibilidade de mudança, porque damos um certo poder para ela. Mas é freqüente pessoas optarem por permanecerem em relações muito superficiais, de forma que a mudança não acontece. Isto também é possível na relação com Cristo. Nossa relação com Jesus Cristo é superficial ou profunda?
O seguimento a Cristo como religiosos envolve "a plena aceitação das condições que Cristo pede àqueles que querem segui-Lo neste gênero de vida", ou seja, a obediência, a pobreza e a castidade (Const. 4). Tentamos conformar nossas vidas à sua e é bom sempre recordar que ele veio para servir e não ser servido. Buscamos servir aos outros de acordo com a vontade de Deus ou fazemos aquilo que gostamos?
De acordo com a Regra que professamos, devemos ser homens da Palavra e dia e noite meditar na lei do Senhor. A nossa tradição nos apresenta dois grandes modelos de inspiração: Nossa Senhora e o Profeta Elias, que deram as boas-vindas à Palavra de Deus nas suas vidas e por quem Deus operou maravilhas. Os Carmelitas são conhecidos por sua devoção mariana. Expressões desta devoção são os hinos e as orações a Nossa Senhora, novenas, estátuas bonitas e quadros. Estas expressões variam de acordo com a cultura, mas nada disto é a própria devoção. São sinais externos de uma devoção profunda, mas podem até mesmo não ter qualquer significado, se não representam o que está acontecendo de fato nas vidas das pessoas. Uma verdadeira devoção a Nossa Senhora pelo menos deve incluir a tentativa de imitar as suas virtudes. Isto está claro na Oração depois da Comunhão do dia 16 de julho, Solenidade de Nossa Senhora do Carmo, que diz: "Deus nosso Pai, a comunhão do precioso Corpo e Sangue do vosso Filho, dom do vosso amor, nos fortifique e nos torne imitadores da Bem-aventurada Virgem Maria, a nós que somos consagrados ao seu serviço”. Orgulhosamente usamos o escapulário que é um símbolo de nosso compromisso de estar a seu serviço e sob sua proteção materna. Quem se veste com o escapulário, deve também se revestir com as virtudes de Maria. As expressões externas de nossa devoção mariana são importantes, mas muito mais importante é o coração da própria devoção. Como é a nossa devoção a Nossa Senhora?
E nossa relação com o Profeta Elias? Temos orgulho de nossa herança espiritual, mas o que quer dizer na verdade o Profeta Elias para nós hoje? Ele é inspiração para nós também no episódio da caminhada até Monte Horeb, quando debaixo do junípero não tinha vontade de continuar, mas não obstante continuou até a montanha santa onde ele se encontrou com Deus no murmúrio da brisa leve? A sua atividade profética continua nos inspirando hoje? Ele condenou o Rei Acab por causa da sua violenta injustiça contra Nabot. Qual é a nossa reação diante das injustiças que estão presentes em todos os países e culturas? Elias é uma figura histórica interessante e cativante. Mas pergunto: ele é somente alguém que preenche a lacuna da falta de um fundador ou é realmente uma inspiração viva para nós hoje?
Inspirados por Nossa Senhora, nossa Patrona, nossa Mãe e nossa Irmã, e pelo Profeta Elias, vivemos nossa vida “de obséquio a Cristo, empenhando-nos na busca do rosto do Deus vivo (dimensão contemplativa da vida), na fraternidade e no serviço (diakonia) no meio do povo” (Const. 14). A dinâmica do deserto é um elemento vital em nossa espiritualidade e isto envolve um abertura total para Deus e um esvaziamento progressivo de si mesmo (Cf. Const. 15). Qualquer tentativa séria para viver a vida Cristã ou viver estes valores Carmelitas nos conduzirá ao deserto. É verdade que é um lugar muito incômodo, mas também é o lugar propício para nossa salvação, porque é ali que somos libertados de tudo aquilo que não é Deus e onde Deus fala aos nossos corações.
A caminhada no e pelo deserto é contemplação. É comum ver que se aceita o ideal Carmelita de contemplação somente na teoria, mas não de fato na vida e no coração, porque não se pensa que realmente tenha qualquer coisa a ver com a vida, uma vez que se associa à contemplação idéias enganosas. Ninguém quer ser mergulhado na noite escura de São João da Cruz ou sofrer como Santa Teresinha, mesmo que admire estes dois santos. Assim nós deixamos a contemplação para as monjas enquanto nos dedicamos ao serviço do Povo de Deus em nossas paróquias, escolas, movimentos, obras sociais, etc. A contemplação não é uma recompensa por se passar longas horas em oração; é o caminho do egoísmo ao puro amor, de uma superficial para uma íntima relação com Deus. A contemplação não é para uma elite mas para todos nós. Para algumas pessoas o caminho da contemplação é dramático, no entanto para a maioria de nós, acontece nos eventos normais da vida diária. Não podemos evitar todo sofrimento nesta caminhada, porque a casca dura do nosso egoísmo deve ser demolida de forma que nós possamos ser libertados para amar como Deus nos amou. A cruz particular que nós precisamos levar é justamente a adaptada para os nossos ombros. A noite escura pela qual nós temos que passar é a adequada exatamente para nós.
Deus usa todos os elementos de nossa vida para realizar o seu plano em nós. Fomos criados para uma vida de intimidade com Deus; antes de alcançar este ponto, devemos ser purificados de tudo aquilo que não é Deus; nosso egoísmo natural deve ser transformado em puro amor. Ser Carmelita é para nós a forma para viver fielmente os valores de nossa vocação, assim nos tornamos o que Deus quer que nós sejamos. Então a tentativa séria de viver a fraternidade e o serviço no meio do povo é no modo pelo qual Deus desafia as nossas tendências egoísticas. É uma tentação constante evitar estes desafios. Camuflamos o desafio de um encontro com o Deus Vivo, quando transformamos a oração num evento ocasional, no qual fixamos o programa e falamos o tempo todo. Assim não temos que ouvir o que Deus quer nos dizer. A vida humana está direcionada para o encontro final com o Deus da Vida. Não temos como evitar este encontro.
Assim o principal trabalho de formação em nossas vidas é consentir-nos estar na presença amorosa de Deus e deixar-nos conduzir pela ação divina. É através destes valores Carmelitas que Deus nos transformará. Este é o maior serviço que nós podemos oferecer para a Igreja. Um coração humano que aprendeu como amar verdadeiramente pode anular o ódio de milhões. Santa Teresa de Ávila nos conta que as moradas do conhecimento de si são as primeiras que se atravessa quando a pessoa entra no Castelo Interior e o conhecimento de si é um companheiro essencial para todo de nossa caminhada. (Castelo Interior 1,2,9). Mas o conhecimento de si é muito difícil porque somos tão sutis; podemos nos enganar e racionalizar nossas ações para justificar o que queremos fazer, em lugar de tentar fazer o que Deus quer que nós façamos.
Viver o valor da fraternidade não é nada fácil, porque as outras pessoas desafiarão nossas idéias e nos pedirão virtudes que não possuímos em abundância. Viver com os outros é muito formativo. Alguém certa vez disse: "eu amo todo o mundo; mas não gosto das pessoas concretas!" Assim podemos recusar viver o valor da fraternidade pelas mais variadas razões, que podem parecer ser perfeitamente boas para nós. "Não se pode viver com o Frei X "; "o povo daquela paróquia não está com nada, por isso ... "; "a Província não se preocupa comigo, assim eu não tenho nada que ver com ela", etc. Sejamos honestos! Muitas coisas que fazemos, nós fazemos porque queremos. Claro que é possível que o que queremos fazer possa ser de fato o que Deus quer que nós façamos, mas o oposto também é possível.
Somos chamados a servir. Servir envolve um trabalho, mas nem sempre podemos equiparar nosso trabalho com o serviço que Deus quer de nós. Antes do começo do seu ministério público, Jesus enfrentou uma série de tentações. Ele foi tentado a não enfrentar o desafio da própria vocação e a reivindicar para si privilégios especiais. Ele foi tentado a se vender aos poderes deste mundo e a aceitar aclamação ganhada facilmente. Ele foi tentado para evitar a cruz. No meio destas tentações, Jesus fez as escolhas fundamentais que moldaram a sua vida inteira. A estas opções ele permaneceu fiel até a morte. Quais são as nossas opções fundamentais? Elas estão em sintonia com os valores Carmelitas fundamentais aos quais nos comprometemos viver pela nossa profissão religiosa? Nós estamos tentando ser fiéis a eles?
Há certas coisas que estão disponíveis e nos ajudam a continuar fiéis ao que prometemos. Uma delas é o encontro diário com Deus no horário dedicado à oração pessoal. Em geral não temos mais as estruturas do passado que nos ajudavam diariamente fazer a meditação em comum. Como homens maduros não precisamos destas estruturas, mas precisamos dedicar um tempo adequado cada dia para falar com Deus e escutá-lo. Isto é fundamental para qualquer vida espiritual. Santa Teresa de Ávila disse que oração não é nada mais do que um compartilhar íntimo entre amigos; significa dar tempo para estar a sós com Ele, que nós sabemos que nos ama (Vida 8,5). Se não dedicamos tempo para estar com nossos amigos, a relação permanece muito superficial. Talvez perdemos o hábito de simplesmente passar tempo a sós com Deus. Eu encorajo a todos insistentemente para que retomem este hábito, se o abandonaram. No tempo de noviciado e de formação normalmente se dedica mais tempo para a meditação e oração pessoal. Isto não é só para ser praticado durante este período, mas durante a vida toda. Talvez vocês esqueceram o que fazer. Há muitos livros que podem nos ajudar a rezar, mas o melhor de todos é o livro dos Evangelhos. Talvez vocês não são muito atraídos a oração pessoal porque é muito enfadonha. "Muitas vezes, alguns anos, eu me entretinha mais em desejar que acabasse logo a hora que eu tinha determinado para estar em oração e mais ansiosa ainda por escutar o toque do relógio…" (Vida 8,7). Estas são as palavras de Santa Teresa, assim nós estamos em boa companhia em nossas dificuldades!
Outra coisa muito boa e útil para a caminhada espiritual é o retiro anual. Há Províncias que já não organizam mais estes encontros. Dão a desculpa de que cada um individualmente pode escolher o tempo e o lugar onde queira fazer seu retiro anual. Devo dizer com certa tristeza que muitos parecem ter perdido este hábito ou não dão qualquer valor para este tipo de exercício espiritual. Novamente eu encorajo insistentemente a todos para utilizar este meio eficaz e eficiente de formação permanente. É uma oportunidade para se renovar e para estar a sós com Deus. A finalidade de nossas vidas é conhecer, amar e servir a Deus. Não estamos esquecendo algo essencial se nunca passamos algum tempo a sós com Deus? Se estamos muito ocupados no serviço de Deus, mas não dedicamos nenhum tempo para a oração pessoal e um retiro anual, então nós estamos ocupados com muitas coisas, porém não com o essencial.
Outra parte importante de nossa formação permanente é rezar comunitariamente e tentar fazer com que isto seja um momento significativo do dia. Rezar com os outros será um apoio para nós e de outro lado os outros se sentirão apoiados por nós. Há muitos modos para rezar em comunidade. A Igreja propõe, e nossa Regra enfatiza, a celebração diária da Eucaristia e da Liturgia das Horas. A Igreja, ao nos propor isto, está utilizando sua grande experiência e sabedoria.
O processo de formação dura a vida toda. Todos estamos a caminho; nenhum de nós ainda chegou lá. Nenhum de nós é perfeito. Todos nós falhamos, pelo menos de vez em quando. Eu não penso que o fracasso seja tão importante. Nosso Deus eleva o humilde. O importante é estar a caminho, é estar tentando viver nossa vocação e permitindo que os valores, que nós aceitamos como fundamentos de nossas vidas, nos modelem continuamente. Estes valores devem desafiar nosso modo de viver, o que fazemos e como reagimos às situações que a vida nos apresenta. Estes elementos mencionados podem nos ajudar muito em nossa caminhada.
Há um momento em toda vida quando nós nos sentimos como o Profeta Elias, quando se sentou debaixo de um arbusto e não quis continuar a caminhada. Por que deveríamos continuar? Eu estou cansado! No momento de crise temos muitas possibilidades de como enfrentá-la. Podemos nos recusar a nos movermos e ficar exatamente onde estamos, aceitando a mediocridade. Podemos abrir nossos olhos e ver o mensageiro de Deus que se aproxima sob muitos e diferentes disfarces. Podemos aceitar o alimento que ele ou ela nos oferece e continuar nosso caminho para a montanha de Deus.
Todos nós estamos em formação. Alguns têm a tarefa sagrada de trabalhar na área da formação inicial. Não devemos deixá-los sozinhos neste trabalho. Todos nós devemos ajudá-los oferecendo nosso apoio, porém acima de tudo devemos tentar ser fiéis à nossa vocação Carmelita e "personificar o que a Ordem exige e o carisma vivente de nossa tradição…" (Const. 120). Os formandos precisam ver verdadeiramente exemplos de vida carmelitana. Eles podem aprender algo nos livros. Contudo somos nós, que temos votos solenes, que devemos ser exemplos do que significa a vida carmelitana. Nós somos?
OLHAR CARMELITANO: UMA COMUNIDADE CONTEMPLATIVA NO MEIO DO POVO
- Detalhes
Frei Joseph Chalmers, O. Carm.
Ex-Prior Geral
Somos os irmãos da Virgem Maria do Monte Carmelo. Nossa Ordem começou porque os eremitas latinos no Monte Carmelo quiseram reunir-se como uma comunidade de irmãos. Estes viveram e experimentaram por algum tempo um novo estilo de vida. Depois o apresentaram a Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém, para que ele pudesse dar-lhes a aprovação eclesiástica. Quando a “formula vitae” de Alberto foi formalmente aceita e aprovada como uma Regra pelo Papa Inocêncio IV em 1247, os eremitas foram inseridos no novo movimento dos mendicantes, muito forte na Europa daquele tempo. Os eremitas carmelitas se tornaram frades, chamados ao serviço do povo. Uma das características dos mendicantes era que eles viviam no meio do povo e não em grandes mosteiros como os monges.
Apesar de que a Ordem é claramente chamada ao apostolado ativo, a contemplação continua sendo um elemento fundamental de nossa vocação. Nós nos entendemos como comunidades contemplativas a serviço do povo de Deus no meio do qual vivemos. Graças a Deus já passamos o tempo em que buscávamos nossa identidade. Podemos dizer que a nossa identidade está clara e definida nas Constituições! Agora é só viver coerentemente o nosso carisma no dia-a-dia.
Como carmelitas devemos viver em obediência a Jesus Cristo e servir-lhe fielmente com um coração puro e reta consciência. Isto deve ser feito através do compromisso de buscar o rosto do Deus vivo (a dimensão contemplativa da vida), em fraternidade e no serviço (diakonia) no meio do povo (Const, 14). Estes três elementos estão estreitamente ligados entre si pela experiência do deserto, que é a experiência da ação purificadora de Deus em nossas vidas. A contemplação determina a qualidade da nossa vida fraterna e do nosso serviço no meio do povo de Deus (Const, 18). A meta da contemplação é a de sermos transformados em Deus, ou seja passar a ver a realidade com os olhos de Deus e amar com o seu coração (Cf. Const, 15).
Uma atitude contemplativa nos permite descobrir a presença de Deus nos outros e apreciar o mistério daqueles com quem partilhamos nossas vidas (Const, 19). Somos chamados a viver em comunidade, para partilhar nossas vidas com os outros, mas sobretudo com nossos irmãos e é isto em si mesmo um testemunho para outros, que Deus está presente em nosso meio e através deste testemunho Deus tocará os corações de muitas pessoas.
Pode-se discorrer de uma maneira muito bela e romântica sobre a comunidade e sobre o seu significado teológico, mas todos sabemos que a realidade de uma comunidade religiosa é algo muito diferente. Nossas comunidades refletem a realidade da Igreja e do mundo em que vivemos. Somos pecadores redimidos e tentamos fazer a vontade de Deus. Não somos perfeitos como indivíduos e por conseguinte ainda não podemos ter comunidades perfeitas.
No mundo de hoje há uma sede de se viver em comunidade, porém contraditoriamente o individualismo está crescendo. Esta contradição está presente em nossas próprias vidas, porque somos diretamente afetados pelo mundo em que vivemos. Somos atraídos pela comunidade, mas ao mesmo tempo somos tentados a colocar nossas próprias necessidades e desejos sobre todas as coisas, a julgar tudo pelo modo como somos afetados. Viver em comunidade não é fácil e ainda que estejamos comprometidos a viver em comunidade, é crucial reconhecer a tendência que existe em todos nós de iludir suas demandas e encerrar-nos em nossos próprios egoísmos. Esta é a realidade de pecado em nossas vidas, mas somos redimidos. Claramente a redenção alcançada por Cristo para nós não nos fez santos ainda; estamos a caminho. Cristo nos oferece uma maneira de crescer além de nossas limitações, devemos, porém, aceitar a salvação que ele oferece. A primeira fase é reconhecer que nem tudo está bem.
Como está a experiência de vida em nossas comunidades carmelitas? “A multidão dos que creram tinha um só coração e um só alma e nenhum tinha por própria coisa alguma, mas tinham tudo em comum.” (Atos 4,32). Se esta é experiência de vida na comunidade de vocês, vocês são verdadeiramente felizes, mas suponho que esta não seja experiência real aqui e em qualquer outra comunidade da Ordem. Eu diria que o melhor que se pode dizer é que a comunidade é bastante agradável e que vocês chegaram entre si a uma aceitação mútua de uns aos outros. Na pior das hipóteses... pode ser muito difícil e uma realidade muito diferente da que buscamos e que escapa em cada oportunidade. Por que nossa comunidade não é perfeita? Podemos jogar a culpa no Provincial e seu Conselho ou culpar ao irmão X de nossa comunidade. Podemos culpar os nossos irmãos com quem é impossível formar uma verdadeira comunidade apesar de nosso desejo. Poderíamos também tentar culpar até mesmo a Deus, mas se só culpamos aos outros e nos excluímos de qualquer culpa, devemos começar a pensar sobre a possibilidade de que, pelo menos em parte, talvez os causadores de problemas sejamos nós mesmos. É possível também que os outros nos achem pessoas difíceis de convivência e que em seus corações nos culpem pela falta de comunidade real.
Nós vivemos juntos, mas temos experiências muito diferentes. Entramos na comunidade com nossa própria e particular experiência de vida que nos marcou para bem ou para mal. Chegamos na comunidade com nossa própria carga e comumente com expectativas muito diferentes. Podemos usar a mesma palavra “comunidade”, mas podemos querer dizer coisas muito diferentes. Eu creio que o primeiro passo para melhorar nossa vida de comunidade é aceitar que nós somos diferentes e que buscamos coisas diferentes. Necessitamos aceitar-nos em toda nossa diversidade e tentar ver nesta realidade humana algo da riqueza de Deus. Cada indivíduo é na verdade um mistério. Precisamos aceitar o fato de que alguns indivíduos estão tão profundamente marcados pelo vaivém da vida que não podem viver uma vida normal. Quando sua conduta causa danos à vida da comunidade, alguém deve falar-lhe honesta e diretamente sobre sua conduta. Os responsáveis devem oferecer a estes indivíduos a possibilidade de encontrar uma ajuda para viver uma vida mais equilibrada. Sei que isto não é fácil, mas o resultado de não desafiar o indivíduo “difícil” sobre sua conduta imprópria será que ele continuará a infernizar a vida comunitária. Pessoas como estas são uma minoria, mas todos nós precisamos, de vez em quando ser desafiados para permanecermos fiéis à vocação a que fomos chamados. Este desafio pode vir constantemente a nós através da vida diária com os outros. Pregamos o Evangelho, mas a comprovação de nossas palavras estão em nossos atos. É muito fácil amar a um vizinho, se não temos vizinhos. A forma como realmente vivemos em comunidade, nos dirá se realmente somos homens de oração e manifestará a verdade aos demais. A autenticidade de nossa oração será óbvia através de nosso contato diário com nossos irmãos.
Ainda que viver a realidade da comunidade não é tarefa fácil, é a maneira que Deus escolheu para nós. Se a vocação não é algo imposto em nós desde o exterior e sim parte de nossa realidade interior, que descobrimos pouco a pouco, então o desejo ardente da comunidade e a habilidade de vivê-lo está escrito no profundo de nosso ser. Por causa da nossa natureza decaída, temos coisas fora de equilíbrio mas os elementos da vida de comunidade podem ajudar-nos a crescer, se desejamos seguir a Cristo no deserto.
Não há ganho sem dor. Crescer é doloroso, mas a dor nos torna homens maduros. Há um sério perigo na vida religiosa de se permanecer imaturo por toda a vida. Recebemos o que necessitamos da comunidade e tanto faz se trabalhamos ou não. Se somos pessoas difíceis, os outros nos darão tudo o que for possível para nos acalmar e para que possam ter alguma paz. Então seremos como crianças mimadas, mas não carmelitas. Seguir Cristo leva inevitavelmente à cruz de uma forma ou de outra. Isto não é um castigo, mas é a maneira pela qual Deus nos ajuda a tornar-nos o que Ele sabe que podemos ser. Através de nossa experiência de vida, Deus nos purificará e aparará nossas arestas. Não vamos gostar no momento, mas o resultado final vale a pena. Uma parte desta purificação acontecerá na nossa vida em comunidade. Queremos permitir a ação de Deus em nossas vidas ou queremos rechaçá-la e seguir a nossa vontade? Esta é a diferença entre trabalhar para Deus e fazer o trabalho de Deus. Trabalhar por Deus significa fazer o que queremos e assumir que isto é o que Deus quer. Fazer o trabalho de Deus pode ser muito diferente - fazer o que Deus realmente está buscando de nós, requer um discernimento cuidadoso e um escutar silencioso da voz sutil e doce de Deus que nos fala através das pessoas mais inesperadas.
As Constituições assinalam os principais elementos de nossa vida que podem ajudar-nos a crescer como indivíduos e como irmãos (31). O primeiro está “na participação comum na Eucaristia, através da qual nos tornamos um só corpo, e que é fonte e cume da nossa vida e, dessa forma, sacramento da fraternidade.” Celebramos a Eucaristia em comum em nossas comunidades? Isto está prescrito em nossa Regra e era um exigência muito rara para os eremitas. Estou propondo uma Eucaristia comum não porque é parte de nossa Regra e sim porque é a maior ajuda que nós temos para construir nossas comunidades. Eu estou bem consciente de que se pode alegar todos os tipos de razões pelas quais a Eucaristia comum não é conveniente, mas onde há a vontade, encontra-se uma forma. Às vezes pode-se usar as necessidades do apostolado como uma desculpa para não se participar de atividades comunitárias. Neste caso necessitamos olhar nossas vidas com grande honestidade e perguntar-se: Que estou buscando? Que quero fazer com minha vida e que Deus quer de mim? Como se adapta meu estilo de vida com minha vocação Carmelita?
O segundo elemento mencionado nas Constituições é similar ao primeiro, é a celebração comum da Liturgia das Horas. Pode ser que alguns de nós todavia estamos padecendo da experiência do passado onde em alguns casos, a comunidade reunida dizia muitas orações mas os membros individuais não se entendiam uns com os outros. Podemos utilizar a oração para “massagear” nosso próprio ego em lugar de ser uma abertura para a purificação e para a ação curativa de Deus, mas esse perigo não é uma razão para deixar a oração como indivíduos ou como comunidades. Santa Teresa de Ávila disse que com respeito à oração necessitamos ter uma determinação muito grande para seguir fazendo-a e nunca render-se. Se queremos louvar a Deus juntos como irmãos, a Igreja nos tem dado uma oportunidade preciosa por meio da Liturgia das Horas com a qual nos unimos com a Igreja inteira para oferecer a Deus o sacrifício de louvor. É por conseguinte possível reavivar nossas celebrações litúrgicas para que não se tornem rotineiras.
O terceiro elemento mencionado nas Constituições para a edificação da comunidade é a escuta orante da Palavra. Esta é portanto parte da celebração da Eucaristia e da Liturgia das Horas, mas também se recomenda por meio da Lectio Divina, onde juntos lemos e refletimos a Palavra de Deus, damos nossa resposta a esta Palavra em nossas próprias palavras e em silêncio, onde permitimos à Palavra formar nossos corações e unificar-nos. Não podemos ter comunidades orantes se nós não somos indivíduos orantes. Cada um de nós é responsável pela saúde da comunidade. Ser piedoso não significa necessariamente dizer muitas orações, mas permitir que nossa oração transforme a nós e o modo como nós nos relacionamos com os outros.
As Constituições reconhecem que necessitamos discutir preocupações comuns e por isto a reunião comunitária é um elemento importante na vida da comunidade. Se não discutimos as dificuldades que nos envolvem, elas se tornarão problemas que podem destruir a harmonia de qualquer comunidade. Na reunião comunitária tem que se tratar das coisas de cada dia, mas também os aspectos espirituais da vida da comunidade. Certas habilidades básicas são importantes para uma reunião da comunidade. Se vocês sabem que não as têm, ou desconfiam disto, por que um dos outros irmãos não pode organizar a reunião?
Também as Constituições nos animam a partilhar a mesa e recreação em comum. Se nunca estamos juntos, nunca cresceremos em unidade. Se estamos juntos, por certo há um risco de conflito, mas se existe boa vontade para dialogar, estes problemas podem ser superados e podem ser de fato um elo de unidade entre nós. Cada um de nós deve examinar a própria consciência. Eu estou pronto a dialogar de verdade com meus irmãos? Tenho sempre razão e os outros nunca? É possível que algumas de suas críticas tenham algo de verdade? Neste caso que faço?
Finalmente as Constituições nos animam a trabalhar juntos e partilhar nossas alegrias, nossas ansiedades e amizades. É importante celebrar as datas ordinárias juntos, como por exemplo: aniversários de nascimento, votos, ordenação, etc. Também é importante estar ali quando temos problemas. Sempre salvaguardando o direito da comunidade a ter sua vida privada, é muito bom partilhar os nossos próprios amigos pessoais com a comunidade.
A comunidade religiosa é uma realidade humana e por conseguinte não é perfeita, mas é o ambiente em que somos chamados para responder ao amor gratuito de Deus para conosco. É o lugar privilegiado onde podemos crescer como seres humanos, como cristãos e como religiosos. Aceitemo-nos com todas nossas faltas, esforcemo-nos para amar-nos como Cristo nos amou e a valorizar os demais como irmãos e co-herdeiros do Reino de Deus. De vez em quando, por certo, não manteremos nossos ideais altos, mas essa não é uma razão para deixar estes ideais e conformar-nos com a mediocridade. Cristo prometeu estar conosco e podemos confiar nessa promessa. Se o permitimos, ele amará a nossos irmãos através de nós. Se nossa experiência de comunidade não tem sido boa, por que não tentamos seguir o princípio de nosso irmão, São João da Cruz que disse, “Onde não há amor, coloque amor e encontrará amor?” Se há amor dentro de uma comunidade, todos os obstáculos podem ser superados. A vida comunitária não será perfeita, mas saberemos que somos aceitos pelo que somos, o qual nos dará a confiança para ir ao encontro dos outros e partilhar esse amor com eles. Nossa vida comunitária levará o testemunho da verdade do Evangelho que Cristo rompeu as barreiras que separavam as pessoas entre si e que seu amor pode curar.
Se desejamos correr o risco de amar a nossos irmãos, cumprimos o artigo de nossas Constituições que diz “A fraternidade, segundo o exemplo da comunidade de Jerusalém, é uma encarnação do amor gratuito de Deus e interiorizado através de um processo permanente de esvaziamento do ego centrismo – também possível em comum – para uma centralização autêntica em Deus. Assim, podemos manifestar a natureza carismática e profética da vida consagrada do Carmelo e podemos inserir harmonicamente nela o uso dos carismas pessoais de cada um a serviço da Igreja e do mundo.” (30).
UM OLHAR PARA A IGREJA: Angelo Scola: "Isolado após o Conclave. Eu não desisti do meu estilo"
- Detalhes
É redutivo começar a ler a autobiografia de um dos homens europeus mais importantes da Igreja pela pergunta sobre o Conclave. Mas é inevitável. "Ao contrário de 2005, onde rapidamente emergiu um nome, precisamente aquele de Ratzinger, que depois seria eleito, o conclave de 2013 começou sem um candidato", diz Scola. Que, antes de deixar Milão, havia falado aos seus colaboradores: "A renúncia de Bento XVI é um fato sem precedentes na história da Igreja nos últimos séculos e preanuncia um novo Papa igualmente sem precedentes. Tenham certeza de que não serei eu”. E agora acrescenta: "Nunca acreditei na possibilidade de me tornar Papa. E assim não sofri por esse motivo. Devo admitir, no entanto, que, com base no que os jornais escreveram, sofri certa marginalização. Depois do conclave fui considerado o adversário que perdeu o desafio contra Bergoglio, o cardeal nostálgico dos Papas anteriores, o homem do passado. E isso, obviamente, não me agradou". A reportagem é de Aldo Cazzullo, publicada por Corriere della Sera, 19-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
É um livro muito rico, essa longa entrevista com Scola ao enviado de 'Avvenire' Luigi Geninazzi, Ho scommesso sulla libertà, publicado pela editora Solferino. A começar pelos retratos dos três Papas que o ex-patriarca de Veneza e ex-arcebispo de Milão conheceu de perto.
Bergoglio já o conhecia. Ele o havia encontrado na Argentina e depois no Sínodo dos Bispos: "Lembro-me da delicadeza de suas intervenções e da seriedade de sua atitude. Durante os intervalos das reuniões quase sempre permanecia sentado em seu lugar, silencioso e curvado sobre suas anotações, sinal de uma personalidade muito reservada. Inclusive por isso fiquei muito impressionado pelo caráter aberto, jovial e irônico que manifestou quando se tornou Papa. Vejo nisso a confirmação da especial ‘graça de estado’ que investe o eleito para o trono de Pedro".
Scola afirma que "o aparecimento de um Papa como Francisco foi um golpe salutar no estômago que o Espírito Santo aplicou para nos acordar." Mas identifica "uma coisa que une muitos críticos e até mesmo muitos admiradores do Papa Francisco: o desequilíbrio do juízo. Os primeiros ficam com raiva porque Francisco não diz o que eles pensam. Os segundos se consideram satisfeitos porque Francisco diria o que eles sempre têm dito e pensado nos últimos cinquenta anos, que teriam visto a traição do Concílio Vaticano II, somente agora, finalmente e plenamente aplicado. As coisas não são assim". Os falsos amigos de Francisco veem na sua pregação um retorno ao puro Evangelho; como se ocupar-se dos novos direitos, das neurociências, da inteligência artificial e do aborto significasse se distrair "da autêntica mensagem de misericórdia de Cristo". Scola, ao contrário, está convencido que a Igreja deva trazer a sua proposta de boa vida no debate público, e até mesmo nos lugares onde as decisões são tomadas, da Rede ao Parlamento. Quanto ao estilo, "eu não estou entre aqueles que mudaram a cruz peitoral substituindo-a com uma lata para imitar o Papa. Eu mantive a que eu tinha. E continuei a presidir as cerimônias solenes vestindo casulas preciosas conservadas no Museu do Duomo, como a tradição pede"; incluindo o anel "com um belíssimo camafeu que pertencia ao Cardeal Schuster". "Eu me sentiria ridículo se tivesse que adotar um estilo, no sentido de comportamento exterior, que não é meu". Mas, como bispo de Grosseto, "ia visitar pacientes de AIDS, quando ainda a doença era sinônimo de terrível sofrimento e morte certa. O mesmo fiz com as mulheres da prisão feminina em Veneza. E nas periferias de Milão”.
Há uma parte da história da Itália e da Igreja, nas memórias de "Dom Angelo". A ocupação alemã, e as tentativas desesperadas para interceptar o pai motorista de caminhão que não sabia que havia mudado a senha necessária para entrar no edifício tomado pelos nazistas, onde a família Scola morava em uma casa de 35 metros quadrados. A chegada dos norte-americanos e a descoberta do chocolate, roubado às escondidas da mãe. A fé "transmitida com leite e ternura". O compartilhamento das ideias políticas do pai socialista. A descoberta do "gênio educador" do Padre Giussani: "Com ele você nunca brincava e todos estavam sempre felizes", mesmo durante as discussões à beira do confronto. A viagem a Paris no verão de 1968 e as manifestações no Quartier Latin. A doença que o deixou em coma, a um passo da morte. O encontro com o jovem empreendedor da Edilnord, Silvio Berlusconi. A experiência com a psicanálise. As noites passadas com Wojtyla em oração no chão de braços abertos, como se estivesse na cruz. O aviso pelo então Cardeal Ratzinger: "Padre Angelo, não dê conselhos a quem não os pediu." A amizade com o grande teólogo Hans Urs von Balthasar, que conversava à noite com a mística Adrienne von Speyr, morta há anos. O "duplo pecado original" que sentia em si mesmo por causa da formação em CL(Comunhão e Libertação). A carta de Carrón a Bento XVI, que esperava a chegada de Scola a Milão e criticava seus antecessores Martini e Tettamanzi "com expressões sucintas e um tanto desajeitadas”. O veto de Bertone à nomeação de Scola como presidente da Conferência Episcopal. Os juízos lisonjeiros sobre Ruini e Bagnasco. A relação com o Islã. Os anos de Veneza e Milão, o seu retiro em suas amadas montanhas acima de Lecco, e as reflexões sobre o futuro de um homem que ainda tem muito a dizer. A começar por uma ideia forte: Jesus não é um falecido, mas um contemporâneo; e o cristianismo nada mais é que o encontro com Ele. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br
VOCAÇÃO E FAMÍLIA: Frei Petrônio
- Detalhes
Sacerdote assassinado na Nigéria
- Detalhes
Pe. Michael Akawu é o 10° sacerdote assassinado no continente africano em 2018.
Cidade do Vaticano
“Pe. Michael Akawu foi morto durante um assalto", confirmou à Agência Fides padre Patrick Tor Alumuku, diretor do Escritório de Comunicações Sociais da Arquidiocese de Abuja, capital federal da Nigéria
O sacerdote foi morto no sábado, 18 de agosto, durante um assalto no supermercado onde fazia algumas compras. Os criminosos também atingiram e mataram outras pessoas durante a ação, acrescentou padre Alumuku.
Primeiro sacerdote católico originalmente de Abuja
Padre Akawu era vice-pároco na paróquia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Dobi-Gwagwalada, uma cidade satélite no Território da Capital Federal de Abuja e o primeiro sacerdote católico de Abuja. Ele havia sido ordenado em 4 de fevereiro pelo cardeal John Onayeikan, arcebispo de Abuja.
Desde o início de 2018, ao menos 22 sacerdotes foram assassinados em todo o mundo. Quase metade deles 10 - somente no continente africano. Fonte: www.vaticannews.va
Abusos na Igreja da Pensilvânia: a carta do Papa aos fiéis.
- Detalhes
CARTA DO PAPA FRANCISCO AO POVO DE DEUS
«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele» (1 Co 12, 26). Estas palavras de São Paulo ressoam com força no meu coração ao constatar mais uma vez o sofrimento vivido por muitos menores por causa de abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número notável de clérigos e pessoas consagradas. Um crime que gera profundas feridas de dor e impotência, em primeiro lugar nas vítimas, mas também em suas famílias e na inteira comunidade, tanto entre os crentes como entre os não-crentes. Olhando para o passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar reparar o dano causado. Olhando para o futuro, nunca será pouco tudo o que for feito para gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas. A dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a protecção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade.
1-Um membro sofre?
Nestes últimos dias, um relatório foi divulgado detalhando aquilo que vivenciaram pelo menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência, nas mãos de sacerdotes por aproximadamente setenta anos. Embora seja possível dizer que a maioria dos casos corresponde ao passado, contudo, ao longo do tempo, conhecemos a dor de muitas das vítimas e constamos que as feridas nunca desaparecem e nos obrigam a condenar veementemente essas atrocidades, bem como unir esforços para erradicar essa cultura da morte; as feridas “nunca prescrevem”. A dor dessas vítimas é um gemido que clama ao céu, que alcança a alma e que, por muito tempo, foi ignorado, emudecido ou silenciado. Mas seu grito foi mais forte do que todas as medidas que tentaram silenciá-lo ou, inclusive, que procuraram resolvê-lo com decisões que aumentaram a gravidade caindo na cumplicidade. Clamor que o Senhor ouviu, demonstrando, mais uma vez, de que lado Ele quer estar. O cântico de Maria não se equivoca e continua a se sussurrar ao longo da história, porque o Senhor se lembra da promessa que fez a nossos pais: «dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias» (Lc 1, 51-53), e sentimos vergonha quando percebemos que o nosso estilo de vida contradisse e contradiz aquilo que proclamamos com a nossa voz.
Com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas vidas. Nós negligenciamos e abandonamos os pequenos. Faço minhas as palavras do então Cardeal Ratzinger quando, na Via Sacra escrita para a Sexta-feira Santa de 2005, uniu-se ao grito de dor de tantas vítimas, afirmando com força: «Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta autossuficiência!... A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir-Lhe, do mais fundo da alma, este grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. Mt 8, 25)» (Nona Estação).
2-Todos os outros membros sofrem com ele.
A dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse facto de maneira global e comunitária. Embora seja importante e necessário em qualquer caminho de conversão tomar conhecimento do que aconteceu, isso, em si, não basta. Hoje, como Povo de Deus, somos desafiados a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito. Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro, num âmbito onde os conflitos, tensões e, especialmente, as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 228). Essa solidariedade exige que, por nossa vez, denunciemos tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa. Uma solidariedade que exige a luta contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual «porque trata-se duma cegueira cómoda e autossuficiente, em que tudo acaba por parecer lícito: o engano, a calúnia, o egoísmo e muitas formas subtis de autorreferencialidade, já que “também Satanás se disfarça em anjo de luz” (2 Cor 11, 14)» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 165). O chamado de Paulo para sofrer com quem sofre é o melhor antídoto contra qualquer tentativa de continuar reproduzindo entre nós as palavras de Caim: «Sou, porventura, o guardião do meu irmão?» (Gn 4, 9).
Reconheço o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem segurança e protejam à integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade, bem como a implementação da “tolerância zero” e de modos de prestar contas por parte de todos aqueles que realizem ou acobertem esses crimes. Tardamos em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas confio que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro.
Juntamente com esses esforços, é necessário que cada batizado se sinta envolvido na transformação eclesial e social de que tanto necessitamos. Tal transformação exige conversão pessoal e comunitária, e nos leva dirigir os olhos na mesma direção do olhar do Senhor. São João Paulo II assim o dizia: «se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-Lo sobretudo no rosto daqueles com quem Ele mesmo Se quis identificar» (Carta ap. Novo millennio ineunte, 49). Aprender a olhar para onde o Senhor olha, estar onde o Senhor quer que estejamos, converter o coração na Sua presença. Para isso nos ajudarão a oração e a penitência. Convido todo o Povo Santo fiel de Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do Senhor[1], que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o compromisso com uma cultura do cuidado e o “nunca mais” a qualquer tipo e forma de abuso.
É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação activa de todos os membros do Povo de Deus. Além disso, toda vez que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas[2]. Isto se manifesta claramente num modo anômalo de entender a autoridade na Igreja - tão comum em muitas comunidades onde ocorreram as condutas de abuso sexual, de poder e de consciência - como é o clericalismo, aquela «atitude que não só anula a personalidade dos cristãos, mas tende também a diminuir e a subestimar a graça batismal que o Espírito Santo pôs no coração do nosso povo»[3]. O clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje. Dizer não ao abuso, é dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo.
É sempre bom lembrar que o Senhor, «na história da salvação, salvou um povo. Não há identidade plena, sem pertença a um povo. Por isso, ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado, mas Deus atrai-nos tendo em conta a complexa rede de relações interpessoais que se estabelecem na comunidade humana: Deus quis entrar numa dinâmica popular, na dinâmica dum povo» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 6). Portanto, a única maneira de respondermos a esse mal que prejudicou tantas vidas é vivê-lo como uma tarefa que nos envolve e corresponde a todos como Povo de Deus. Essa consciência de nos sentirmos parte de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer nossos pecados e erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a partir de dentro. Tudo o que for feito para erradicar a cultura do abuso em nossas comunidades, sem a participação activa de todos os membros da Igreja, não será capaz de gerar as dinâmicas necessárias para uma transformação saudável e realista. A dimensão penitencial do jejum e da oração ajudar-nos-á, como Povo de Deus, a nos colocar diante do Senhor e de nossos irmãos feridos, como pecadores que imploram o perdão e a graça da vergonha e da conversão e, assim, podermos elaborar acções que criem dinâmicas em sintonia com o Evangelho. Porque «sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo actual» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 11).
É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros. A consciência do pecado nos ajuda a reconhecer os erros, delitos e feridas geradas no passado e permite nos abrir e nos comprometer mais com o presente num caminho de conversão renovada.
Da mesma forma, a penitência e a oração nos ajudarão a sensibilizar os nossos olhos e os nossos corações para o sofrimento alheio e a superar o afã de domínio e controle que muitas vezes se torna a raiz desses males. Que o jejum e a oração despertem os nossos ouvidos para a dor silenciada em crianças, jovens e pessoas com necessidades especiais. Jejum que nos dá fome e sede de justiça e nos encoraja a caminhar na verdade, dando apoio a todas as medidas judiciais que sejam necessárias. Um jejum que nos sacuda e nos leve ao compromisso com a verdade e na caridade com todos os homens de boa vontade e com a sociedade em geral, para lutar contra qualquer tipo de abuso de poder, sexual e de consciência.
Desta forma, poderemos tornar transparente a vocação para a qual fomos chamados a ser «um sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano» (Conc. Ecum. Vat. II, Lumen gentium, 1).
«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele», disse-nos São Paulo. Através da atitude de oração e penitência, poderemos entrar em sintonia pessoal e comunitária com essa exortação, para que cresça em nós o dom da compaixão, justiça, prevenção e reparação. Maria soube estar ao pé da cruz de seu Filho. Não o fez de uma maneira qualquer, mas permaneceu firme de pé e ao seu lado. Com essa postura, Ela manifesta o seu modo de estar na vida. Quando experimentamos a desolação que nos produz essas chagas eclesiais, com Maria nos fará bem «insistir mais na oração» (cf. S. Inácio de Loiola, Exercícios Espirituais, 319), procurando crescer mais no amor e na fidelidade à Igreja. Ela, a primeira discípula, nos ensina a todos os discípulos como somos convidados a enfrentar o sofrimento do inocente, sem evasões ou pusilanimidade. Olhar para Maria é aprender a descobrir onde e como o discípulo de Cristo deve estar.
Que o Espírito Santo nos dê a graça da conversão e da unção interior para poder expressar, diante desses crimes de abuso, a nossa compunção e a nossa decisão de lutar com coragem.
Francisco
Cidade do Vaticano, 20 de Agosto de 2018.
[1] «Esta espécie de demónios não se expulsa senão à força de oração e de jejum» Mt 17, 21.
[2] Cf. Carta do Santo Padre Francisco ao Povo de Deus que peregrina no Chile, 31 de Maio de 2018.
[3] Carta do Papa Francisco ao Cardeal Marc Ouellet, Presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, 19 de Março de 2018.
Fonte: http://w2.vatican.va
Pág. 246 de 664